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1 MILENA INES SIVIERI PISTORI EXPANSÃO E INTERIORIZAÇÃO DOS CURSOS DE DIREITO EM MATO GROSSO DO SUL...

MILENA INES SIVIERI PISTORI

EXPANSÃO E INTERIORIZAÇÃO DOS CURSOS DE DIREITO EM MATO GROSSO DO SUL – 1965-2002

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação. Área de Concentração: Escolar e Formação de Professores

Educação

Orientadora: Drª. Mariluce Bittar

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO Campo Grande 2004

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EXPANSÃO E INTERIORIZAÇÃO DOS CURSOS DE DIREITO EM MATO GROSSO DO SUL – 1965-2002

MILENA INES SIVIERI PISTORI

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________ Profª. Drª. Mariluce Bittar – UCDB Presidente _________________________________________ Profª. Drª. Marília Costa Morosini – PUC-RS _________________________________________ Profª. Drª Margarita Victoria Rodriguez – UCDB

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À comunidade científica que, apesar de tantos dissabores, continua no caminho árduo e, muitas vezes, solitário, da construção do conhecimento científico.

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AGRADECIMENTOS Muitas pessoas me auxiliaram na construção deste trabalho, desde o ingresso no Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação – da Universidade Católica Dom Bosco até a elaboração da sua redação final. Com carinho e devoção, agradeço: •

Primeiramente, a Deus por me conceder essa oportunidade de estudo;

À Mariluce Bittar, orientadora desta dissertação, que me ensinou e mostrou os caminhos da construção de um trabalho científico;

Ao Jeferson Pistori, meu marido e companheiro; primeira pessoa a me incentivar a ingressar nesse Programa de Mestrado, além de muito ter contribuído para a consecução deste trabalho;

Ao Bruno e ao Gabriel, meus maravilhosos filhos gêmeos, que vieram ao mundo ao longo da caminhada deste trabalho e participaram, sem ainda compreender, a dividir o meu amor por eles com meu amor pelos estudos;

À minha mãe, Maria Inês, que, num momento tão difícil e árduo, me auxiliou a cuidar, com imenso carinho, dos meus filhos;

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Ao meu pai, Disney, que, mesmo distante, me incentivou a trilhar novos desafios;

Aos meus irmãos, Junior, Marcus, Luiz Eduardo e Amanda, que me apoiaram a continuar lutando pelos meus objetivos;

À Dona Emília, minha sogra, por ter me auxiliado nos primeiros cuidados com meus filhos;

Aos professores e colegas deste Programa de Mestrado, que, mesmo assustando-se com a notícia da minha gravidez gemelar, nunca deixaram de me oferecer apoio e incentivo;

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior – CAPES – pela bolsa de estudos concedida durante esses 21 meses;

À Universidade Católica Dom Bosco, pela confiança e credibilidade depositada na minha pessoa.

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PISTORI, Milena Inês Sivieri. Expansão e interiorização dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul – 1965-2002. Campo Grande, 2004.175p. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação - Universidade Católica Dom Bosco.

RESUMO

Esta dissertação apresenta resultados parciais do Projeto Integrado de Pesquisa denominado “Processo de Expansão e Interiorização da Educação Superior na Região Centro-Oeste – as marcas da mercantilização do ensino”, iniciado em fevereiro de 2003 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas de Educação Superior - GEPPES. Tem como questão fundamental a análise da relação entre as políticas públicas para a educação superior e o processo de expansão e interiorização dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul no período entre 1965 e 2002. O objetivo geral consiste em investigar em que medida esse processo no estado está relacionado com as políticas implementadas pelo Estado e pelos organismos multilaterais, como o Banco Mundial, a UNESCO e a Organização Mundial do Comércio. Como procedimentos metodológicos, utilizou-se fontes documentais: projetos políticos pedagógicos e processos de criação e/ou reconhecimento dos cursos de direito das IES de Mato Grosso do Sul (fontes primárias); dados do MEC/INEP, matérias veiculadas pelas imprensas nacional e regional, , legislação pertinente e documentos do Banco Mundial e da UNESCO (fontes secundárias). A pesquisa demonstrou que os movimentos de expansão e interiorização dos cursos de direito no estado iniciaram-se apenas em meados da década de 1990. Ao contrário do setor privado, o setor público mais se interiorizou que expandiu: criou cinco cursos no interior, enquanto que aquele setor criou quatro na capital. Ao todo, o estado oferece dezoito cursos de direito, sendo doze no interior e seis na capital e a maioria das vagas é oferecida pela iniciativa privada: 78,1%. Há predominância do período noturno: 65% das vagas no setor privado e 49% das vagas no setor público. Concluiu-se que Mato Grosso do Sul acompanha o cenário nacional no que pertine à predominância das vagas do curso de direito no setor privado, demonstrando que a sociedade política autoriza a criação de cursos em desconformidade com a legislação vigente, bem como deixa de cumprir seu papel de fiscalizadora, num processo que reforça o movimento de mercantilização da educação superior. PALAVRAS-CHAVE: Política de Educação Superior; Expansão e Interiorização; Cursos de Direito

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PISTORI, Milena Inês Sivieri. Expansão e interiorização dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul – 1965-2002. Campo Grande, 2004.175p. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação - Universidade Católica Dom Bosco.

ABSTRACT This dissertation presents resulted partial of the Integrated Project of called Research "Process of Expansion and Internalization of High Education in the Region Centro-Oeste the marks of the marketing of education", initiated in February of 2003 for the Group of Studies and Research on Higher Education Policies - GEPPES. Has basic question the analysis of the relation between the public policy for the higher education and the process of expansion and internalization of the law schools in Mato Grosso do Sul in the period between 1965 and 2002. The general objective consists of investigating where measured this process in the state it is related with the policy implemented for the State and the multilateral institutions, such as the World Bank, the UNESCO and the World Trade Organization. The work is divided in three chapters: in the first one, it presents the panorama of the higher education in Brazil after-1945; in as, it shows a historical briefing of the legal courses in the country and of the creation of the OAB; finally, it brings some considerations on the higher education in Mato Grosso of the South, focusing the expansion and internalization of the law schools in the region. As documentary sources, the research used given of the MEC/INEP, substances propagated for the presses national and regional, documents of the institutions of higher education (projects pedagogical policies and processes of creation and/or recognition of the right courses), pertinent legislation and documents of the World Bank and UNESCO. The research demonstrated that the movements of expansion and internalization of the law schools in the state had been initiated only in middle of the decade of 1990. In contrast of the private sector, the public sector more was internalized that it expanded: it created five courses in the interior, while that that sector created four in the capital. To all, the state offers eighteen law schools, being twelve in the interior and six in the capital and majority of the vacant it is offered by the private initiative: 78,1%. It has predominance of the nocturnal period: 65% of the vacant in private sector and 49% of the vacant in the public sector. One concluded that Mato Grosso do Sul folloies the national scene in that pertine to the predominance of the vacant of the law schools in the private sector, demonstrating that the society policies authorizes the creation of courses in disconformity with the current law, as well as leaves to fulfill its paper of inspector, in a process that strengthens the movement of the marketing of the higher education. KEY WORDS: Higher Education Policies; Expansion and Internalization; Law Schools

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Cursos jurídicos instalados no Brasil até 1930..............................................56 Figura 2 Mapa de Mato Grosso do Sul: municípios que Oferecem os curso de Direito ..........................................................................................................................113

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Estabelecimentos e matrículas de ensino superior privadas – 1933-1960......13 Tabela 2 - Distribuição setorial dos empréstimos do banco mundial ao Brasil................30 Tabela 3 - Percentual de crescimento do total de número de cursos no setor privado ......38 Tabela 4 - Percentual de crescimento do número de cursos de direito no setor privado...40 Tabela 5 - Relação número total de cursos na capital x no interior...................................42 Tabela 6 - Ocupação social de pais de professores da faculdade de direito da USP – 1827-1922 ..........................................................................................................................58 Tabela 7 - Número e distribuição percentual de matrículas por dependência administrativa, segundo as regiões - 1998 .........................................................................92 Tabela 8 - Número de matrículas nos cursos de direito nos períodos diurno e noturno, segundo as regiões .............................................................................................................106

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LISTA DE QUADROS Quadro I - Relação formados em direito x número de habitantes .....................................15 Quadro II - Evolução do número de matrículas na educação superior – 1962-2002.........22 Quadro III - Evolução do número de matrículas na educação superior – 1980-2002 .......23 Quadro IV - Número de unidades escolares no ensino primário no mato grosso uno 1966 ...................................................................................................................................79 Quadro V - Número de unidades escolares no ensino médio no mato grosso uno 1966 ...................................................................................................................................80 Quadro VI - Número de unidades escolares no ensino primário no mato grosso uno 1966 ...................................................................................................................................80 Quadro VII - Comparativo do número de matrículas entre os setores público e privado nos cursos de direito entre o estado de MS, a região Centro-Oeste e o Brasil ....103 Quadro VIII - comparativo do número de matrículas nos cursos de direito nos turnos diurno e noturno entre Mato Grosso do Sul, Centro-Oeste e Brasil ..................................104 Quadro IX - Comparativo do número de matrículas nos cursos de direito com os demais cursos no Brasil, Centro-Oeste e Mato Grosso Do Sul ........................................108 Quadro X - Comparativo do número de matrículas nos cursos de direito na capital e interior entre Brasil e Mato Grosso do Sul ........................................................................110 Quadro XI – Demonstrativo das instituições que oferecem o curso de direito em MS e ano de criação ...................................................................................................................112 Quadro XII - Relação candidato/vaga nos vestibulares da UEMS – 1996-2004...............117 Quadro XIII - Relação candidato/vaga nos vestibulares da UFMS – 1998-2004 .............122

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Quadro XIV - Evolução do número de advogados ativos inscritos na seccional da OAB-MS............................................................................................................................137 Quadro XV - Perfil dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul - capital ......139 Quadro XVI - Perfil dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul - interior....140

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Evolução do número de cursos no Brasil – 1995-2002...................................38 Gráfico 2 - Evolução do número de cursos de direito no Brasil – 1995-2002 .................40 Gráfico 3 - Número de unidades escolares na região sul do estado de Mato Grosso uno .....................................................................................................................................84 Gráfico 4 - Número de unidades escolares na região norte do estado de Mato Grosso uno .....................................................................................................................................85 Gráfico 5 - Número de alunos matriculados nas instituições de ensino superior em Mato Grosso do Sul – 1979-1988 ......................................................................................88 Gráfico 6 - Número de concluintes no Mato Grosso do Sul – 1979-1988 .......................89 Gráfico 7 - Evolução do número de cursos de direito no Brasil – 1995-2003 ................135

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LISTA DE SIGLAS

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AEMS – Faculdades Integradas de Três Lagoas

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AGCS – Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços

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AID – Agência Internacional de Desenvolvimento

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AMGI – Agência Multilateral de Garantias de Investimento

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ANAFI – Associação Nacional de Faculdades e Institutos Superiores

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ASSOMASUL – Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul

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BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento

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BM – Banco Mundial

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CCBS – Centro de Ciências Biológicas da Saúde

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CCET – Centro de Ciências Exatas e da Terra

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CCHS – Centro de Ciências Humanas e Sociais

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CEJ – Comissão de Ensino Jurídico

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CESUP – Centro de Ensino Superior

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CFI – Corporação Financeira Internacional

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CF-OAB – Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

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CIDI – Centro Internacional para Conciliação de Divergência nos Investimentos

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CNE – Conselho Nacional de Educação

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COINTA – Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Taquari

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DEMEC-MS – Departamento Estadual do Ministério da Educação e Cultura de Mato Grosso do Sul

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EUA – Estados Unidos da América

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FACECA – Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis de Administração

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FADAFI – Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências e Letras

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FADIR – Faculdade de Direito

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FASSO – Faculdade de Serviço Social

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FESCG – Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande

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FIC-UNAES – Faculdades Integradas de Campo Grande

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FID – Faculdades Integradas de Dourados

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FIP – Faculdades Integradas de Ponta Porá

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FIRVE – Faculdades Integradas de Rio Verde de Mato Grosso

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FMI – Fundo Monetário Internacional

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FUCMT – Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso

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FUNDECT – Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul

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GEPES – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior

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IAB – Instituto dos Advogados do Brasil

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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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ICGES – Instituto Campo Grande de Ensino Superior

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IES – Instituição de Educação Superior

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IESPAN – Instituto de Ensino Superior do Pantanal

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INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

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LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

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MACE – Moderna Associação Campograndense de Ensino

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MARE – Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado

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MEC – Ministério da Educação e Cultura

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OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

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OAB-MS – Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso do Sul

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OMC – Organização Mundial do Comércio

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ONU – Organização das Nações Unidas

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PEE – Plano Estadual de Educação

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PNE – Plano Nacional de Educação

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PSD – Partido Social Democrático

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PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

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SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

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UCAM – Universidade Cândido Mendes

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UCDB – Universidade Católica Dom Bosco

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UDN – União Democrática Nacional

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UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

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UEMT – Universidade Estadual de Mato Grosso

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UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro

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UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

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UNAES – Faculdade de Campo Grande

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UnB – Universidade de Brasília

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UNESP – Universidade do Estado de São Paulo

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UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal

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UNIGRAN – Centro Universitário de Dourados

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USAID – United States Agency for Internacional Development

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USP – Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO CAPÍTULO I: PANORAMA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL PÓS1945 ................................................................................................................................12 1.1 Pós-guerra de 1945: expansão atendida da educação superior.....................12 1.2 O golpe militar e os reflexos na educação superior no Brasil: Reforma Universitária – Lei nº 5.540 de 28 de novembro de 1968 ..................................18 1.3 A influência das diretrizes dos organismos internacionais na condução das políticas públicas para a educação superior no Brasil e a Reforma do Estado .................................................................................................................28 CAPÍTULO II: BREVE HISTÓRICO DOS CURSOS JURÍDICOS NO BRASIL ......44 2.1 Surgimento dos cursos jurídicos no Brasil: Império e República Velha (1827-1934) .......................................................................................................45 2.2 Fundação do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB): partido ideológico da categoria ......................................................................................61 2.2.1 A criação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ...................65 2.2.2 A participação da OAB nas diretrizes do ensino jurídico................68 CAPÍTULO III: CURSOS DE DIREITO EM MATO GROSSO DO SUL ..................74 3.1. Educação superior em Mato Grosso uno e surgimento do estado de Mato Grosso do Sul: breves considerações........................................................75 3.2. Os cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul – 1950-1990..........92 3.3. Expansão desordenada dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul – 1990-2002...........................................................................................................99 3.3.1 Perfil dos cursos de direito de Mato Grosso do Sul...................... 113 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 148 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 156

INTRODUÇÃO "Todo o futuro da nossa espécie, todo o governo das sociedades, toda a prosperidade moral e material das nações dependem da ciência, como a vida do homem depende do ar. Ora, a ciência é toda observação, toda exatidão, toda verificação experimental. Perceber os fenômenos, discernir as relações, comparar as analogias e as dessemelhanças, classificar as realidades, e induzir as leis, eis a ciência; eis, portanto, o alvo que a educação deve ter em mira. Espertar na inteligência nascente as faculdades cujo concurso se requer nesses processos de descobrir e assimilar a verdade, é o a que devem tender os programas e os métodos de ensino." Rui Barbosa, 1889

A questão fundamental que motivou esta pesquisa foi a análise da relação entre as políticas públicas para a educação superior e o processo de expansão e interiorização dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul, no período entre 1965 (data do primeiro curso criado no estado) e 2002. O objetivo geral consistiu em investigar em que medida o movimento de expansão e interiorização dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul está relacionado com as políticas implementadas pela sociedade política e pelos organismos internacionais, como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio entre outros. As políticas públicas que vêm sendo implementadas pela sociedade política para a educação superior demonstram crescimento exacerbado do setor privado em detrimento do setor público, especialmente desde a última década (1990). Os dados

revelam que com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, a qual outorgou autonomia às universidades e aos centros universitários para criarem novos cursos, o crescimento da oferta de vagas no ensino privado, que se mantinha abaixo dos 10% anuais, subiu para 12,13% de 1996 a 1997. De 1999 para 2000, o aumento foi de 27,59% e de 2000 para 2002, de 34,31% (MEC/INEP, 2003). O incentivo governamental para o setor privado é característico da Reforma do Estado, iniciada no governo de Fernando Collor de Mello e efetivada a partir de 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso, a qual preconizava (e ainda preconiza) o afastamento da sociedade política das suas atividades essenciais básicas, como a educação, e a implementação do setor privado por intermédio de incentivos fiscais e financeiros. É, pois, no âmbito dessas propostas que a educação superior começa a sofrer mudanças significativas no Brasil. A Reforma do Estado fundamenta-se num dos princípios delineados pelo Consenso de Washington realizado no final dos anos 1980 sob a orientação dos organismos multilaterais BIRD/Banco Mundial, os quais defendem, dentre outros princípios, a “privatização das empresas e dos serviços públicos.” (SOARES, 1996, p. 23) Após a oficialização desse documento, o governo liberou o ingresso no país de verbas estrangeiras, inclusive para compra de instituições de ensino superior. Em 2002, a OMC pretendia inserir a educação superior “como um dos doze setores de serviços incluídos no AGCS (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços). Segundo esse organismo, o ensino superior é serviço e suas ações devem submeter-se aos critérios da organização”. (DIAS, 2002, p. 33) Nesta perspectiva, é preciso repensar as saídas para a educação superior, principalmente no que pertine à tímida expansão do ensino público em detrimento do privado. 2

“O cerne das novas políticas que estão sendo propostas refere-se ao setor público e implica a alteração da relação entre as instituições de ensino superior e o Estado, substituindo o sistema altamente centralizado e burocrático de controles governamentais, associado ao financiamento incremental, por outro baseado na contenção de gastos públicos, na descentralização administrativa e na introdução de processos de avaliação.” (DURHAM, 1998, p. 102)

O processo de implantação e expansão dos cursos de nível superior no estado de Mato Grosso do Sul, inclusive do curso de direito, teve como precursora a iniciativa privada-confessional1 que instalou a primeira Instituição de Ensino Superior no antigo estado de Mato Grosso em 1961, com a criação da Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências e Letras (FADAFI) em Campo Grande, oferecendo os cursos de pedagogia e letras. Apenas em 1965, ofereceu o curso de direito. Na década de 1960 a educação superior no antigo estado de Mato Grosso era representada por apenas duas faculdades: uma confessional comunitária em Campo Grande (FADAFI) e a outra pública-estatal em Cuiabá. Em 1969 foi criada a Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), com campus em Campo Grande, federalizada em 1979 (UFMS); em 1970 a faculdade de Cuiabá também foi federalizada (UFMT); em 1976 as Faculdades Integradas de Dourados (FID) foram criadas em Dourados e em 1977 surgiu o Centro de Ensino Superior (CESUP) em Campo Grande. Até o início da década de 1990, havia apenas dois cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul (criado em 1977), os quais eram oferecidos pela iniciativa privada-confessional (FUCMT) e privada-empresarial (FID). É nesta década

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Considerada por alguns estudiosos como público não-estatal e por outros como setor privado. Mariluce Bittar, em sua tese de doutoramento sobre o assunto, concluiu que esse conceito é ambíguo, uma vez que a natureza jurídica dessas IES permanece privada. (1999, p. 232) Valdemar Sguissardi afirma que “quando se lança mão de artifícios semânticos como entidades públicas não estatais, propriedade pública não estatal e espaços do semipúblico e do semiprivado, o que se quer significar de fato é que se entende a educação superior como espaço efetivamente privado.” (2000, p. 42)

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que várias instituições surgiram oferecendo o curso de direito, como se pode notar no quadro a seguir:

ANO 1965 1976 1994

1995 1996 1997

1999 2000

INSTITUIÇÃO DE ENSINO CIDADE SUPERIOR Faculdade Dom Aquino de Campo Grande Filosofia, Ciências e Letras (FADAFI) Faculdades Integradas de Dourados Dourados (FID) Universidade Estadual de Paranaíba Mato Grosso do Sul (UEMS) Faculdades Integradas de Campo Grande Campo Grande (FIC-UNAES) Faculdades Integradas de Três Três Lagoas Lagoas (AEMS) Universidade Federal de Mato Campo Grande e Três Lagoas Grosso do Sul (UFMS) UEMS Dourados Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP) Faculdades Integradas de Ponta Porá (FIP) UFMS UNIDERP

2001

Faculdade Estácio de Sá (FESCG) Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) UFMS UEMS

2002

Instituto Campo Grande de Ensino Superior (ICGES) Instituto de Ensino Superior do Pantanal (IESPAN)

Campo Grande

Ponta Porã Dourados Rio Verde de Mato Grosso Campo Grande São Gabriel D’Oeste Corumbá Naviraí Campo Grande Corumbá

Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados fornecidos pelo INEP, 2003.

O estado de Mato Grosso do Sul reflete o mesmo panorama da educação superior no Brasil: expansão do setor privado em maior escala que o setor público.

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Contudo, foi o setor público o precursor do movimento de interiorização da educação superior no estado, sendo, inclusive, mais intenso que o setor privado. Os cursos de direito no estado apresentaram essas mesmas características, porém, com diferencial: são, juntamente com os cursos de administração e ciências contábeis, os cursos com o maior número de vagas. Em 2003, foram oferecidas 3.120 vagas para o curso de direito, das quais 2.780 são privadas (89,1%) e 340 públicas (10,9%). (INEP, 2003) No estado de Mato Grosso do Sul não há muitos estudos teórico-científicos nesta seara. Encontraram-se dez dissertações de mestrado que analisam a educação superior de forma genérica, todas do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação - da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Oito delas sobre práticas pedagógicas (1999 e 2000); uma sobre o papel do ensino superior com relação ao mercado de trabalho (1999) e apenas uma enfocando o tema na perspectiva da política pública de expansão da educação superior (2003). Ressaltam-se os trabalhos de Walter Leite Pereira, sobre o tema “a ação pedagógica do professor universitário: reflexões sobre o ensino superior”; e o de Eloísa Bittencourt Fernandes com a temática “expansão universitária em Mato Grosso do Sul: 1979-2001”, que pode ser considerada a primeira dissertação que efetivamente sistematizou os dados da expansão da educação superior em Mato Grosso do Sul, focalizando as quatro universidades do estado: UEMS, UFMS, UNIDERP e UCDB. Pesquisar sobre educação superior é importante para o desenvolvimento das instituições de ensino superior e da sociedade em geral, uma vez que esse tema está intrinsicamente relacionado à formação pessoal e profissional de cada um, servindo de subsídio à cultura do país. Além disso, o interesse pela pesquisa vem acompanhado da trajetória de vida da autora desta dissertação. Em 1995, ingressou no curso de direito da UCDB. Não 5

satisfeita apenas com o ensino ministrado em sala de aula, procurou ingressar no programa de iniciação científica. Várias foram as tentativas, mas somente em 1997, conseguiu ingressar no programa, tendo em vista que os professores do curso não estavam, ainda, engajados na pesquisa. A pesquisadora foi a primeira aluna do programa de iniciação científica do curso de direito da UCDB. Esse fato foi o ponto de partida para seus questionamentos a respeito da qualidade do curso e do grande número de alunos que se formavam e não sabiam, sequer, o que era pesquisa. Foi bolsista por três anos, tendo, inclusive, participado de grandes eventos com apresentação de trabalhos, como na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A partir daí, surgiu o interesse pelo mestrado. Em 1999 se formou e, em 2000, ingressou no curso de especialização em direito tributário, visando à carreira acadêmica. No último ano da faculdade, já começou a dar aulas na universidade como monitora. Daí seu interesse pela docência ficou ainda mais aguçado. Em 2000, iniciou suas atividades docentes como professora substituta na UCDB e, em 2002, participou da seleção para ingresso no Programa de Mestrado em Educação da UCDB. O envolvimento com o tema se iniciou após o ingresso da pesquisadora no Mestrado e no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (GEPES), que une os Programas de Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), desenvolvendo, atualmente, o projeto coletivo denominado “processo de expansão e interiorização da educação superior na Região Centro-Oeste – as marcas da mercantilização do ensino”, entre outras pesquisas em andamento. O referido projeto foi aprovado em 2003 pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT), e conta com pesquisadores das duas universidades

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(professores e alunos dos Programas de Mestrado e alunos do programa de iniciação científica). É neste sentido, que a presente pesquisa despertou interesse, pois procurou investigar a criação dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul, inseridos no panorama nacional e regional da educação superior, revelando que sua expansão no setor privado é significativa e supera muitos cursos de ensino superior “de elite” no país, como os de medicina, odontologia, entre outros. Como membro da Comissão de Defesa das Prerrogativas dos Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Mato Grosso do Sul (OAB-MS) na gestão 2001-2003, a autora pôde perceber que a Instituição pouco se envolvia nos processos relacionados à criação e ao reconhecimento dos cursos de direito no estado. Muito se falava sobre a proliferação desses cursos, mas praticamente nada se fazia. Esse fato causou a ela interrogações que só poderiam ser explicadas no decorrer de um estudo aprofundado sobre o tema, pois a possibilidade de intervir é previsão legal. Sob esta ótica, a OAB-MS deveria se manifestar sobre a expansão desses cursos em nível estadual? Como ela vem procedendo diante de referida situação? O papel do Conselho Federal da OAB e da OAB-MS também é importante nesse processo de expansão e interiorização dos cursos de direito. Em 1992, a OAB criou a Comissão de Ensino Jurídico (CEJ) objetivando emitir parecer prévio sobre a criação de um novo curso jurídico, bem como sobre o reconhecimento (ou a renovação desse reconhecimento). Em 1994, por meio da lei nº 8.906, de 04 de julho (Estatuto da OAB), essa função ganhou amparo legal e, mais tarde, foi consolidada com o decreto nº 1.303, de 08 de novembro. A CEJ é composta por Conselheiros Federais e por advogados de várias regiões do país (entre estes, alguns devem ser professores da área).

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Na busca do conhecimento científico, a pesquisa é seu elemento essencial, porque se apresenta como o caminho procedimental adequado para alcançar esse conhecimento e produzir ciência. Por caracterizar-se como pesquisa documental, primeiramente, procedeu-se ao estudo da literatura publicada sobre educação superior e matérias veiculadas pela imprensa nacional e regional, a fim de confrontar várias discussões sobre o tema e organizar o desenvolvimento da pesquisa. A base teórica é fundamental para que a pesquisa tenha rigor científico plausível. “É o caminho e o instrumental próprios de abordagem da realidade.”. (MINAYO, 1986, p. 22) Após a organização da literatura correspondente, passou-se à coleta dos dados. Foram analisados os projetos políticos pedagógicos e processos de criação e/ou reconhecimento dos cursos de direito no estado, obtidos nas IES e na OAB-MS, das seguintes instituições: UNAES, UCDB, IESPAN, UFMS, UEMS, FESCG e UNIDERP (campi Rio Verde de Mato Grosso e Campo Grande), e também a legislação pertinente (Plano Nacional de Educação, Plano Estadual de Educação, LDB, Estatuto da OAB) e documentos do Banco Mundial/UNESCO. Para selecionar as instituições de ensino superior que oferecem o curso de direito no estado, estabeleceu-se como critério os cursos das IES autorizadas pelo MEC. O número de vagas e de matrículas também foi analisado com base nos dados oficiais fornecidos pelo MEC/INEP. Para desenvolver a pesquisa, elencaram-se as seguintes categorias de análise: expansão, interiorização, público e privado. Seguindo o entendimento de Luiz Dourado, a expansão do ensino superior é “a garantia da ampliação das oportunidades educacionais, considerando para tal o incremento de matrículas (acesso) e as modalidades em que se efetivam esse processo (criação de escolas, expansão de vagas).” (2001, p. 23) Nesta dissertação, a expansão dos cursos de direito é 8

compreendida sob quatro perspectivas: a) expansão exigida (1827-1890), no sentido de que a sociedade política atendeu às exigências da sociedade civil e também aos seus próprios anseios; b) expansão atendida (1930-1960), significando que o crescimento dos cursos de direito no país atendeu aos anseios da sociedade civil, com a ampliação do número de vagas no setor público mediante a criação de várias universidades públicas; c) expansão articulada (1960-1990): correspondendo à interligação direta e indireta do setor privado com agências internacionais e investimentos do governo brasileiro; e d) expansão desordenada (1990-2002): crescimento do setor privado em desconsonância com a legislação vigente e com a realidade social, posto que esse setor cresceu aceleradamente, oferecendo mais vagas do que a demanda requereu e em descompasso com o setor público, que, apesar de ter aumentado o número de vagas, não atendeu à demanda por ensino público. Já a interiorização do ensino superior é, de certa forma, uma das conseqüências dessa expansão, sendo, pois, “uma resultante dessas políticas adotadas cujo desdobramento tem implicado a descentralização da oferta de vagas e a criação de escolas no interior dos Estados”. (DOURADO, 2001, p. 23) Nesta pesquisa, o sentido de interiorização é tido como desconcentração regional das faculdades; é um fenômeno que revela o deslocamento de estabelecimentos de ensino superior centrais para regiões consideradas periféricas, comumente no interior do próprio estado da federação; retrata um movimento de criação de campi em outras localidades. O público foi considerado o setor que abrange as instituições federais e estaduais, pois que no estado de Mato Grosso do Sul não há IES municipal; as demais instituições foram consideradas privadas, quer comunitárias- confessionais, quer empresariais.

9

Com os dados em mãos, o próximo passo foi construir tabelas, gráficos e quadros pertinentes ao número de vagas e de matrículas nos cursos de direito, a fim de demonstrar o movimento de expansão e interiorização desses cursos. Posteriormente, passou-se à análise desses constructos com base nas categorias já previamente estabelecidas (expansão, interiorização, público e privado). Para analisar os projetos políticos pedagógicos e os processos de criação e reconhecimento dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul, foram extraídos e selecionados oito elementos desses documentos que tinham pertinência com as categorias de análise estabelecidas: 1. Objetivos do curso: evidenciam a finalidade para a qual foram criados; 2. Justificativa de criação do curso: razão pela qual foram criados; 3. Perfil profissiográfico: possibilidades de encaminhamento ao mercado de trabalho; 4. Perfil do curso: como o curso é formado de modo a atender sua clientela; 5. Concepção filosófica de educação da IES: qual o conceito de educação para a instituição; 6. Interferência das sociedade civil e política na criação dos cursos: ocorrência ou não de manifestações da sociedade para a criação do curso nas respectivas regiões; 7. Postura da OAB na criação/reconhecimento dos cursos: se a entidade exerce ou não influência na criação/reconhecimento dos cursos de direito no estado; 8. Docentes do curso: formação do quadro docente dos cursos (com ou sem titulação acadêmica; dedicação exclusiva ou não; presença da pesquisa nos cursos entre outros). A pesquisadora retomou alguns acontecimentos marcantes para a educação superior no Brasil, porque os considerou importantes para a análise do seu objeto de pesquisa, como o surgimento dos cursos jurídicos no Brasil e como foram se expandindo; a criação da OAB e sua influência política no poder e nas diretrizes do ensino jurídico; o golpe militar e a reforma universitária de 1968.

10

Pelos estudos realizados, a dissertação pôde ser estruturada em três capítulos, sendo assim distribuídos: •

no capítulo primeiro apresenta-se o panorama da educação superior no Brasil pós-1945, indicando o crescimento do setor público neste período, ao mesmo tempo em que o setor privado ganha incentivos governamentais e apoio das agências internacionais para o fomento da educação superior no país.

no capítulo segundo, mostra-se um breve histórico dos cursos jurídicos no Brasil, desde o seu surgimento (Império) até a República Velha. Nos últimos itens, apresenta-se a criação da OAB e seu papel na expansão dos cursos jurídicos como partido ideológico da categoria.

no último capítulo, trazem-se algumas considerações sobre a educação superior no estado de Mato Grosso do Sul, focalizando a expansão e a interiorização dos cursos de direito, por meio da análise dos projetos políticos pedagógicos e dos processos de criação e/ou reconhecimento desses cursos, bem como o perfil destes, traçado pelas instituições de ensino superior que oferecem referido curso. Nas conclusões, buscou-se compreender os fenômenos de expansão e

interiorização dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul em confronto com as políticas públicas educacionais e as diretrizes emanadas pelos organismos internacionais.

11

CAPÍTULO I PANORAMA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL PÓS-1945

Neste capítulo, apresenta-se o panorama da educação superior no Brasil pós1945, indicando o crescimento do setor público, ao mesmo tempo em que o setor privado ganhou incentivos governamentais e apoio das agências internacionais para o fomento da educação superior no país, principalmente após o golpe militar de 1964 e a reforma universitária de 1968.

1.1. Pós-Guerra de 1945: expansão atendida da educação superior Entre a década de 1930 e 1960 houve a criação de várias faculdades de ensino superior no Brasil, principalmente o surgimento das universidades, tanto públicas como privadas. Em 1934 surgiu a primeira universidade pública-estatal no Brasil: a USP, no campus onde foi criado o primeiro curso de direito no país – Largo de São Francisco. Porém, a criação da USP não desencadeou, em seguida, o surgimento de outras instituições públicas-estatais, mesmo com a implantação da UnB em 1935, liderada por Anísio Teixeira, tendo em vista ter sido fechada em 1936. A Igreja Católica criou sua primeira universidade em 1944, no Rio de Janeiro (Universidade Católica do Rio de Janeiro), após grandes lutas no governo de Getúlio Vargas, no âmbito da Reforma de Gustavo Capanema (1934-1945). Muitas universidades

que

integram

o

segmento

das

universidades

comunitárias

(principalmente

as

confessionais), surgiram neste período, como: “Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1931), Universidade Católica de Pernambuco (1931), Universidade Católica de Salvador (1932), Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1938), Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1941), Universidade de Cruz Alta (1947), entre outras.” (BITTAR, Mariluce, 1999, p. 40). Foram nas décadas de 1950 e 1960 que as universidades públicas-estatais foram surgindo paulatinamente: “Universidade Federal do Ceará (1954), Universidade Federal de São Carlos (1960), Universidade Federal de Goiás (1960), Universidade Estadual de Campinas (1962), Universidade Federal de Ouro Preto (1969) etc.” (BITTAR, Mariluce, 1999, p. 41) Foi no cenário de disputas entre a Igreja Católica e as elites laicas2 que se deu início à expansão atendida do setor privado: Tabela nº 1 - Estabelecimentos e matrículas de ensino superior privadas – 1933-1960 Ano

Número

Percentual sobre

Número

Percentual sobre

o total de

o total de

estabelecimentos

matrículas

1933

265

64,4

14.737

43,7

1935

259

61,7

16.590

48,5

1940

293

62,5

12.485

45,1

1945

391

63,1

19.668

48

1950

-

-

-

-

1955

-

-

72.652

42.3

1960

-

-

93.202

41.2

Fonte: SAMPAIO, 2001, p. 46.

2

Na década de 1930, o então Ministro Francisco Campos tentou conciliar vários interesses das sociedade civil e política, principalmente entre a Igreja Católica e as elites laicas no sentido de atender anseios para implantação da universidade no Brasil. A Igreja Católica buscava uma universidade pública que fosse constituída sob seu estrito domínio; e a elite laica, por outro lado, buscava espaço para implantar o ensino superior privado no Brasil. “Derrotada em suas pretensões de controle do ensino público, a Igreja Católica tomou a iniciativa de criação de suas próprias universidades na década seguinte.” (SAMPAIO, 2001, p. 46)

13

Depreende-se da tabela nº 1 que o setor privado, entre 1933 e 1945, cresceu, porém, em pequena monta. Já em 1960, embora tenha havido aumento significativo no número de matrículas, o percentual delas em relação à década de 1930 diminuiu, porque a oferta era maior que a demanda. Em 1945, a participação das matrículas no ensino privado chegava a quase 50% em um sistema que contava com cerca de 40.000 estudantes (...) De 1945 a 1955, ao mesmo tempo que triplicou o número de matrículas totais, a participação relativa das matrículas privadas diminuiu: passou de 48% em 1945, para 42,3% em 1955. Essa redução está associada a dois processos quase simultâneos. O primeiro, de criação de universidades estaduais(...); o segundo, de federalização das instituições de ensino superior. (SAMPAIO, 2000, p. 47)

Em verdade, desde a década de 1930, quando do surgimento das universidades confessionais, até a década de 1960 o setor privado cresceu em descompasso com a realidade social. Ou seja, a oferta era significativamente maior que a demanda. Havia poucos investimentos no nível secundário de educação que, hoje, corresponde ao nível médio. Havia muitas pessoas residindo na zona rural, o que dificultava o acesso à educação superior, bem como grande parte das que tinham moradia na zona urbana não tinha preparação para esse nível de ensino; faltava-lhes completar o ciclo educacional. O crescimento das IES entre 1945 e 1960 está relacionado, principalmente, às mudanças sócio-econômicas sofridas pelo país no pós-guerra de 1945, como: a industrialização, a urbanização, o êxodo rural, a migração interna, o boom dos meios de comunicação, a mobilidade social, a internacionalização da economia, entre outras de menor proporção. Entre 1950 e 1960, destacam-se algumas instituições privadas que instituíram o curso de direito e que os mantêm até os dias de hoje: Faculdade de Direito de Curitiba em

14

Curitiba-PR (1952); Universidade3 do Vale do Paraíba em São José dos Campos-SP (1954); Instituto Presbiteriano Mackenzie em São Paulo-SP (1954); Faculdade de Direito do Sul de Minas em Pouso Alegre-MG (1960) e Universidade4 de Ribeirão Preto em Ribeirão Preto-SP (1961). (SAMPAIO, 2000, p. 50) Num quadro comparativo, a seguir, o Professor Almeida Júnior estabelece relação entre o número de habitantes e o número de formados em direito até 1960, procurando evidenciar a expansão do curso e a grande concentração de estudantes no estado de São Paulo: QUADRO I Relação formados em direito X número de habitantes Lugar Número de formados 9.433

Relação formados X número de 100 mil habitantes 5,4

Brasil (1959)

3.562

5,4

Brasil sem São Paulo (1960)

2.500

4,6

Estado de São Paulo (1960)

1.062

9,6

Estados Unidos da América (1958)

Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados extraídos de ALMEIDA JR apud VENANCIO FILHO, 1977, p. 322.

Depreende-se do quadro I que o curso de direito, além da Europa, também era tradicional nos Estados Unidos da América. Enquanto que o Brasil tinha 3.562 formados em 1959, os EUA tinham 9.433, sendo a relação formados x número de habitantes a mesma, demonstrando que o Brasil, mesmo com população menor, também apresentava grande número de formados em direito, sendo a maioria no estado de São Paulo. A concentração preponderante de estudantes de direito no estado de São Paulo deveu-se a vários fatores, dentre eles: sucesso da faculdade do Largo de São Francisco; crescimento industrial do estado; criação de várias faculdades, tanto públicas quanto privadas, no 3 4

Foi transformada em universidade em 1992. Foi transformada em universidade em 1985.

15

interior e extensão de alguns campi (expansão/interiorização). São Paulo era região que concentrava maior número de intelectuais da época, por isso atraía grandes investimentos no setor. Na década de 1930, o setor privado detinha 65,5% das matrículas na região Sudeste; na década de 1970 subiu para 87%. (SAMPAIO, 2001, p. 72) Entre 1940 e 1950, o Estado cumpre um papel meramente financiador das políticas públicas para a educação superior, “incorporando instituições públicas e privadas na rede federal e federalizando universidades estaduais e também particulares.” (MATTOS apud SAMPAIO, 2000, p. 121) A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil - Lei nº 4.024/61 – introduziu mudanças significativas na educação superior. Sua trajetória no Congresso Nacional foi marcada por dois conflitos que causaram um atraso de 13 anos para sua aprovação, quais sejam: a) o da escola pública x escola particular; e b) o da centralização ministerial x descentralização federativa. O projeto que foi aprovado e se tornou lei resultou de acordo entre ambos os setores, cada um cedendo uma parte. Assim, ambos foram contemplados. Os acordos entre segmentos políticos do Congresso, que se expressaram principalmente na composição dos sistemas de ensino e na divisão das competências de cada um deles, para obviar a aprovação da lei, impediram a completa abertura administrativa do setor que, mais tarde, atrasaria a modernização do ensino. A primeira dificuldade, nascida exatamente dos acordos feitos entre os segmentos políticas, aparece na composição dos sistemas, com a União reservando para si o controle das escolas superiores federais e privadas e dos cursos secundários particulares (ginásios e colégios) em todo o país. Desta forma, os sistemas estaduais tiveram de suportar a intervenção da União em parte das redes escolares em funcionamento no território do estado. Conseqüentemente, ocorreu uma centralização das competências no 16

Conselho Federal de Educação, que, por sua vez, subordinava as regras aos Conselhos Estaduais e do Distrito Federal. No campo da educação superior, as principais inovações foram: a) definição dos seus objetivos: pesquisa, desenvolvimento das ciências, artes e letras, bem como formação de profissionais de nível universitário; b) distinção entre universidades e institutos isolados de ensino superior; c) classificação dos cursos superiores em graduação, pós-graduação, especialização, aperfeiçoamento e extensão; d) competência ao Conselho Federal de Educação para fixar currículos mínimos e duração dos cursos superiores; e) diretores e reitores de faculdades e universidades públicas escolhidos pelas congregações em lista tríplice e nomeados pelo Presidente da República; f) limite mínimo de quatro cursos para constituir-se uma faculdade de filosofia; g) limite mínimo de cinco estabelecimentos de ensino superior para formar uma universidade; h) instituição dos colégios universitários para preparar candidatos egressos do ensino médio que se dirijam aos cursos superiores; i) possibilidade, nas universidades, de efetuar matrículas por disciplina; j) autonomia didática, disciplinar, administrativa e financeira para as universidades; k) natureza jurídica das universidades: autarquias ou fundações públicas; e fundações ou associações privadas; l) gratuidade do ensino limitada apenas para os que provarem falta ou insuficiência de recursos; m) regras para nomeação do reitor protempore nas universidades submetidas a inquérito administrativo. (SOUZA, 2001, p. 5760) Estas foram as principais modificações introduzidas no sistema pela lei 4.024/61 para a educação superior. Porém, as inovações trazidas pela LDB já não correspondiam às necessidades da época, como, por exemplo: “acesso restrito aos cursos existentes, mediante os concursos vestibulares eliminatórios; o numerus clausus das vagas na universidade; o ensino estratificado nas lições de catedráticos ronceiros; os protestos 17

coléricos dos alunos excedentes, aprovados em concurso vestibular, mas sem possibilidade de matrícula por falta de vagas, etc (...)” (Id.Ibidem.p. 61) “As disposições da Lei nº 4.024 frustaram as expectativas dos ‘reformadores’ do ensino superior dos anos 50. Uma vez que não alterava, de forma radical, a estrutura da universidade nos moldes das diferentes propostas do debate da época, a LDB de 1961 foi tímida.” (SAMPAIO, 2001, p. 56)

Neste contexto, surgiu a Lei nº 5.540/68 – a lei da reforma universitária -, que veio no bojo do golpe militar de 1964.

1.2. O golpe militar e os reflexos na educação superior no Brasil: Reforma Universitária - Lei nº 5.540 de 28 de novembro de 1968 O golpe militar no Brasil foi um movimento político-militar deflagrado em 31 de março de 1964 com o objetivo de depor o governo do presidente João Goulart. Sua vitória acarretou profundas modificações na organização política, econômica e social do país; marcado por autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela censura prévia aos meios de comunicação. Estendeu-se até 1985 – data preconizada como o final do processo de abertura política. A crise político-institucional da qual nasceu o regime militar começou com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961. Agravou-se durante a administração João Goulart (1961-1964), com a radicalização populista do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e de várias organizações de esquerda e com a reação da direita conservadora. Goulart tentou mobilizar as massas trabalhadoras em torno das reformas de base, que alterariam as relações econômicas e sociais no país. Isso levou o empresariado, parte da Igreja Católica, a oficialidade militar e os partidos de oposição, liderados pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido Social Democrático (PSD), a denunciarem a 18

preparação de um golpe comunista, com a participação do presidente. Além disso, responsabilizam-no pela carestia e pelo desabastecimento5. Diante desse cenário político nacional, somente na década de 1970, após a Reforma Universitária de 1968, há o aparecimento do ensino privado empresarial: “Universidade Gama Filho (1972), Universidade Mogi das Cruzes (1973), Universidade do Oeste Paulista (1987), Universidade de Ribeirão Preto (1985) e Universidade de Marília (1988).” (BITTAR, Mariluce, 1999, p. 40). Com a reforma universitária, “pretendiam os governos daquele período formar quadros de nível superior, de modo a dar substância ao crescimento econômico gerado pelo chamado ‘milagre brasileiro’6.” (VIEIRA, 2000, p. 21) A Lei 5.540/68 instituiu: a) a departamentalização e matrícula por disciplina (regime

de

créditos),

generalizando

a

sistemática

do

curso

parcelado.

“A

departamentalização verificou-se por meio da criação de condições organizacionais para que a universidade se libertasse da mediocridade técnico-científica e do clientelismo acadêmico” (CUNHA apud BITTAR Mariluce, 2001, p. 129); porém, o regime permitiu que uma e outro permanecessem no sistema; b) adoção do vestibular unificado e classificatório aliado ao ciclo básico com os objetivos de “desarmar as pressões organizadas por mais vagas globalmente oferecidas pela universidade, como também as 5

No dia 13 de março de 1964, o governo promoveu grande comício em frente da estação ferroviária Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em favor das reformas de base. Os conservadores reagiram com uma manifestação em São Paulo - a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 19 de março. A tensão cresceu. No dia 31 de março, tropas saídas de Minas Gerais e São Paulo avançaram sobre o Rio, onde o governo federal contou com o apoio de setores importantes da oficialidade e das Forças Armadas. Para evitar a guerra civil, Goulart abandonou o país e refugiou-se no Uruguai. No dia 1º de abril, o Congresso Nacional declarou a vacância da Presidência. Os comandantes militares assumiram o poder. Em 9 de abril é decretado o Ato Institucional Nº 1 (AI-1), que cassou mandatos e suspendeu a imunidade parlamentar, a vitaliciedade dos magistrados, a estabilidade dos funcionários públicos e outros direitos constitucionais. [www.usp.br, acesso em 13 de setembro de 2004] 6 No governo de Emilio Garrastazu Médici (1969-1974) houve um crescimento no setor econômico por meio de uma política que visava basicamente: “aceleração do desenvolvimento e contenção da inflação.” As medidas tendiam a fortalecer empresas privadas nacionais e estrangeiras; estimulavam o desenvolvimento social, valorizando a educação e ampliando as oportunidades de emprego. Iam um pouco mais além: “garantiam a distribuição de renda, o aumento do mercado interno, o amparo à tecnologia nacional, aceitação do capital internacional e convocação de todas as lideranças brasileiras.” (VIEIRA, 1983, p. 204)

19

reivindicações pela ampliação das vagas nas carreiras especificamente mais procuradas.” (SAVIANI, 1988, p. 98) Como conseqüência da Reforma Universitária, ocorreu a proliferação dos estabelecimentos isolados de ensino superior e o incentivo à iniciativa privada que passou a contar com maior número de alunos matriculados em relação ao setor público. Houve, de igual forma, baixa qualificação acadêmica dos professores com regime de contratação por hora/aula, causando, assim, preenchimento dos seus turnos em várias instituições (visando angariar maiores salários) e expansão dos cursos noturnos. Nas

IES,

a

reforma

acionou

o

processo

de

burocratização,

de

departamentalização, objetivando maior controle por parte da sociedade política acoplado ao caráter neutralizante que o processo educacional deve possuir, isto é, processo contido no projeto de se desvencilhar da escola e, precipuamente, da universidade, como lugar em que se faz política. O conceito de política, aqui, não está relacionado intrinsicamente à semântica do signo, mas sim ao conceito vulgar que a ela é dado: política como jogo de interesses partidários. O processo educacional não pode estar vinculado a interesses de diferentes partidos/classes, por isso, deve responder às necessidades comuns a todos. “O movimento de 1964 traduziu a opção pelo ajustamento da ideologia política ao modelo econômico. Conseqüentemente, o referido movimento foi feito para garantir a continuidade da ordem sócio-econômica.” (SAVIANI, 1988, p. 94) O governo atendeu à demanda por ensino superior de duas maneiras: a) ampliou as vagas no setor público; b) estimulou a expansão do setor privado. Dessa forma, a pressão exercida pelo setor privado era impulsionada por estes dois fatores: a) existência de uma demanda reprimida (excedentes do sistema público) e de uma demanda crescente proveniente do incremento da rede de segundo grau; e b) expectativa de atender essas demandas com recursos privados. “Essa pressão por expansão 20

das vagas ficou muito clara, no Brasil, com a movimentação estudantil na década de 1960, que precedeu à grande expansão da década seguinte.” (DURHAM, 1998, p. 12). “Se em 1963 apenas 13 em cada mil alunos matriculados na 1ª série primária conseguiam chegar à universidade; já em 1973 esse número cresceria para 63, obrigando a uma expansão de matrículas no 3º grau de ensino de 278.295 em 1968 para 836.469 em 1973. Um crescimento de praticamente 300% em apenas cinco anos.” (SOUZA, 2001, p. 61)

Em 1960, o número de estudantes era de 226.218; no setor privado, era de 93.968. Isto é, o setor público representava 58,4% das matrículas. Apesar disso, a demanda pelo ensino público era maior que a oferta: em 1960 o número de excedentes era de 28.728 candidatos a uma vaga no setor público de ensino superior, representando, pois, uma demanda reprimida de 21,6% dos estudantes. (SAMPAIO, 2000, p. 52) Os quadros II e III apresentam os dados do crescimento do número de vagas e matrículas na educação superior.

21

QUADRO II Evolução do número de matrículas na educação superior Ano

Matrícula

1960 93.000 1970 425.478 1971 561.397 1972 688.382 1973 772.800 1974 937.593 1975 1.072.548 1976 1.096.727 1977 1.159.046 1978 1.225.557 1979 1.311.799 1980 1.377.286 1981 1.386.792 1982 1.407.987 1983 1.438.992 1984 1.399.539 1985 1.367.609 1986 1.418.196 1987 1.470.555 1988 1.503.560 1989 1.518.904 1990 1.540.080 1991 1.565.056 1992 1.535.788 1993 1.594.668 1994 1.661.034 1995 1.759.703 1996 1.868.529 1997 1.945.615 1998 2.125.958 1999 2.369.945 2000 2.694.245 2001 3.030.754 2002 3.479.913 2003 3.887.771 Fonte: MEC/INEP, 2003.

Total 52.000 210.613 252.263 278.411 300.079 341.028 410.225 404.563 409.479 452.353 462.303 492.232 535.810 548.388 576.689 571.879 556.680 577.632 584.965 585.351 584.414 578.625 605.736 629.662 653.516 690.450 700.540 735.427 759.182 804.729 832.022 887.026 939.225 1.051.655 1.137.119

Pública Federal Estadual ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 205.573 90.618 248.849 107.111 249.955 99.779 253.602 103.691 288.011 105.750 290.868 107.794 316.715 109.252 313.217 129.659 316.940 134.901 340.118 147.197 326.199 156.013 326.522 146.816 325.734 153.789 329.423 168.039 317.831 190.736 315.283 193.697 308.867 194.417 320.135 202.315 325.884 210.133 344.387 216.535 363.543 231.936 367.531 239.215 388.987 243.101 395.833 253.678 408.640 274.934 442.562 302.380 482.750 332.104 502.960 357.015 531.634 415.569 567.850 442.706

Municipal ... ... ... ... ... 44.837 54.265 54.829 52.186 58.592 63.641 66.265 92.934 96.547 89.374 89.667 83.342 98.109 87.503 76.784 75.434 75.341 83.286 93.645 92.594 94.971 93.794 103.339 109.671 121.155 87.080 72.172 79.250 104.452 126.563

Privada 41.000 214.865 309.134 409.971 472.721 596.565 662.323 692.164 749.567 773.204 849.496 885.054 850.982 859.599 862.303 827.660 810.929 840.564 885.590 918.209 934.490 961.455 959.320 906.126 941.152 970.584 1.059.163 1.133.102 1.186.433 1.321.229 1.537.923 1.807.219 2.091.529 2.428.258 2.750.652

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QUADRO III Evolução dos ingressos nos cursos de graduação presenciais – 1980-2003 Ano

Total

1980 356.667 1981 357.043 1982 361.558 1983 ... 1984 ... 1985 346.380 1986 378.828 1987 395.418 1988 395.189 1989 382.221 1990 407.148 1991 426.558 1992 410.910 1993 439.801 1994 463.240 1995 510.377 1996 513.842 1997 573.900 1998 662.396 1999 787.638 2000 897.557 2001 1.036.690 2002 1.205.140 2003 1.539.859 Fonte: MEC/INEP, 2003.

Total 117.414 127.263 129.980 ... ... 123.744 136.626 134.037 131.175 125.003 126.139 142.857 149.726 153.689 159.786 158.012 166.494 181.859 200.024 217.497 233.083 244.621 280.491 321.117

Pública Federal Estadual 62.044 30.704 63.039 36.113 62.446 36.504 ... ... ... ... 60.443 37.418 62.800 40.105 60.498 44.322 57.703 47.958 58.491 43.074 57.748 44.470 69.279 47.685 72.063 50.201 73.925 51.419 76.130 54.953 72.623 56.703 78.077 58.294 86.387 60.537 91.354 68.846 103.359 83.843 117.507 91.727 121.211 97.086 122.491 125.499 149.639 127.789

Municipal 24.666 28.111 31.030 ... ... 25.883 33.721 29.217 25.514 23.438 23.921 25.893 27.462 28.345 28.703 28.686 30.123 34.935 39.824 30.295 23.849 26.324 32.501 43.689

Privada 239.253 229.780 231.578 ... ... 222.636 242.202 261.381 264.014 257.218 281.009 283.701 261.184 286.112 303.454 352.365 347.348 392.041 462.372 570.141 664.474 792.069 924.649 1.218.742

Analisando os dados apresentados, denota-se um crescimento na oferta de vagas tanto na iniciativa pública como na privada. No período compreendido entre 1930 e 1960 houve, de certa forma, expansão atendida, tendo em vista que foi nesta época que os movimentos por educação pública intensificaram-se e as universidades públicas foram surgindo. Houve ampliação do número de vagas e de instituições de ensino superior instaladas e/ou implementadas pelas políticas públicas educacionais da época. Havia também o aparecimento do setor privado, contudo, a criação dessas instituições por todo o país e a abertura de vagas caracterizaram um período de atendimento aos anseios da sociedade civil.

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Entretanto, é após o golpe militar e seus reflexos na educação superior (reforma universitária e acordos internacionais) até o início da década de 1990 que a iniciativa privada apresenta oferta maior que a pública, evidenciando expansão articulada do setor. “Articulada” no sentido de interligação direta e indireta do setor privado com agências internacionais e investimentos do governo brasileiro. Entre 1960 e 1990, houve injeção de capital estrangeiro no país intermediada pelas agências internacionais e fomentadas pelo governo. Essa expansão articulou os interesses de uma porção da sociedade civil – a que propugnava pela abertura desse nível de ensino ao setor privado – com os interesses da sociedade política, evidenciando uma postura desta sociedade como ente financiador, direto e indireto, e fiscalizador da educação superior, “alterando deliberações de caráter mais permissivo com outras de cunho mais restritivo no que diz respeito à abertura de estabelecimentos e cursos de ensino superior.” (SAMPAIO, 2000, p. 121) Entre 1969 e 1971 foram criados 85 estabelecimentos de ensino superior privados e 209 cursos no país; entre estes, 16 cursos de direito. (SAMPAIO, 2001, p. 6162) Observando o quadro II, na década de 1980 a iniciativa pública tem um aumento ínfimo na oferta de vagas: de 403.841 vagas no início da década aumenta para 454.382 em 1990. O aumento deve-se à implementação de vagas pelos estados (87.723 para 136.257) e pelos municípios (17.019 para 23.499), uma vez que no setor públicofederal as vagas diminuíram de 305.099 para 294.626. A interiorização, entre 1960 e 1990, inicia-se dando maior abertura de vagas aos locais não atingidos pelo ensino superior. Em vez de abrirem-se outras sedes das universidades, a instalação de campi começou a se tornar praticamente necessária já neste período, haja vista, também, a influência dos movimentos em prol da democratização do país. A USP foi pioneira nesse processo, denominado por SAMPAIO de “malhas 24

universitárias paulistas.” No início dos anos 1960 a USP estabeleceu o campus de Ribeirão Preto; entre 1970 e 1980, os estabelecimentos privados de ensino superior instalaram-se por todo o interior do estado de São Paulo. “A interiorização dos estabelecimentos privados no estado de São Paulo respondeu não só à demanda que o setor público não conseguia atender, sobretudo à voltada para as áreas mais concorridas (...)” (SAMPAIO, 2000, p. 81-82) Entre estas áreas, o curso de direito, juntamente com os cursos da área da saúde, cresceu significativamente no estado no setor particular. Apenas para exemplificar, no estado de São Paulo, hoje, existem 167 cursos de direito e nenhum é oferecido por instituição pública federal. Existem dois cursos nas públicas estaduais USP e UNESP, e os demais são oferecidos por instituições privadas. (INEP, 2003) A região Centro-Oeste, em 2003, teve o segundo maior crescimento da educação superior no interior (perdendo apenas para a região norte), apresentando um índice de 210,5%, tendência que está relacionada tanto ao crescimento da exportação agrícola no interior dos estados da região, como também ao fato de a educação mostrar-se ser um negócio lucrativo. Embora a região Sudeste possua mais de 50% dos alunos matriculados, as regiões Norte e Centro-Oeste registraram, nos últimos 5 anos, crescimento 3 vezes superior ao das demais regiões do país. (Folha de São Paulo on line, 17 de outubro de 2003) As matrículas na educação superior estão crescendo em um ritmo mais acelerado no interior do que nas capitais brasileiras. Em 1995, para cada estudante no interior, havia 1 nos grandes centros urbanos. Hoje, há 19,5% mais alunos matriculados fora das capitais. Nesse período, o aumento no número de universitários no interior foi de 115,7% contra 79,9% nas capitais. O setor privado é responsável, atualmente, por 68,8% das matrículas no interior, apresentando um crescimento de 167%. Nas capitais, representa 71% do total de universidades. (http://www.inep.gov.br acesso em 16 de fevereiro de 25

2004) Para SCHWARTZMAN, a interiorização do ensino superior não mudou o perfil do estudante; o nível social e a renda são similares aos do público de 10 anos atrás (classes A e B). “A expansão se dá em áreas onde ainda não se tinha o ensino superior, mas isso não incorporou populações mais pobres. As universidades entraram para pegar a elite do interior.” (SCHWARTZMAN, 2003) Duque Estrada afirma que nas capitais há concorrência consolidada, o que gera “a canibalização de preços ou, no mínimo, a dificuldade de repassar os custos para os alunos.” (ESTRADA, 2003) O setor público, ao revés, não efetivou passos significativos com a federalização de algumas IES, transformação em universidades e criação de universidades estaduais (ampliando, assim, o número de vagas), embora tenha apresentado algum crescimento, porém pequeno em relação ao setor privado. A interiorização das universidades foi mais radical na rede pública, na qual houve uma inversão no quadro de matrículas. Em 1995, havia 8,6% mais matrículas nas metrópoles; em 2002, o interior superou em 28,4% as capitais. Contudo, o número de instituições de ensino superior ainda cresce mais nas capitais: 109% contra 54% no interior. (http://www.inep.gov.br acesso em 16 de fevereiro de 2004) Muitos jovens restaram à margem do ensino superior, porque a demanda pelo ensino público e gratuito era maior que a oferta. Esse setor, pois, começou a mostrar sinais de enfraquecimento neste nível de ensino, desencadeando processo contínuo de lutas por mais vagas nas universidades públicas e melhores condições de ensino que persistem até os dias de hoje. Contudo, na década de 1990 a oferta de vagas é ampliada pela iniciativa privada-empresarial tendo em vista a implementação de novas políticas públicas

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educacionais, principalmente com a aprovação da Constituição Federal de 1988 e mais tarde com a LDB de 1996. A Constituição Federal, nos seus artigos 205, 206, III, 209, e 213, possibilita o incremento do ensino privado, porque o dispõe como livre, garantindo-lhe, inclusive, autonomia, e, ainda, oferece subsídios financeiros à sua manutenção. Na LDB está inscrita uma nova regulamentação para a educação superior que supõe diversificação e diferenciação de estruturas e que reflete, em certa medida, as orientações dos organismos internacionais, a exemplo do Banco Mundial, quando, entre as suas recomendações para a América Latina propõe fomentar a diferenciação institucional para esse nível de ensino. A diferenciação aparece no Capítulo 45 da LDB e foi regulamentado por meio do Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997, as IES passaram a ser classificadas em cinco modalidades: a) universidades; b) centros universitários; c) faculdades integradas; d) faculdades; e) institutos superiores ou escolas superiores. São traços indicativos de uma incisiva política de contenção do público e de expansão, com autonomia, do setor privado. Essa inovação no ordenamento jurídico possibilitou o ingresso de instituições e grupos hegemônicos visando a desregulamentação da sociedade política e a diminuição da presença do poder público na educação. O processo de superprodução do capital na sua forma financeira alavancou a busca da materialidade na produção de capital produtivo, “obrigando à internacionalização do capital na sua forma produtiva – mundialização do capital, na qual predominam as formas mercantis e financeiras do capital.” (SGUISSARDI, 2000, p. 157). “O crescimento do número de instituições pode ser explicado por uma série de decretos e resoluções do CNE que mudaram, desde 1995, as regras do setor, permitindo, por exemplo, que as instituições pudessem ter fins lucrativos.” (SOUZA, Folha de São Paulo, 2003: C3).

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Esse processo levou à desregulamentação da sociedade política, interferindo na reconfiguração das esferas pública e privada, causando, por derradeiro, a redefinição dos espaços sociais orientados pelo poder público, como a educação.

1.3. A influência das diretrizes dos organismos internacionais na condução das políticas públicas para a educação superior no Brasil e a Reforma do Estado O Brasil, por ser um país subdesenvolvido, acaba por se tornar, por conseqüência, dependente dos organismos internacionais que propugnam medidas estratégicas para referidos países com características peculiares, principalmente detentores de políticas públicas vulneráveis para setores considerados emergenciais, como a educação, a saúde e o emprego. O Brasil é membro signatário do BIRD desde janeiro de 1946. Este é uma das organizações integrantes do Banco Mundial - principal organismo multilateral internacional de financiamento do desenvolvimento social e econômico, formado por 183 países-membros, entre os quais o Brasil; dedicado à redução da pobreza em todo o mundo; formado por cinco organizações7: BIRD, AID, CFI, AMGI e CIDI.

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Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD): fundado em 1944, é o maior financiador de projetos de desenvolvimento para os países em desenvolvimento de renda média e é o principal catalisador de financiamentos para o mesmo fim provenientes de outras fontes. O BIRD se capitaliza primordialmente por meio de capacitação de recursos nos mercados internacionais de capitais; Agência Internacional de Desenvolvimento (AID): fundada em 1960, presta assistência aos países mais pobres por intermédio de créditos de financiamento sem juros com prazos de maturação de 35-40 anos. A capitalização da AID se dá por meio de aportes governamentais; Corporação Financeira Internacional (CFI): apóia o setor privado nos países em desenvolvimento por meio de empréstimos ou financiamentos de capital, além de inúmeros serviços de consultoria; Agência Multilateral de Garantias de Investimento (AMGI): oferece garantias aos investidores estrangeiros contra riscos não-comerciais e auxilia os governos dos países em desenvolvimento atrair investimentos externos; Centro Internacional para Conciliação de Divergência nos Investimentos (CIDI): assegura o fluxo de investimentos externos para os países em desenvolvimento por meio de instrumentos de arbitragem e conciliação. (ROSEMBERG, 2000, p. 70)

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O FMI (Fundo Monetário Internacional) surgiu juntamente com o Banco Mundial na Conferência de Bretton Woods em 1944 e, como organismos especializados da ONU em 1947 (art.63 da Carta da ONU). Suas finalidades eram financeira e econômica, devendo formar uma cooperação internacional constante entre si. São alguns objetivos básicos do FMI e do Banco Mundial : a) fomentar a cooperação monetária internacional; b) facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional; c) fomentar a estabilidade cambial e ajudar a estabelecer um sistema multilateral de pagamentos para as transações correntes entre os países membros (...); do Banco Mundial: a) contribuir para a reconstrução e o desenvolvimento dos territórios de seus Estados membros e estimular o desenvolvimento dos meios e fontes de produção nos países de escasso desenvolvimento; b) fomentar inversões privadas de capital no estrangeiro e complementá-las; c) promover um crescimento equilibrado, no longo prazo, aumentando a produtividade, elevando o nível de vida e melhorando as condições de trabalho em seu território. (SOLÉ apud SGUISSARDI, 2000, p. 66)

Evidente que referidos objetivos somente seriam(ão) alcançados por meio de empréstimos diretos dos países subdesenvolvidos/dependentes, intermediados por empresas públicas e privadas, com o fim de mascarar a participação direta das sociedades políticas. Porém, a influência do Banco Mundial e do FMI nas políticas destes países deveu-se e deve-se muito mais “à abrangência e ao caráter estratégico de sua atuação junto a eles no processo de ajuste neoliberal, a partir da crise do Estado do Bem-Estar e após o denominado Consenso de Washington.” (SGUISSARDI, 2000, p. 67) Esses organismos são fortes condutores das políticas dos países em desenvolvimento, porque sem participação no cenário mundial do comércio não há desenvolvimento econômico, acabando por evidenciar um círculo vicioso na condução dos acordos: sem auxílio financeiro do Banco Mundial e do FMI os países subdesenvolvidos continuarão à margem das políticas financeiras internacionais e, conseqüentemente, continuarão sendo considerados pobres. A única saída, portanto, parece ser um tipo de “válvula de escape” dos países dependentes. 29

Após cinqüenta anos de operação e empréstimos de mais de 250 bilhões de dólares, a avaliação da performance do Banco Mundial é extremamente negativa. Esta financiou um tipo de desenvolvimento econômico desigual e perverso socialmente, que ampliou a pobreza mundial, concentrou renda, aprofundou a exclusão e destruiu o meio ambiente. (SOARES, 1996, p. 17)

O Brasil tomou seu primeiro empréstimo do Grupo Banco Mundial em 1949 no valor de 75 milhões de dólares. Entre 1949 e 1954 o Banco financiou 194 milhões de dólares para o país. Houve períodos conturbados na política em detrimento das mudanças de governo e da ausência de entendimento de alguns dirigentes com o organismo. “Com o início do regime militar, o Banco Mundial foi progressivamente ampliando seus empréstimos para o país, e o Brasil tornou-se, nos anos 70, o maior tomador de recursos do BIRD.” (SOARES, 1996, p. 31-32) Tabela nº 2 - Distribuição setorial dos empréstimos do Banco Mundial ao Brasil Setor Períodos 1947-1965 1966-1975 1976-1983 Agricultura 9,2% 22,1% Energia 92,5% 32,6% 18,7% Transportes 7,5% 33% 12,6% Indústria 19,7% 13% Desenvolvimento 9% Água e esgoto 3% 13,1% Educação 1,6% 1,6% Outros 0,8% 9,8% Fonte: Araújo apud SOARES, 1996, p. 32.

O golpe de Estado pelos militares não foi ato impensado, nem muito menos afastado de articulações internacionais, com objetivos de fortalecer o capitalismo e desenfrear a economia do país que vinha passando por momentos de estagnação e descompasso com o cenário mundial, principalmente por ser um país considerado de terceiro mundo (subdesenvolvido/dependente). Denota-se pelo quadro apresentado que a partir da década de 1960, no governo da ditadura militar, os empréstimos ao Brasil começaram a se dirigir para a educação, setor até então não atingido pelas verbas do BIRD.

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Havia os intelectuais8 comprometidos com as reformas educacionais no país que há muito já vinham fazendo manifestações políticas favoráveis a mudanças drásticas no sistema. O novo governo tecnocrático-civil-militar, para não perder as rédias do controle educacional, resolveu criar novos mecanismos para sustentar-se no poder: pediu “ajuda” (inflacionária) internacional. Imediatamente, a USAID (United States Agency for International Development) se dispôs a fazê-lo. “Assumiu esta a tarefa da reordenação da educação nacional, sigilosamente, nas gestões de três ministros de educação (Suplicy de Lacerda, Raymundo Moniz de Aragão e Tarso Dutra)...” (GÓES, 2002, p. 31) Assim, deuse início à intervenção direta de organismos internacionais nas políticas públicas educacionais no Brasil, porque a participação estrangeira no direcionamento das políticas educacionais remontam à Guerra Fria, intensificando-se no final dos governos de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) e Juscelino Kubitschek (1956-1961). Contudo, “foi no governo de Humberto de Alencar Castello Branco (1964-1967) que a desnacionalização do campo educacional tomou formas nunca vistas.” (GÓES, 2002, p. 32) A análise das diretrizes dos organismos internacionais para a educação superior evidencia um aprofundamento na década de 1990 (no sentido de que as políticas públicas educacionais no Brasil começaram a sofrer influência direta dos organismos internacionais após o golpe militar de 1964, vindo a consolidar-se no governo de Fernando Henrique Cardoso) e que tal debate relaciona-se intrinsicamente ao processo de mercantilização da educação superior e conseqüente afastamento do papel da sociedade política na implementação das políticas sociais, resultante, também, da Reforma do Estado efetivada a partir de 1995. O MEC fez muitos acordos com a USAID na década de 1960, alguns no ensino 8

Dentre eles, destacam-se: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Afranio Peixoto, Roquette Pinto, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casasanta, entre outros que assinaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932.

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superior, entre eles: Acordo MEC-USAID de proposta para reformulação das Faculdades de filosofia do Brasil de 24 de junho de 1966; Acordo MEC-USAID de assessoria para a modernização da administração universitária de 30 de junho de 1966; Acordo MECUSAID de reformulação do primeiro acordo de assessoria à modernização das universidades, substituído por assessoria de planejamento do ensino superior, vigente até 30 de julho de 1969. (Id.ibidem, p. 32-33) Todavia, é somente na década de 1990 que esses acordos intensificaram-se (embora não com a USAID) tomando proporções assustadoras na educação superior, tanto no setor público como no privado. O primeiro documento do Banco Mundial a contemplar novas diretrizes para a educação superior é “La enseñanza superior. Las lecciones derivadas de la experiencia”, publicado em 1994, elencando quatro estratégias fundamentais para o setor: 1. “fomentar la mayor diferenciación de las instituciones includio el establecimiento de instituciones privada; 2. proporcionar incentivos para que las instituciones públicas diversifiquen las fuentes de financiamiento, entre ellas, la participación de los estudiantes en los gastos, y la estrecha vinculación entre el financiamiento fiscal y los resultados; 3. redefinir la función del gobierno en la enseñanza superior; 4. adoptar políticas que estén destinadas concretamente a otorgar prioridad a los objetivos de calidad y equidad.” (BANCO MUNDIAL, 1994)

Depreende-se do documento que as estratégias do Banco Mundial baseiam-se no encolhimento do papel da sociedade política frente ao aporte de recursos públicos para a educação superior, fomentando, pois, o setor privado tendo em vista a grande demanda por esse nível de ensino. Para tanto, prevê a diversificação das instituições de ensino superior, tanto públicas como privadas; a implementação de cursos politécnicos, cursos de curta duração e cursos a distância por meio dos recursos eletrônicos das universidades abertas. Defende, de igual forma: a cobrança de matrículas e mensalidades para os estudantes; cortes de verbas destinadas a ajudas de custo (alimentação e moradia); utilização de verbas

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privadas advindas de doações de empresas e de associações de ex-alunos e convênios entre IES e empresas. A principal estratégia do Banco é a redefinição do papel da sociedade política: em vez de executor de políticas para o ensino superior, passe a se tornar “agente facilitador da consolidação de um novo marco político e jurídico que viabilize a implantação das diretrizes privatizantes da educação.” (SOUZA, 2003, p. 3) Entendeu-se por privatização a transferência para o setor privado dos serviços públicos que podem ser prestados pelo mercado e fiscalizados pelo poder público. Assim, os serviços que, num primeiro momento, deveriam ser prestados pela sociedade política são transferidos para o setor privado para sua execução; não há outorga destes serviços, mas apenas delegação ao setor privado. Outorga é atribuição de competência ao ente público (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) para criação e execução do serviço público; delegação é a transferência da execução do serviço público à pessoa jurídica de direito privado. (GASPARINI, 2000, p. 279-281) Desta forma, o fenômeno da privatização é transferência apenas da execução do serviço público e não da titularidade do serviço público propriamente dito. Não pode a pessoa jurídica de direito privado criar serviços públicos, nem extinguí-los, em consonância com o ordenamento jurídico em vigor (Constituição Federal de 1988). Nesse sentido, a reforma do Estado reforçou as diretrizes do Banco Mundial, tentando ajustar o ordenamento jurídico de modo que essas diretrizes se tornassem viáveis e eficazes, provocando a inserção do país no mercado internacional neoliberal. As intenções sobre a reforma do Estado iniciaram-se em 1990 com o governo de Fernando Collor de Mello e foram implementadas no governo de Fernando Henrique Cardoso a partir de 1995. Embora no governo Collor a reforma do Estado não tenha traduzido mudanças políticas concretas, refletindo num novo quadro político, “no cenário 33

econômico este momento representa um claro divisor de águas, no sentido de inserir o Brasil dentro de um quadro internacional que impõe novas perspectivas de competitividade no cenário da globalização.” (VIEIRA, 2000, p. 90) É importante salientar também que a reforma do Estado tem como um dos fundamentos os princípios delineados pelo Consenso de Washington realizado no final dos anos 1980 sob a orientação dos organismos multilaterais BIRD/Banco Mundial, os quais preconizavam: 1. Equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos públicos; 2. abertura comercial, pela diminuição das tarifas de importação e eliminação das barreiras não-tarifárias; 3. liberalização financeira, por meio de reformulação das normas que restringem o ingresso de capital estrangeiro; 4. desregulamentação dos mercados domésticos, pela eliminação dos instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços, incentivos, etc; 5. privatização das empresas e dos serviços públicos. (SOARES, 1996, p. 23)

O Brasil, para viabilizar as diretrizes da reforma, instituiu o MARE – Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado – sob o comando do Ministro Bresser Pereira, no início do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso: A reforma do Estado, entretanto, só se tornou um tema central no Brasil em 1995, após a eleição e posse de Fernando Henrique Cardoso. Nesse ano, ficou claro para a sociedade que essa reforma torna-se condição, de um lado, da consolidação do ajuste fiscal do Estado brasileiro e, de outro, da existência no país de um serviço público moderno, profissional, voltado para o atendimento dos cidadãos. (PEREIRA, 1996, p. 269).

A alusão do preconizador da reforma – Bresser Pereira – à modernização e eficiência do serviço público remete à prática da expansão e abertura do setor privado aos serviços públicos, principalmente, os considerados essenciais, como a educação. Assim, a concepção do papel da sociedade política restaria apenas à margem das negociações do mercado, a fim de desonerar os cofres públicos de gastos considerados excessivos, como o são com os serviços públicos essenciais. Com a prestação desses serviços pelo setor 34

privado, a sociedade política economiza e, ao mesmo tempo, angaria recursos advindos das próprias concessões realizadas com o setor que, por obrigação contratual, deve repassar parcela dos lucros à sociedade política, que seria o detentor daquele serviço. Esse cenário retrata claramente o fenômeno da “privatização”. A intervenção dos organismos internacionais, de igual forma, também é vista como forte aliada à expansão privada, uma vez que, além do documento oficializado como Consenso de Washington, o governo liberou o ingresso no país de verbas estrangeiras, até mesmo a possibilidade de compra de instituições de ensino superior. A OMC (Organização Mundial de Comércio) também tem grande parcela de influência sobre tais mecanismos, pois em 2002 pretendia inserir a educação superior “como um dos doze setores de serviços incluídos no AGCS (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços). Para a OMC, o ensino superior é serviço e suas ações devem submeter-se aos critérios da organização” (DIAS, 2002, p. 33) No início de 2003, 4 propostas sobre regras do sistema educacional foram encaminhadas à OMC pela Austrália, Japão, Estados Unidos e Nova Zelândia, os quais almejam romper as normas existentes, porque exportam tecnologia educacional. A idéia é que a educação seja comercializada livremente, facilitando operações como a atuação de grupos educacionais estrangeiros e a aprovação de cursos a distância, podendo alterar leis nacionais como a LDB/96. Naira Amaral, presidente da Anafi (Associação Nacional de Faculdades e Institutos Superiores) defende a desregulamentação das leis brasileiras, por entender que as entidades já são aprovadas em seus países e que o processo de regularização no Brasil é muito lento. Segundo ela, a estrutura atual não atende a demanda. “A entrada de instituições estrangeiras para titular nosso corpo docente é bem-vinda.” (AMARAL, Folha de São Paulo, C1, 30 de março de 2003) Entretanto, advoga-se ao revés do que pensa a estudiosa Naira Amaral. Entende-se que a atração de empresas estrangeiras 35

para capacitar docentes afasta a responsabilidade da sociedade política, fomentando a participação dos organismos internacionais na educação superior, transformando-a, conseqüentemente, em mercadoria a ser comercializada no mercado internacional, abrindo, inclusive, concorrência para empresas que oferecerem melhor oferta (baixos custos). O fato é que os países em desenvolvimento, como o Brasil, não têm poder político e nem econômico sobre as decisões dos organismos internacionais, restando a eles apenas acatar as deliberações, sob pena de serem excluídos do comércio internacional. “No campo do ensino superior, a grande tendência dos últimos anos é a comercialização favorecida pelo desenvolvimento das novas tecnologias e estimulada pela OMC.” (DIAS, 2002, p. 35) Compreendida sob essa perspectiva, a reforma do Estado não só estimula a privatização da educação superior pública, como incentiva a expansão acelerada das instituições privadas, levando-as a um processo de competição interna, ao exigirem, entre outros, a produtividade quantitativa de docentes, e, externa, entre as próprias universidades, na luta pela sobrevivência no mercado. (BITTAR, Mariluce, 2002, p. 53)

Essas mudanças exigem que “o Estado se desvencilhe da manutenção da educação superior (mantendo o seu controle) e se ocupe da educação básica e média, deixando o nível superior a cargo da iniciativa privada.” (SGUISSARDI, 2002, p. 8) O segundo documento emitido pelo Banco Mundial sobre a educação superior é denominado de “Estratégia para o setor educacional – documento estratégico do Banco Mundial: a educação na América Latina e Caribe” publicado em dezembro de 1999. O documento traz as avaliações do Banco quanto à educação nesta região durante a década de 1990 e as diretrizes que devem ser implementadas para a “melhoria” do setor nos próximos anos. Com relação à educação superior, o novo documento ratifica as proposições de 1994, enfatizando: a) fortalecimento do setor privado e diversificação das fontes de

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financiamento; b) flexibilização da gestão administrativa; c) adequação dos currículos à demanda do mercado de trabalho e d) diversificação das instituições de ensino superior. (SOUZA, 2003, p. 4) Em 2000, o Banco Mundial em parceria com a UNESCO publicaram um terceiro documento sobre educação superior, mas agora com enfoque voltado para a internacionalização desse nível de ensino. Ou seja, o documento propugna pelo aglutinamento entre países diferentes, para fazer frente à concorrência na educação superior, por meio das forças políticas desses países: The Task Force recognizes that there are many difficulties in achieving these aims, including the plethora of competing demands for public money. Action, therefore, will need creativity and persistence. A new vision of what higher education can achieve is required, combined with better planning and higher standards of management. The strengths of all players – public and private – must be used, with the international community at last emerging to provide strong and coordinated support and leadership in this critical area.9 (BM, 2000, p. 9)

Outrossim, recomenda, entre outros mecanismos, que as IES, unidas por meio de acordo/convênio interinstitucional/internacional, viabilizem instrumentos para facilitar a aprendizagem de alunos estrangeiros, aumentando a oferta de vagas na educação superior, proporcionando, conseqüentemente, expansão do sistema com baixos custos aos países, principalmente aos subdesenvolvidos. (BM, 2000, p.10-11) Enfim, o documento propõe a internacionalização10 da educação superior por

9

A força tarefa reconhece que há muitas dificuldades em conseguir os objetivos almejados [internacionalização da educação superior], incluindo a demanda concorrente para obter dinheiro público. A ação, conseqüentemente, necessitará de creatividade e persistência. É exigida uma nova visão do que a educação superior possa conseguir, combinado com melhor planejamento e padrões mais elevados de gestão. As forças de todos os envolvidos – setores público e privado - devem ser usadas com a comunidade internacional até que haja sustentável liderança e coordenação nessa área crítica [educação superior]. (Tradução livre da autora) 10 A internacionalização tem sido debatida juntamente com a globalização. Na segunda Reunião dos Parceiros da Educação Superior, realizada em Paris em junho de 2003 (Paris + 5), a cooperação internacional foi colocada como “meio de aprimorar a educação superior.” (ANAIS, Conferência Mundial sobre Educação Superior + 5, 2003, p. 152) Assim, a internacionalização da educação superior é entendida como “o processo de introdução de uma dimensão internacional ou intercultural, em todos os aspectos da educação e da pesquisa.” (KNIGHT e de WIT in ANAIS, Conferência Mundial sobre Educação Superior + 5, 2003, p. 154)

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meio de convênios/acordos internacionais entre IES de diferentes países, a fim de expandir esse nível de ensino com custos mais baixos. É neste sentido, que o setor privado no Brasil vem crescendo cada vez mais, sobretudo após a reforma do Estado em 1995, como se depreende do gráfico a seguir: Gráfico nº 1 - Evolução do número de cursos no Brasil – 1995-2002 Evolução do Número Total de Cursos no Brasil 10.000

9.147 8.000

6.564

7.754

6.000

4.000

2.000

3.470

2.782

3.666 2.978

3.434

2.698

3.980 2.970

4.401

5.384 3.494

5.252

4.021

0 1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

Público

2002

Privado

Fonte: gráfico elaborado pela autora com base nos dados extraídos do MEC/INEP/DAE no período entre 1995 e 2002.

O crescimento do setor privado se deu na seguinte proporção: Tabela nº 3 - .Percentual de crescimento do total de número de cursos no setor privado ANO PERCENTUAL 1995-1996 5,64 1996-1997 decréscimo de 6,32 1997-1998 15,9 1998-1999 35,3 1999-2000 21,9 2000-2001 18,1 2001-2002 17,9 Fonte: tabela elaborada pela autora com base nos dados do gráfico anterior.

O decréscimo do número de cursos entre 1996 e 1997 deveu-se ao fechamento de alguns cursos pelas próprias IES em detrimento da sua transformação (isoladas em

Neste contexto, a globalização foi apontada como “força motriz fundamental para uma abordagem mais mercantil à internacionalização da parte de certas instituições privadas e públicas.” (Id.Ibidem.p.157)

38

integradas). (SAMPAIO, 2000, p. 77-79) Entre 1998 e 1999 ocorre um boom no setor privado, e o número de cursos aumenta em descompasso com os demais períodos. É neste período que muitas instituições isoladas são criadas, principalmente no interior11. O INEP revela, com dados atuais, o crescimento das IES privadas: “de 31 outubro de 2001 até 30 de julho de 2003, as instituições privadas aumentaram 45% - 544 foram autorizadas a funcionar; abrem-se 4 cursos por dia, sendo 3 pela iniciativa privada. Entre 1998 e 2001, essa média era de uma instituição privada a cada 2,5 dias. De 1995 a 1998, ficava em uma a cada 13,7 dias. Em 31 de outubro de 2001, data de início da coleta do Censo do Ensino Superior, o MEC indicava a existência de 1.392 instituições, sendo 1.208 privadas (86,8% do total). O cadastro do ministério a respeito do registro de instituições de ensino superior indicava que o total tinha chegado a 1.960, sendo 1.752 particulares (89,4%).” (Folha de São Paulo, 03/08/03, C1). Em cinco anos, o número de cursos de graduação presenciais cresceu 107%. No País, havia 6.950 cursos, em 1998, e, no ano passado, já somavam 14.399. Nesse período, foram abertos, em média, 1.490 cursos por ano, 124 ao mês e quatro a cada dia. A expansão ocorreu, principalmente, na rede privada, que passou de 3.980 para 9.147 cursos e agora concentra 63,5% do total. (INEP, 2003) Em 1960, havia 69 cursos de direito no Brasil; em 1997 esse número saltou para 305. Atualmente, o país conta com mais de 660 cursos. (http://www.oab.org.br acesso em 12/09/03) No setor privado, os cursos de direito cresceram praticamente na mesma proporção que os cursos em geral no Brasil, como se depreende do gráfico 2.

11

Ver tabela nº.6.

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Gráfico nº 2 - Evolução do número de cursos de direito no Brasil – 1995-2002 Evolução do Número de Cursos de Direito no Brasil 600 500

495

400

347

300 200

207 160

181

206

406

269 99

100 75

81

98

97

93

95

104

0 1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

Público

2002

Privado

Fonte: gráfico elaborado pela autora com base nos dados extraídos do MEC/INEP/DAE no período entre 1995 e 2002. Tabela nº 4 - Percentual de crescimento do número de cursos de direito no setor privado ANO PERCENTUAL 1995-1996 13,1 1996-1997 14,3 1997-1998 decréscimo de 0,48 1998-1999 30,6 1999-2000 29 2000-2001 17 2001-2002 22 Fonte: tabela elaborada pela autora com base nos dados do gráfico anterior.

Entre 1997 e 1998 o decréscimo no setor privado deveu-se ao fechamento de dois cursos de direito: em 1997 eram 305 cursos; em 1998, 303. Houve, também, expansão do setor público nesse período, porém, essa expansão não foi significativa se comparada ao setor privado. Sendo assim, pós-reforma do Estado ocorreu a denominada expansão desordenada da educação superior. Trata-se de expansão do setor privado que se efetivou em desconsonância com a realidade social, uma vez que esse setor cresceu aceleradamente oferecendo mais vagas do que a demanda requereu, e em descompasso com o setor público, que, apesar de ter aumentado o número de vagas, não atendeu à demanda por ensino público. 40

Hoje, apenas 11,2% da população brasileira está matriculada no ensino superior. Dentre esse percentual, somente 9% encontra-se na faixa etária entre 18-24 anos (INEP/MEC, 2003), restando um contingente de excluídos deste nível de ensino, nesta faixa etária, de 91%, representando, pois, uma demanda reprimida por educação superior. Implica afirmar que, apesar da expansão do setor privado, a grande maioria está fora do ensino superior, porque não tem condições de arcar financeiramente com o ensino pago. Por isso, há grande ociosidade das vagas neste setor. A redefinição das esferas pública e privada possibilitou a entrada do capital nesses espaços sociais, no contexto de um Estado reformado, e provocando, dessa forma, sua reorganização segundo a lógica privada, além das transformações culturais e identitárias nas instituições educacionais, em particular nas do nível superior (...) No Brasil, tais mudanças efetivam-se a partir de meados dos anos 90 quando, apoiado em uma aliança partidária de centro-direita, o governo de Fernando Henrique Cardoso põe em movimento, com raro tino político-administrativo, a tradução brasileira da mundialização do capital, de pesadas conseqüências para a economia – que se desindustrializa e desnacionaliza -, para a democracia – que deve sobreviver em uma sociedade desorganizada – e para as esferas sociais de atividade humana – que passam a organizar-se nos moldes da lógica mercantil. No que tange à educação, processo similar verifica-se mediante reformas em todos os níveis de ensino, mormente em suas naturezas pública e privada. (SGUISSARDI, 2000, p. 157-158).

A interiorização, por seu turno, intensifica-se mostrando ser um instrumento viável à expansão das vagas, em ambos os setores. Esse movimento está intrinsicamente ligado às determinações do art. 53 da LDB/96 e art. 11 do decreto nº 2.306/97 que concedem autonomia às universidades para a criação de cursos/vagas fora da sua sede, mas desde que sejam instalados na mesma região.

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Tabela nº 5 - Relação número total de cursos na capital x no interior ANO

CAPITAL

INTERIOR

PERCENTUAL DE CRESCIMENTO interiorização

1999 2000 2001 2002

3.221 3.779 4.294 4.909

5.651 6.806 7.861 9.490

20,44 15,5 20,34

Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados do MEC/INEP/DAE. Os dados referentes à distribuição dos cursos nas capitais e interior somente são disponibilizados a partir de 1999.

Embora os dados computados pelo MEC/INEP/DAE, acerca do número de cursos no interior, não corresponda diretamente ao conceito de interiorização construído neste trabalho, porque leva em consideração qualquer curso/IES criada no interior, ainda assim podemos afirmar que o processo de interiorização vem se acentuando gradativamente, tendo em vista que é instrumento mais viável economicamente e socialmente para as universidades que objetivam expandir seus cursos/vagas, principalmente para o setor privado, uma vez que ao mesmo tempo em que diminui custos criando apenas campi também atinge demanda reprimida por educação superior em regiões periféricas onde o acesso a esse nível de ensino é escasso. Com relação à interiorização dos cursos de direito no Brasil, o MEC/INEP/DAE não fornece referidos dados. Porém, nos próximos capítulos, essa categoria será melhor analisada à luz dos dados do estado de Mato Grosso do Sul, objeto principal desta pesquisa. Pode-se asseverar, assim, que as políticas públicas educacionais no Brasil foram (e são) conformativas com a reforma do Estado e com as diretrizes dos organismos internacionais, as quais provocaram expansão desordenada da educação superior no país a partir de meados da década de 1990. Considera-se como políticas públicas educacionais as políticas públicas sociais que dizem respeito (...) ao âmbito da reprodução, da (re)distribuição e do consumo social (...) Constituem a possibilidade de conquista de direitos sociais: acesso a

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bens, recursos e serviços, transferência de renda para os mais pobres, satisfação de necessidades humanas básicas e vitais, melhoria de qualidade de vida e participação na gestão democrática de serviços sociais públicos. (SILVA, 1997, p. 189/191)

Destarte, as políticas públicas educacionais no Brasil representam o “modelo econômico” estrangeiro de aplicabilidade para a educação superior, evidenciando que estão mais voltadas à política econômica que propriamente à política social. Segundo ABRANCHES, a política pública social não deveria representar interesses econômicos, pois que, “como ação pública, corresponde a um sistema de transferência unilateral de recursos e valores, sob variadas modalidades, não obedecendo, portanto, à lógica do mercado, que pressupõe trocas recíprocas.” (1998, p. 13) A unilateralidade, segundo o autor, refere-se a situações de dependência que devem ser corrigidas por meio da ação estatal. Dessa forma, a sociedade política não poderia afastar-se do controle e da titularidade dos serviços públicos essenciais, como a educação, pois representam políticas sociais que somente podem ser bem desenvolvidas pelo agente estatal. SILVA assevera que as políticas sociais “não podem ser anti-econômicas, mas é freqüente que as políticas econômicas sejam anti-sociais (...)” , e reforça, ainda, que as políticas econômicas cumprem “funções sociais e que as políticas sociais também respondem por objetivos e metas da esfera econômica.”12 (SILVA, 1997, p. 189)

12

O significado econômico da política educacional é bem mais recente que seu teor político, que adveio com a questão da igualdade social. A política educacional surgiu com a Revolução Francesa, motivada pela ideologia liberalista; então, a política educacional tem relação com o liberalismo. Os liberais declararam todos iguais como cidadãos. Nessa perspectiva, a política educacional é responsável por assegurar o direito à educação para todos os cidadãos. Com base nas necessidades derivadas da internacionalização da economia foi que a política educacional patrocinou a relação da cidadania com o trabalho; relação que passou a ser intermediada pela educação por meio das várias formas de ensino profissionalizante. A extensão da educação a todos vinculou-se mais às necessidades econômicas e exigências do processo produtivo do que ao processo de correção das desigualdades sociais. (MARTINS, 1994, p. 31-37)

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CAPÍTULO II BREVE HISTÓRICO DOS CURSOS JURÍDICOS NO BRASIL Observou-se, no primeiro capítulo, que os cursos de direito, no Brasil, cresceram aceleradamente na década de 1990, assim como os demais cursos em geral no país em conformidade com as políticas públicas educacionais implementadas pelos organismos multilaterais. Concluiu-se que, em cinco anos, o número de cursos de graduação presenciais cresceu 107%. No País, havia 6.950 cursos, em 1998, e, em 2002, já somavam 14.399. Nesse período, foram abertos, em média, 1.490 cursos por ano, 124 ao mês e quatro a cada dia. A expansão ocorreu, principalmente, na rede privada, que passou de 3.980 para 9.147 cursos e agora concentra 63,5% do total. (INEP, 2003) Em 1960, havia 69 cursos de direito no Brasil; em 1997 esse número saltou para 305. Atualmente, o país conta com mais de 660 cursos. (http://www.oab.org.br acesso em 12/09/03) Neste capítulo, são trazidas algumas considerações sobre o surgimento do ensino jurídico no Brasil e como foi se efetivando sua relação com as políticas públicas implementadas pelas agências multilaterais e a criação da OAB, como partido ideológico da categoria.

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2.1. Surgimento dos cursos jurídicos no Brasil: Império e República Velha (18271934) O surgimento do ensino superior no Brasil data de 1808, quando da chegada da família real neste país. Inobstante D. João VI importar a cultura européia, as características do ensino superior no país não se assemelhavam a ela; isso porque sua implantação se deu por meio de cursos isolados e não aglomerados entre si, o que descaracterizava a feição de ‘universidade’. Não havia esforço para a criação de uma instituição de cultura e de formação geral, porque a elite interessada nos estudos de grau superior dirigia-se à Europa, para preparar-se intelectualmente e, depois, na volta para o Brasil, aplicar seus conhecimentos nos estabelecimentos de ensino isolados que existiam até então. Embora o ensino superior na Europa tivesse algumas características diferentes daquele ministrado aqui, também estava voltado mais à profissionalização que às bases teóricas e filosóficas. A idéia de unidade e de universalidade do ensino, que parecia prevalecer sobre o das formações especializadas, não chegou, porém, a determinar a mais leve inflexão política anterior, cujo espírito de continuidade não se interrompeu durante mais de um século, em que o ensino superior permaneceu inteiramente dominado pelo espírito profissional e utilitário. (FREIRE, 1978, p. 73).

Em 1808 foram criados os cursos de cirurgia na Bahia, cirurgia e anatomia no Rio de Janeiro; em 1810 as Academias Real da Marinha e Real Militar; os cursos de agricultura em 1812; a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios em 1816; química (química industrial, geologia e mineralogia) em 1817 e desenho industrial em 1818. (FAVERO, 2000, p. 31) Contudo, apenas em 1827 nasceu, meio século depois dos estatutos do conde de Arganil13, a concepção de educação superior diferenciada daqueles cursos já instalados isoladamente no país. Os primeiros cursos de direito surgiram nesta 13

Os estatutos do conde de Arganil eram regimentos da Universidade de Coimbra, regulamentando o ensino superior em Portugal escritos pelo Freire conventual da ordem de S. Bento de Avis, bispo de Coimbra, conde de Arganil, senhor de Coja, do conselho do rei D. João VI, reitor da Universidade de Coimbra. [http://www.arqnet.pt/dicionario/pereiracoutinhoflf.html Acesso em 10 de janeiro de 2004]

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época: em 11 de agosto de 1827 foi criado o curso de direito em São Paulo, no Largo São Francisco e, em 15 de maio de 1828, em Olinda (PE), no Mosteiro de São Bento autorizados por decreto municipal de Luiz José de Carvalho e Mello, depois Visconde da Cachoeira. (VENANCIO FILHO, 1977, p. 13-24) O significado de cursos isolados14, aqui, continua, mas ressalta-se a importância da criação de dois campos de estudos em regiões distantes do país. Esses cursos adquiriram importância significativa, pois, tinham [...] influência na formação das elites e da mentalidade política do Império. São, sem dúvida, centros de irradiação de novas idéias filosóficas, de movimentos literários, de debates e discussões culturais que interessam à mentalidade da época. E mais, esses cursos se tornam provedores de quadro para as assembléias, assim como para o governo das províncias e governo central. (MOREIRA apud FAVERO, 2000, p. 32)

A criação dos cursos jurídicos, uma exigência da cultura brasileira em face da Independência Nacional, era uma decorrência inevitável da militância liberal15, uma vez que o curso propiciava formação e abertura política no cenário nacional. Em 1825, o Imperador instituiria, por decreto de 9 de janeiro, um curso jurídico na cidade do Rio de Janeiro, regido pelos estatutos elaborados por Luís José de Carvalho e Melo, Visconde da Cachoeira. Este curso, entretanto, não chegou a ser inaugurado. A questão foi retomada pelo Parlamento em 1826. Um projeto de nove artigos, assinado por José Cardoso Pereira de Melo, Januário da Cunha Barbosa e Antônio Ferreira França, que recebeu várias emendas, transformou-se na Lei de 11 de agosto de 182716. Era o encerramento de uma 14

As instituições de ensino superior brasileiras até então tinham caráter fragmentado, ou seja, os cursos eram criados isoladamente sem o sentido da universalidade que, mais tarde, aparece na década de 1960, quando é considerado o conceito de universidade humboldtiano (alia ensino e pesquisa). 15 A militância liberal foi um movimento de esquerda iniciado por volta de 1830 que lutava contra o governo regente do período imperial, por mais participação da sociedade nas decisões do governo (diminuição do poder do Estado). Bernardo Pereira de Vasconcelos encabeçou as mais expressivas lideranças políticas liberais da época contra o Pe. Diogo Antônio Feijó (representante do conservadorismo de direita, cuja regência perdurou entre 1835-1837). [http://www.historiaaqui.hpg.ig.com.br acesso em 10 de outubro de 2003] 16 “Cria dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na Cidade de São Paulo e outro na de Olinda. Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor

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ingente luta em favor da idéia semeada pelo Visconde de São Leopoldo, sob a forma de universidade, na Constituinte de 1823. Mais tarde o Visconde, que teve seu nome definitivamente ligado à lei que iniciava uma fase nova na cultura nacional, faria questão de dizer que esse foi um dos momentos mais gratos de sua vida de homem público. (http://www.oab.org.br acesso em 05 de outubro de 2003) Os mesmos estatutos elaborados pelo Visconde da Cachoeira, por ocasião do decreto que tencionara criar o curso jurídico do Rio de Janeiro, regularam os cursos de Olinda e São Paulo. O Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo, que começou a funcionar em 1º de março de 1828 e o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda, inaugurado em 15 de maio de 1828, representaram marcos referenciais da nossa história, cujo propósito era a formação da elite administrativa brasileira. (VENANCIO FILHO, 1977, p. 10-12) Plínio Barreto assenta que: Há 100 anos, quando se emancipou definitivamente da soberania portuguesa, era o Brasil uma terra sem cultura jurídica. Não a tinha de espécie alguma, a não ser, em grau secundário, a do solo. Jaziam os espíritos impotentes na sua robustez meio rude da alforria das crendices e das utopias, à espera de charrua e sem*ntes. O direito, como as demais ciências e, até como as artes elevadas, não interessava ao analfabetismo integral da massa. Sem escolas que o ensinassem, sem imprensa que o divulgasse, sem agremiações que o estudassem, estava o conhecimento dos seus princípios concentrado apenas no punhado de homens abastados que puderam ir à Portugal apanhá-la no curso acanhado e rude que se processava na Universidade de Coimbra. (BARRETO apud VENANCIO FILHO, 1977, p. 13)

Entretanto, foi essa pequena elite que propôs o primeiro projeto de criação dos cursos jurídicos, debatendo-o na Assembléia Constituinte e, a partir de 1823, na Assembléia Legislativa de São Paulo, destacando-se entre eles José Feliciano Fernandes

Perpétuo do Brasil: fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou, e nós que remos a Lei seguinte: Art. 1.º - Criar-se-ão dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na Cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e neles no espaço de cinco anos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes (...)” [http://www.oab.org.br, acesso em 05 de outubro de 2003].

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Pinheiro, futuro Visconde de São Leopoldo, o qual, mais tarde, apresentou projeto17 na Assembléia Legislativa, em 14 de junho de 1823, criando uma Universidade na cidade de São Paulo. Contudo, a escolha das sedes das faculdades de direito não foi assunto concordante entre os debatedores na Assembléia Constituinte; cada deputado e também os intelectuais da sociedade pendiam para sua localidade de representação (província). Dentre os intelectuais: Miguel Calmon (baiano, porém votou por São Paulo), Antonio Carlos (por São Paulo), Teixeira de Gouveia e Teixeira de Vasconcelos (por Minas Gerais), Gê Acaiaba Montezuma18 (pela Bahia); os deputados Henriques de Resende (por Pernambuco), Carneiro da Cunha (por Paraíba) e Costa Barro (pelo Maranhão). Essas discussões evidenciaram a importância que à matéria era destinada, haja vista que a instalação destas faculdades auxiliaram, preponderantemente, no progresso das regiões. Discutia-se tudo: situação geográfica, topográfica, clima, salubridade, produção, custo de vida, população, estética, cultura, tradição, tendências políticas, vida social e até a língua que ali se falava. Da discórdia quanto a sede da faculdade ser em São Paulo resultou a fórmula conciliatória da Comissão de Instrução Política da Assembléia Constituinte (Parecer em 19 de agosto de 1823) para que fossem criadas duas faculdades, sendo uma sediada em São Paulo e a outra em Olinda, com a implantação imediata de um curso jurídico em São Paulo. (VENANCIO FILHO, 1977, p. 14-18) Para os deputados, angariar um intento deste tipo naquela época seria algo extremamente popular para sua imagem. Mais tarde, a maioria das faculdades de direito, que foram criadas até 1930, foram instaladas nestas regiões até então não contempladas com a criação de faculdades. Em 1854 o curso de direito de Olinda foi transferido para Recife por uma série de razões: a sede da faculdade em Olinda – Mosteiro de São Bento – era precária, pequena, 17

“Proponho que no Império do Brasil se crie, quanto antes, uma Universidade, pelo menos para assento da qual parece dever ser preferida a cidade de São Paulo, pelas vantagens naturais e razões de conveniência geral.” (VENANCIO FILHO, 1977, p. 15) 18 Primeiro Presidente do Instituto dos Advogados do Brasil.

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desconfortável, os recursos para manutenção eram escassos, a maioria dos professores era residente em Recife, o que dificultava o deslocamento até a faculdade e, por conseqüência, a ausência às aulas era freqüente, resultando numa duvidosa qualidade do curso, principalmente se comparado ao de São Paulo. Zacarias de Góis, professor do curso de Olinda asseverou: “(...) em Olinda, a par de muitos lentes que desenvolvem com zelo seus deveres, há outros que o desprezam e não têm freqüência alguma(...)” Saraiva, aluno da faculdade de São Paulo e depois político de destaque no cenário do país, destacou, em carta a seu primo José de Bittencourt, que “V. Exa. deve saber que em Olinda há muita indulgência com os estudantes e que São Paulo distingue-se por seu rigor, que abranda-se muito com a intervenção dos Ministros ou do Tobias Barreto19, o potentado da terra(...)”(GÓIS apud VENANCIO FILHO, 1977, p. 63) Em 1843 criou-se a Fundação do Instituto dos Advogados que, ao lado do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro fundado em 1838, participou de forma incisiva na construção da identidade nacional, tendo como finalidade precípua assentar em bases mais sólidas a atuação dos bacharéis; estes até então não dispunham de uma “entidade” que lutasse pelos seus interesses e os inserissem nas articulações políticas do país, já que tinham formação diferenciada dos detentores do poder do Império20.

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Alguns membros das faculdades de direito de São Paulo e Recife tinham articulação política e intervinham no ensino jurídico destes locais. Tobias Barreto foi um deles; ingressou em 1882, por concurso, na faculdade de direito de Recife e se tornou principal líder da instituição; foi juiz municipal, deputado provincial e vereador, cujos cargos lhe proporcionaram maior intervenção nas questões relativas à faculdade. [http://www.governo.se.gov.br Acesso em 10 de janeiro de 2004] 20 A sociedade política do Império era formada, principalmente, por bacharéis em direito formados em Coimbra; a nova classe de bacharéis que se constituía era proveniente das faculdades aqui instaladas. Ainda, nesta época, havia discriminação dos “bacharéis nacionais”, porque os cursos de São Paulo e Olinda eram tidos como de “duvidosa qualidade.” (VENANCIO FILHO, 1977, p. 303-304)

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A formação estava calcada no ensino profissionalizante, decorrente dos ideais da política educacional napoleônica21, como se pode depreender das palavras de Francisco Campos22: O curso de bacharelado foi organizado (...) [com] a finalidade de ordem puramente profissional, isto é, o seu objetivo é a formação de práticos do direito. Da sua seriação foram, portanto, excluídas todas as cadeiras que, por sua feição puramente doutrinária ou cultural, constituem antes disciplinas de aperfeiçoamento ou de alta cultura do que matérias básicas ou fundamentais a uma boa e sólida formação profissional. (CAMPOS apud VENANCIO FILHO, 1977, p. 305)

No início do século XX, o ensino jurídico no país deixa de ser exclusivo de São Paulo e Olinda e em 1900 aparecem outros quatro cursos e, até 1930, mais dois deles. De 1827 até 1930 eram, portanto, 12 faculdades de direito no país. Muitas outras surgiram em 1911, devido à Reforma Rivadávia Correa, mas foram extintas após sua revogação. Essa reforma dirigiu-se aos ensinos superior e primeiro ciclo, promovendo a desoficialização do ensino com a eliminação de qualquer controle estatal; determinou a autonomia dos institutos subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, bem como instituiu a livre-docência e criou, também, o Conselho Superior de Ensino. Porém, o decreto nº 11.530, de 18 de março de 191523 (Reforma Carlos Maximiliano), revogou a Reforma Rivadávia, por ter afastado o controle dos ensinos de primeiro ciclo e superior do poder central. (SILVEIRA in TUBINO, 1984, p. 63) Conseqüentemente, a universidade do Paraná e outras faculdades de direito foram extintas. Porém, a faculdade de direito do Paraná permaneceu, mas com características de isolada. Em 13 de janeiro de 1925 (decreto nº 16.782-A) adveio a 21

Os ideais napoleônicos de ensino superior eram voltados para a formação profissional, que haviam sido implementados pela revolução burguesa de 1789, coroadas pela reforma de Napoleão I, tidos como voltados estritamente para o ensino; não se falava em pesquisa. (CUNHA, 1988, p. 15) 22 Francisco Campos também foi uma figura política importante no cenário nacional que interveio nas questões do ensino jurídico no país. Sua principal participação política se deu quando integrou a Aliança Liberal e articulou, juntamente com Getúlio Vargas, o golpe de Estado de 1937. 23 “Art. 1º O Governo Federal continuará a manter os seis institutos de instrução secundária e superior subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, dando-lhes autonomia didática e administrativa de acordo com as disposições deste decreto”. (SILVERIA in TUBINO, 1984, p. 64)

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Reforma Rocha Vaz, no governo do presidente Arthur da Silva Bernardes (1922-1926), introduzindo modificações no ensino jurídico, exigindo reorganização dos cursos para manutenção regular dos alunos. Porém, essa reforma não trouxe modificações efetivas no interior das faculdades de direito; os alunos continuaram a freqüentar poucas vezes as aulas. (LEITE, 1992, p. 102/103) A primeira sociedade civil24 a propagar anseios pela instalação de uma faculdade de direito foi a de Ouro Preto, à época capital do estado de Minas Gerais. Em verdade, essas manifestações na década de 1820 já estavam presentes, quando da instalação dos cursos em São Paulo e Olinda. Houve uma disputa política entre as principais capitais brasileiras para sediar as instalações de faculdades tão quistas pela sociedade civil e, de igual forma, pela sociedade política. A sociedade civil lutava pela instalação das faculdades de direito, mais preponderantemente, os intelectuais ligados à área jurídica, bem como as famílias que representavam a elite brasileira; e na sociedade política, os próprios componentes do governo que, na maioria, era composta por bacharéis em direito, advogados entre outros. Decorridos 64 anos (1827-1891), surgiu, na Bahia, apesar de grandes esforços de Minas Gerais, a terceira faculdade de direito do país em 15 de abril de 1891 e a primeira faculdade da República; a instituição foi criada pela iniciativa privada. (VENANCIO FILHO, 1977, p. 198)

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A sociedade civil, aqui, é entendida como “o conjunto dos organismos, vulgarmente dito privados, que correspondem à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade.” A sociedade política, por sua vez, é “o Estado, no sentido estrito do termo, da qual a sociedade civil constitui a base, o conteúdo ético.” A concepção de “Estado” para Gramsci é a de “Estado ampliado”, segundo o qual se constitui em um bloco histórico formado por uma superestrutura, que é composta pela sociedade civil e pela sociedade política. Esta, por sua vez, seria a base econômica do Estado – o aparelho de Estado (instância política): governo, administração pública, instituições públicas e forças armadas. A sociedade civil seria o mundo ideológico no qual coexistem igreja, família, escola, sindicatos, partidos e instituições sociais públicas. (PORTELLI, 1977, p. 22-24)

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Em 1891 Benjamim Constant editou decretos isolados para diferentes estabelecimentos de ensino superior, surgindo, em 1892, o Código das Instituições de Ensino Superior da União, tendo como ministro Fernando Lobo. (SILVEIRA in TUBINO, 1984, p. 63) Apesar deste Código permitir a criação das instituições privadas, o ensino superior continuou sendo atribuição privativa, e não exclusiva, do poder central. Em 31 de maio de 1891 surgiu a primeira faculdade de direito na capital do país: Rio de Janeiro; 1892, Ouro Preto, capital do estado de Minas Gerais à época, finalmente instala sua primeira faculdade de direito, porém pela iniciativa privada. No mesmo ano a capital do estado é transferida para Belo Horizonte e a faculdade para lá se dirigiu. Em 1900 é criada a Faculdade Livre de Direito em Porto Alegre (Rio Grande do Sul); em 1902, instalou-se a faculdade em Belém (Pará); 1903 em Fortaleza (Ceará); 1910 em Manaus (Amazonas) pela iniciativa privada; 1911 na capital (Rio de Janeiro) e 1912 em Niterói (Rio de Janeiro), mais tarde (1919 e 1914 respectivamente) fundiram-se com a faculdade de direito da capital do país (Rio de Janeiro). A primeira faculdade de direito do país inserida numa concepção de universidade foi criada em 1912 no Paraná, decorrente da liberdade de ensino autorizada pelo decreto nº 8.659, de 15 de abril de 1911 – Reforma Rivadávia Correa. (SILVEIRA in TUBINO, 1984, p. 63) A concepção de universidade, nesta época, era aquela adotada na França por Napoleão em 1808 quando da criação da primeira universidade daquele país. As universidades que se formavam resultavam da união formal das faculdades isoladas. A preocupação era ministrar um ensino superior profissionalizante. O ensino superior desenvolveu-se em nosso país pela multiplicação dessas faculdades isoladas – medicina, engenharia e direito. As primeiras universidades brasileiras resultaram, já na terceira década do século XX, da mera reunião formal dessas faculdades. Com o tempo, outras faculdades surgiram nesse quadro, também elas isoladas ou incorporadas às inconsistentes universidades (...)

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Foi só na década de 1960 que uma doutrina sistemática sobre a reforma universitária tomou forma no Brasil, respondendo a esses antigos anseios de superação do modelo napoleônico do ensino superior (...) Foi naqueles pensadores alemães que a doutrina da reforma universitária buscou seus fundamentos. (CUNHA, 1988, p. 16/17)25

Na década de 1920 surgiram manifestações dos intelectuais da sociedade civil no sentido de provocar mudanças no terreno da educação, como as Conferências Nacionais de Educação e a introdução do movimento da Escola Nova. Outros fatos importantes também ocorreram no cenário nacional: em 1922, a fundação do Partido Comunista, a revolta do forte de Copacabana e a I Semana de Arte Moderna; em 1927, o centenário dos cursos jurídicos; e, em 1930, no campo jurídico, a fundação da Ordem dos Advogados do Brasil (1930), como importante entidade representativa dos interesses da categoria, que mais tarde influenciará nas políticas educacionais dos cursos jurídicos no país. Os ideais da política educacional, preconizados pela elite nacional, voltaram-se para a democratização e socialização do ensino e da educação como um todo. A reivindicação universitária passava a ser uma aspiração crescente dos meios educacionais, insatisfeitos com um sistema de ensino superior que só previa a existência de escolas profissionais, voltadas para a formação de diplomados nas três carreiras profissionais: direito, medicina e engenharia. O decreto nº 11.530/1920 estipulava, em seu art. 6º, que o governo federal, quando julgasse oportuno, reuniria em universidade as escolas Politécnica e de medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas uma das faculdades de direito, dispensando a esta última da taxa de fiscalização e dando-lhe gratuitamente edifício para funcionar. O Presidente Epitácio Pessoa criou, pelo decreto nº

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“O Príncipe João, no Brasil, não criou universidades, apesar de aqui reproduzir tantas instituições metropolitanas. Ao invés de universidades, criou instituições isoladas de ensino superior para a formação de profissionais, conforme o figurino do país inimigo naquela conjuntura: de medicina, na Bahia e no Rio de Janeiro, em 1808; e de engenharia, embutida na Academia Militar, no Rio de Janeiro, dois anos depois (mais tarde, nasceu dela a Escola Politécnica, calcada na de Paris). Em 1827, Pedro I do Brasil acrescentou os cursos jurídicos de Olinda e São Paulo, com o que se completava a tríade dos cursos profissionais superiores que por tanto tempo dominaram o panorama do nosso ensino superior.” (CUNHA, 1988, p. 16)

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14.343, de 7 de setembro de 1920, a Universidade do Rio de Janeiro, reunindo a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito, todas do Rio de Janeiro. Determinava que à Faculdade de direito continuaria a prover todas as suas despesas com as rendas do respectivo patrimônio, sem outro auxílio oficial ou vantagem para os professores além dos que lhe são outorgados pelo estatuto. (VENANCIO FILHO, p. 214-216) Contudo, de universidade só tinha o nome; resultava apenas da junção das três faculdades, sem nenhum espírito integrador, mas sim como mera entidade administrativa. Denota-se, de igual forma, que à faculdade de direito eram concedidas vantagens que às outras não, como, por exemplo, a dispensa da taxa de fiscalização e isenção de aluguel sobre o edifício. Estes fatos são explicados à luz da composição do próprio poder central, que, na sua maioria, vinha dos cursos de direito, embora, ainda nesta época, eram provenientes da Europa. Mas o protecionismo imperava. A Reforma Rivadávia Correa representou uma expansão acelerada do setor privado para os cursos de direito da época, conforme depoimentos de Carlos Maximilano em seu relatório para extinguir a Reforma Rivadávia: A Lei Orgânica do Ensino de 1911, propondo-se a negar valor aos títulos acadêmicos, produziu a mais completa epidemia de bacharelismo de que há memória no Brasil. Em país paupérrimo de ensino profissional com uma população em que o número de analfabetos não é inferior a 80%, fundaram-se academias em quase todas as capitais dos estados. Abriramse nada menos do que seis faculdades de direito na cidade do Rio de Janeiro(...)Em um foro pobre não se encontram vinte e seis juristas notáveis para professores de Direito(...) (MAXIMILIANO apud VENANCIO FILHO, 1977, p. 214)

Inobstante a implantação de vários cursos jurídicos pela iniciativa privada, decorrente desta Reforma, muitos deles foram extintos. Contudo, alguns cursos criados pelo poder central começaram a dar sinais de expansão das suas matrículas nos anos seguintes à sua criação. Na faculdade de direito do Belém (Pará), por exemplo, em 1902 (data de criação do curso) 16 alunos se matricularam,

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passando para 26 em 1903; 55 em 1904; 54 em 1905; 53 em 1906; e 63 em 1907. (VENANCIO FILHO, 1977, p. 205) Em síntese, nesse período da República Velha (1891-1930), não houve modificações substanciais no ensino superior, particularmente com a criação dos cursos jurídicos. Houve o surgimento de nove cursos jurídicos em diversas regiões do país , dentre eles, 4 faculdades eram privadas (de Minas Gerais, da Bahia, do Rio de Janeiro e do Amazonas). Esse movimento de expansão dos cursos de direito no país foi resultante das manifestações dos intelectuais da época – professores eméritos das faculdades de São Paulo e Olinda, principalmente desta última, porque a maioria deles residia em Recife – e da elite residente distante desses lugares, bem como da própria sociedade política que acabou por incentivar o setor privado a criar faculdades, porque não destinava recursos financeiros para este fim. Assim mesmo, o setor público (6) criou mais faculdades de direito que o setor privado (4).

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Figura 1. Cursos jurídicos instalados no Brasil até 1930

Público Privado

Neste contexto, a Reforma Francisco Campos (decreto nº 19.851, de 15 de abril de 1931) dispôs acerca do Estatuto das Universidades Brasileiras, da reorganização da Universidade do Rio de Janeiro (apesar da denominação a ela conferida, ainda não apresentava características próprias) e de todo o ensino superior existente, bem como criou o Conselho Nacional de Educação. O decreto nº 20.179, de 06 de junho de 1931, dispôs sobre a equiparação de institutos de ensino superior mantidos pelos governos estaduais; a inspeção de institutos livres, para efeito de reconhecimento oficial dos diplomas por eles expedidos, expressando, de forma nítida, o controle e a centralização do ensino superior por parte do governo central, sobretudo por meio dos artigos 2º e 8º, inciso II, nos quais são feitas exigências 56

para qualquer instituto de ensino superior gozar das prerrogativas das instituições federais. Apesar das críticas que possam ser feitas, só a partir de 1931, com o Estatuto das Universidades Brasileiras, é que a idéia de universidade começa a tomar forma entre nós. Os objetivos da universidade passaram a ser o “ensino, a formação de profissionais, a preocupação com a ciência pura, a atividade social para a grandeza da nação e para o aperfeiçoamento da humanidade.” (SILVEIRA in TUBINO, 1984, p. 66) Iniciava-se a formação do sentido “universidade”, mas ainda não consubstanciado no seu significado original26 associando ensino e pesquisa. A concepção de uma universidade fundada sobre o princípio das pesquisas e no trabalho científico desinteressado associado ao ensino amadurece sob o impulso da sociedade política. Com a nomeação de Humboldt, em 1809, para o Departamento dos Cultos e da Instrução Pública do Ministério do Interior na Alemanha, a nova universidade nasceu da fusão com a Academia de Berlim, garantindo a liberdade dos cientistas e sob a proteção do Estado, da qual dependia seu orçamento anual. (TRINDADE, 2001, p. 17) À luz das categorias elencadas inicialmente, pode-se observar que, neste período, ocorreu a expansão exigida dos cursos de direito no Brasil. O sentido desta expansão restringe-se à criação de faculdades de direito isoladas em diversas regiões do país, procurando atender à exigência da elite brasileira. A concepção de exigida é relacionada à interlocução que se fazia entre a sociedade civil e a sociedade política da época. Não havia ensino superior no Brasil Imperial; havia cursos técnicos esparsos que não correspondiam ao entendimento de “grau superior de ensino”, como era na Europa, principalmente em Coimbra. A elite brasileira que almejasse esse nível de ensino

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O sentido original de universidade tomado aqui é aquele preconizado pelo modelo Humboldtiano, que associa ensino e pesquisa como funções precípuas dessa instituição.

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deslocava-se para lá, em busca de melhor qualificação para ocupar os mais altos postos oferecidos pela sociedade política brasileira. Desta forma, a sociedade civil começou a lutar por seus anseios, tendo em vista que, além de não precisar deslocar seus filhos para a Europa, a instalação de faculdades no país traria desenvolvimento econômico e social para o país. Por isso, a instalação das faculdades de direito, no período da República Velha em vários locais do país, pode ser concebida como expansão exigida, no sentido de que a sociedade política atendeu às exigências da sociedade civil, e também aos seus próprios anseios, haja vista que muitas dessas famílias tinham seus chefes em algum cargo político do governo, como se depreende da tabela a seguir: Tabela nº 6 - Ocupação social de pais de professores da Faculdade de direito da Universidade de São Paulo 1827-1922 Situação social

Denominação

Número

percentual

1. Portadores de título nobiliárquicos ou honoríficos 2. Altos cargos políticos

Visconde (2), Barão (4), Comendador (2), Conselheiro (4) Presidente de Província (1), Senador (1) Ministro do Supremo Tribunal Federal (1), Desembargador (2), Juiz (5), Advogado (4) Cirurgião-Mor de Milícia (1), Cirurgião (1), Médico (1), Médico Militar (1) General (1), Brigadeiro (1), Coronel de Milícia (1), Capitão (2), Mestrede-Campo (1), SargentoMor (1), Alferes (1) Membro Imperial Câmara (1), Educador 91), Comerciante (1)

12

29,3

2

4,9

12

29,3

4

9,8

8

19,5

3

7,2

41

100

3. Quadros diretamente relacionados ao uso dos conhecimentos jurídicos 4. Quadros diretamente relacionados ao uso dos conhecimentos médicos 5. Quadros pertencentes à hierarquia superior das forças armadas 6. Outros

TOTAL Fonte: PORTES, 2001, p. 26.

A expansão, neste período, representou mais uma vitória das elites brasileiras do que propriamente um investimento do governo central em educação superior.

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Não havia, ainda, o sentido da interiorização, tida nesta dissertação como desconcentração regional das faculdades. A abertura de vagas e de faculdades eram em locais mais centrais - nas capitais dos estados – onde a demanda da sociedade a requeria. A interiorização é um fenômeno que revela o deslocamento de estabelecimentos de ensino superior centrais para regiões consideradas periféricas, comumente no interior do próprio estado da federação; retrata um movimento de criação de campi em outras localidades consideradas como não propícias à instalação de sede, porque são regiões que não apresentam demanda expressiva por esse nível de ensino. Contudo, a concentração de cursos, hoje, pode ser encontrada, também, no interior de alguns estados mais desenvolvidos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, entre outros. A interiorização, neste caso, far-se-á mediante a instalação de campi em regiões periféricas a esta; geralmente naquelas que se situam ao redor. Por exemplo: Ribeirão Preto e São José do Rio Preto são cidades interioranas do estado de São Paulo, porém não são consideradas regiões periféricas, mas sim as localidades envoltas a elas. Há o exemplo, também, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) a qual tem sua sede na cidade de Dourados (um dos pólos econômicos do estado) e apresenta unidades nos municípios de Naviraí, Paranaíba, Amambaí, Três Lagoas entre outras. Na categoria público/privado, percebemos um avanço considerável do setor público, haja vista que a maioria das faculdades de direito eram provenientes do governo central. Havia 10 faculdades de direito até o início da década de 1930, sendo 4 delas particulares. Ou seja, 60% representava o setor público. Contudo, já havia uma preocupação do próprio governo central em dar abertura para o setor privado neste nível de ensino, como se pode observar das palavras do Deputado Correia Araújo em 1867: “faltam aos particulares, aos cidadãos, o espírito de iniciativa. Nos estatutos dos cursos dos institutos de instrução superior está consagrada a 59

liberdade de cursos particulares. Quem foi que até hoje se aproveitou dessa faculdade para abrir cursos?” (ARAÚJO apud VENANCIO FILHO, 1977, p. 85) Apesar dos discursos do governo central incentivarem este setor, não havia, ainda, um programa sistematizado para a iniciativa privada com políticas públicas de incentivo efetivo. O setor privado nos cursos de direito começou a mostrar sinais de aparecimento apenas no início da República Velha. Em aproximadamente 40 anos, surgiram apenas 4 faculdades de direito privadas; tendo em média, pois, 1 a cada 10 anos. Ademais, também no setor público, os estudantes de direito eram obrigados a contribuir financeiramente no momento da matrícula: “em maio de 1828, a taxa de matrículas foi elevada para 51200 réis (...)” (VENANCIO FILHO, 1977, p. 46), valor consideravelmente alto para época; poucas pessoas podiam arcar com esse ônus. Assim, o setor privado, embora tenha nascido com característica de faculdade isolada, como até os dias de hoje, apresenta alguns elementos que o diferenciam daquele setor privado que se expandirá na década de 1960, principalmente com o advento da reforma universitária de 1968 e da reforma do Estado em 1995. Dentre esses elementos diferenciadores podemos destacar a privatização, a publicização e a terceirização da educação superior pós-reforma do Estado em 199527. O setor privado entre 1930-1960 aparece, simplesmente, como abertura do ensino superior à iniciativa privada-empresarial, pela demanda reprimida de acesso a esse nível de ensino pelo setor público, já que este apenas começa efetivamente a se expandir no final da década de 1950.

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Esses elementos são conceituados no capítulo IV deste trabalho.

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2.2. Fundação do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB): partido ideológico da categoria É mister que se faça um pequeno, mas necessário recorte, para retomar um modo de agir e de ver desta entidade, a qual exerceu influência na elaboração das políticas públicas pela sociedade política, bem como auxiliou no fortalecimento da categoria como fonte essencial nas decisões de poder da sociedade política a partir da década de 1930 quando do seu surgimento. Retomando os conceitos de Gramsci, tem-se como partido ideológico “o partido como ideologia geral, superior aos vários agrupamentos mais imediatos.” (GRAMSCI, 1999, II: 353/354) Assim, agrupam-se a este conceito a igreja, as associações, entidades representativas de classe, as escolas, a imprensa entre outros. Os partidos ideológicos encontram-se na base da sociedade civil e são representados na sociedade política por meio dos partidos políticos que fazem a intermediação entre eles. “A ação dos partidos, sejam eles políticos ou ideológicos, se dá, via de regra, através de determinadas estratégias que podem variar amplamente conforme as conjunturas ou revestir-se de um caráter de relativa permanência.” (SAVIANI, 1988, p. 20). É sob este enfoque que a atuação da OAB em relação às políticas públicas será analisada no contexto da educação, mais particularmente a influência que exerce sobre a criação de cursos jurídicos no Brasil. Para tanto, procurar-se-á, em síntese, demonstrar que essa Instituição esteve ligada a grandes movimentos políticos e sociais, pretendendo inserir-se no contexto nacional não apenas como entidade representativa de categoria, mas também como veículo condutor e mediador de políticas públicas que envolveram mudanças sócio-políticas importantes no país.

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A iniciativa da fundação do Instituto dos Advogados foi inspirada pelas entidades congêneres existentes na França e em Portugal e tinha por finalidade reunir os “cultores” e “agitadores” do direito, que viriam constituir a Ordem dos Advogados, regularizar o serviço de administração da justiça e completar a organização do Poder Judiciário. A maioria de seus fundadores era composta de graduados das primeiras turmas dos cursos de Olinda e São Paulo e, além da advocacia, alguns serviam à magistratura, atuavam no Legislativo, no Executivo em Ministérios, ou no Conselho de Estado. Quase todos os integrantes eram membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O ministro do Supremo Tribunal de Justiça28, Conselheiro Francisco Alberto Teixeira de Aragão, que havia proposto a fundação de uma entidade brasileira nos mesmos moldes da portuguesa, criada em 1838, sugeriu a criação de uma entidade que facilitasse, quando fosse oportuno, o advento da Ordem dos Advogados. Ele próprio articularia esse empreendimento, fundando na Corte, em janeiro de 1843, a Gazeta dos Tribunais, um periódico preocupado com a transparência dos atos da justiça e com questões importantes do direito. Já no primeiro número, a Gazeta publicou um artigo intitulado “A Necessidade de uma Associação de Advogados” e, em 16 de maio de 1843, divulgou os estatutos da Associação dos Advogados de Lisboa, aprovados por portaria de 23 de março de 1838. Após um mês, aproximadamente, teve início a discussão em torno da criação de uma corporação que reunisse e disciplinasse a classe de advogados. (http://www.oab.org.br acesso em 12 de outubro de 2003) Profundamente influenciado pelo estatuto da associação portuguesa, inclusive no que dizia respeito à finalidade primordial da instituição - a constituição da Ordem dos Advogados - um grupo de advogados, reunido na casa do Conselheiro Teixeira de Aragão, organizou os estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros. Submetido à apreciação do 28

Hoje, Supremo Tribunal Federal (STF).

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Governo Imperial, recebeu aprovação pelo Aviso de 7 de Agosto de 184329, art. 2.º dos estatutos da nova instituição dispunha: “O fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência da jurisprudência”. (http://www.oab.org.br acesso em 12 de outubro de 2003) Em 21 de agosto de 1843, foi eleita a primeira diretoria do Instituto dos Advogados Brasileiros, composta por Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, presidente; Josino Nascimento Silva, secretário da assembléia; Nicolau Rodrigues dos Santos França, tesoureiro; e mais 10 nomes que formaram o Conselho Diretor. O presidente Montezuma proferiu, na ocasião, discurso30 no qual justificou a criação do Instituto e a sua participação para a criação futura da Ordem dos Advogados. Nota-se no discurso de Montezuma que a entidade viria representar os anseios maiores da sociedade, bem como influenciar, decisivamente, nas políticas implementadas pelo Imperador, haja vista que a própria 29

Sua Majestade o Imperador, deferindo benignamente o que lhe foi apresentado por diversos advogados desta Corte, manda pela Secretaria do Estado dos Negócios da Justiça, aprovar os Estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros, que os Suplicantes fizeram subir à sua Augusta presença, e que, com este baixam assinados pelo Conselheiro Oficial Maior da mesma Secretaria de Estado, com a cláusula, porém, de que será também submetida à Imperial Aprovação o regulamento interno de que tratam os referidos estatutos. – Palácio do Rio de Janeiro, em 7 de agosto de 1843. Honório Hermeto Carneiro Leão. [http://www.oab.org.br acesso em 12 de outubro de 2003]. 30 “De quanto vos tenho exposto, Senhores, resulta: 1.º Que a Ordem dos Advogados, tão antiga como o mundo civilizado, foi sempre, em todos os Países, enobrecida pelas mais distintas honras, e preeminências em conseqüência de serviços que prestou sempre à Sociedade; 2.º Que sua posição é mais influente, e ilustre, onde as Instituições políticas se apartam do Regime absoluto, e são conformes com o Governo Representativo; que nos Países em que o Povo não tem direitos políticos, e é só contribuinte; 3.º Que em todas as Nações o Legislador tem regulado as funções do Advogado, não só pelo que respeita a nobreza, e direitos a ela inerentes, e de que deve gozar esta Profissão; como também dos deveres, que dela exige o bemestar da Sociedade; 4.º Que nos Países mais civilizados, os Advogados constituem uma Ordem independente, sustentada e protegida pelos poderes políticos do Estado: E na verdade, não pode deixar de ser altamente estimada, e investida de honras, e distintos privilégios, uma Profissão, cujo timbre está sublimemente enunciado na Epígrafe adotada por Mr. Dupin, no seu Discurso de Abertura das Conferências, como Presidente: Tout droit blessé trouvera parmi nous des défenseurs.” Completando suas idéias sobre a propriedade da fundação do Instituto naquele momento, Montezuma foi enfático: Senhores, se é preciso alguma prova mais da utilidade do Instituto que hoje instalamos, que se atente para o estado de confusão em que se acha toda nossa legislação, civil, criminal, mercantil e administrativa, e sobretudo a Praxe do nosso Foro, na qual se tem introduzido mil abusos, que o tornam disforme. Oriundo o nosso Direito Pátrio da Nação de quem nos separamos, e obrigados a fazer nele as alterações que a ocasião tem reclamado, sem a conveniente oportunidade para rever inteiramente, e formar dele um corpo de legislação consoante em todas as suas Partes, e digno das luzes do século em que vivemos, e de acordo com os melhoramentos hoje adotados pelas Nações mais adiantadas na escala da civilização; o país, Senhores, pode dizer-se que não tem legislação própria, tudo está por fazer.” [http://www.oab.org.br acesso em 12 de outubro de 2003]

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diretoria do instituto compunha os bancos das mais altas discussões legislativas do país; muitos deles, inclusive Montezuma, tiveram participações incisivas nas discussões sobre o ensino do direito no país nas Assembléias Constituinte e legislativa dos estados. (Id.Ibidem.) E o IAB, de certa forma, conseguiu atingir o objetivo de auxiliar o governo na organização legislativa e judiciária do País, colocando-se como órgão de estudos e debates de questões legislativas e de jurisprudência. Sua atuação na vida nacional caminhou com o processo de construção do Estado brasileiro. Tanto que a própria Constituição de 1891, o alicerce da 1ª República, foi amparada pelos estudos oferecidos pelo IAB que, revisados por Rui Barbosa, transformaram-se no anteprojeto submetido e aprovado pela Assembléia Constituinte. Quanto à criação da Ordem dos Advogados, foram muitas as iniciativas para cumprir o que estabelecia o art. 2.º dos estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros. Uma dezena de estudos e projetos elaborados pelo Instituto foi apresentada à apreciação do Poder Legislativo, do Ministério da Justiça e do Governo Imperial, mas todos foram detidos31 em sua marcha; era o fim da chamada República Velha sem muitas conquistas pelo Instituto32.

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Os projetos enfrentavam, inicialmente, os aspectos constitucionais do problema, que constituíram um dos óbices enfrentados por todos os projetos, qual seja, se seria possível a criação da Ordem em face do princípio de liberdade de profissão estabelecido na Constituição Federal, e o fundamento teórico de origem positivista que constituía a sua base. (VENANCIO FILHO, 1977, p. 331-333) 32 A Primeira República (1889–1930) não promoveu um aumento da participação popular no âmbito do sistema político. A presença das camadas médias na cena política só começou a ganhar alguma visibilidade no Brasil após a Primeira Guerra Mundial. Foi quando fatores como as mudanças na estrutura sócioeconômica, promovidas principalmente pela desvalorização do café e pelo crescimento industrial, e os desgastes provocados pelas disputas oligárquicas nas sucessões presidenciais ensejaram movimentos que defendiam a ascensão de uma república verdadeiramente liberal. Em contraposição à chamada política do café-com-leite, reivindicavam-se eleições livres, governo constitucional e plenas liberdades civis. A Revolução de 1930 fez nascer um novo Estado, que se distanciou do modelo oligárquico pelo caráter centralizador e pela maior autonomia. E, ainda que fosse caracterizada pela heterogeneidade dos grupos comprometidos - que conseguiu aliar uma parcela das oligarquias regionais a um grupo de oficiais descontentes egressos do movimento tenentista e intelectuais liberais -, e por uma troca da elite processada sem grandes rupturas, a revolução fez emergir novas forças no cenário político. Foi o caso dos profissionais liberais e dos jovens políticos que, antes de 1930, formaram a Aliança Liberal e articularam o golpe de

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2.2.1. A criação da Ordem dos Advogados do Brasil: influências no cenário político nacional Foi no contexto de reivindicações políticas (apontado no item anterior) e em sintonia com as aspirações de renovação e modernização do País, que se deu a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo como personagem central a figura do então procurador-geral do Distrito Federal, André de Faria Pereira. Logo depois de instalado o Governo Provisório (1889-1891), André de Faria Pereira expôs a Osvaldo Aranha, então Ministro da Justiça, a necessidade de modificar a organização da Corte de Apelação, visando à normalização dos seus serviços e ao aumento da produtividade de seus julgamentos. Incumbido pelo ministro de organizar um projeto de decreto, o procurador-geral, há muito sócio do Instituto dos Advogados, incluiu o dispositivo do art. 17, criando a Ordem dos Advogados. O êxito da iniciativa foi, segundo ele, um milagre. (http://www.oab.org.br acesso em 12 de outubro de 2003) A instituição da Ordem dos Advogados do Brasil ocorreu quase um século após a fundação do Instituto dos Advogados, por força do art. 17 do decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 193033, assinado por Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório, e referendado pelo Ministro da Justiça Osvaldo Aranha.

Estado, como Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, Lindolfo Collor, Francisco Campos, entre outros. (Id.Ibiden, p. 130-140) 33 Reorganiza a Corte de Apelação e da outras providências O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil: Atendendo à necessidade de prover ao melhor funcionamento da Justiça local do Distrito Federal, fazendo eqüitativa distribuição dos feitos, normalizando o desempenho dos cargos judiciários, diminuindo os ônus aos litigantes, em busca do ideal da justiça gratuita, prestigiando a classe dos advogados, e enquanto não se faz a definitiva reorganização da Justiça, decreta: (...) Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo. (...) Art. 21. Revogam-se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1930; 109o da Independência e 42o da República. GETÚLIO VARGAS Osvaldo Aranha. [http://www.oab.org.br acesso em 14 de outubro de 2003]

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Como determinava o decreto nº 19.408, a Ordem seria regida pelos estatutos votados pelo Instituto dos Advogados Brasileiros e aprovados pelo governo. O presidente do Instituto, Levi Carneiro, nomeou então uma comissão para a elaboração de anteprojeto, formada por Moitinho Dória, presidente; Armando Vidal, relator; Edmundo de Miranda Jordão, Antônio Pereira Braga, Edgard Ribas Carneiro, Gabriel Bernardes e Gualter Ferreira. Coube ao próprio Levi Carneiro, desta vez como consultor-geral da República, emitir, em 15 de novembro de 1931, parecer sobre o projeto do primeiro Regulamento da Ordem dos Advogados, que foi aprovado pelo decreto n.º 20.784, de 14 de dezembro de 1931. O art. 4.º do Regulamento previa a criação do Conselho Federal para o exercício das atribuições da Ordem em todo o território nacional. Criava-se, pela primeira vez, o Conselho Federal da OAB com diversas atribuições, sendo, mais tarde, o órgão que deliberará sobre a criação dos cursos jurídicos no país por meio da Comissão de Ensino Jurídico. (PINTO, 1997, p. 9-12) A Instalação do Conselho Federal se deu mais tarde em 1933 no Distrito Federal. O Conselho Federal da OAB funcionou primeiramente no prédio do Instituto dos Advogados Brasileiros. Em sessão especial, no dia 6 de março de 1933, houve a instalação solene do Conselho Federal, completando a aparelhagem da Ordem dos Advogados do Brasil. O Regimento Interno do Conselho, fixando sua organização administrativa, foi aprovado em 13 de março de 1933. (Id.Ibidem., p. 13-16) Sob a condução de Levi Carneiro e Attílio Vivácqua - que foram sucessivamente reeleitos e permaneceram à frente do Conselho Federal por três mandatos consecutivos-, a Ordem dos Advogados foi consolidada. Suas ações concentraram-se, principalmente, nas tarefas de organização da instituição, como solução de problemas de

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interpretação do Estatuto, ordenamento das seções estaduais e elaboração do Código de Ética34. A OAB participou ativamente de vários movimentos nacionais, como, por exemplo: Revolução de 1932 (Constituição de 1934); libertação dos presos políticos em 1935 e 1936 (após o fechamento da Aliança Nacional Libertadora); foi defensora da liberdade cerceada na instituição do Estado Novo em 1937; lutou contra o golpe militar de 1964; integrou os movimentos de redemocratização do país e a Constituição de 1988, entre outros. Todos esses movimentos tinham a participação ativa dos estudantes de direito de todo o país. Contudo, em São Paulo, onde eram as sedes das lideranças políticas do governo, houve maior participação dos estudantes. Havia, de fato, dois partidos ideológicos dentro da Instituição: aqueles que apoiavam o governo de Getúlio Vargas e os de extrema esquerda. Este, por liderar movimento contrário ao governo instituído, não podia expor suas idéias e seus anseios publicamente, sob pena de seus integrantes serem presos pelo regime. Assim, as discussões políticas, muitas vezes, eram feitas em lugares ermos, fechados e às escondidas, geralmente, fora do horário de aula (às vezes, após as aulas). (VENANCIO FILHO, 1977, p. 235-245)

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O primeiro Código de Ética Profissional para os advogados, aspiração já antiga da categoria, foi aprovado na sessão do Conselho Federal de 25 de julho de 1934, dando cumprimento ao preceituado no art. 84, inciso III, do Regulamento da OAB, encerrando a discussão iniciada em 30 de maio de 1933. [http://www.oab.org.br acesso em 14 de outubro de 2003]

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2.2.2. A participação da OAB nas diretrizes do ensino jurídico Desde sua criação na década de 1930, o Instituto preocupou-se com o conteúdo curricular dos cursos de direito, procurando intervir, principalmente, nas políticas que envolveram a formação e estruturação desses currículos. A participação imediata da OAB nas diretrizes do ensino jurídico no país sempre esteve mais voltada às políticas curriculares que propriamente às políticas públicas de criação dos mesmos. A primeira proposta de reforma do ensino jurídico veio no bojo da I Conferência Nacional da OAB, realizada nos dias 4 a 8 de agosto de 1958 no Rio de Janeiro, tendo como tema central a “reestruturação do curso jurídico em função da realidade social contemporânea do país” (OAB, anais, 1958, p. 622-639). Essa proposta estava relacionada intrinsicamente com a grade curricular dos cursos, propondo a supressão de algumas disciplinas e a implementação de outras. Todavia, nessa mesma Conferência, também foi discutido “o problema da multiplicação das faculdades de direito”, relatado por Ruy de Azevedo Sodré com notícia de representações feitas pela OAB-SP desde 1951, quanto à qualidade dos cursos. Em razão disto, o Conselho Nacional de Educação decidiu indeferir o pedido de criação da faculdade de direito de Ribeirão Preto, “acatando” a manifestação do Conselho Federal da OAB contrária à abertura. (Id.ibidem, p. 610-611) Extrai-se desses documentos que, à época, a OAB já demonstrava sinais de força perante o governo, uma vez que conseguia obter “sucesso” nas suas manifestações contrárias à proliferação dos cursos, até mesmo como forma de exercer um certo controle sobre os mesmos. Esse controle, como será analisado no decorrer desta dissertação, estava

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de certo modo ligado à própria estrutura docente dos cursos, que, na maioria, era formada pelos profissionais que compunham a direção da entidade. Em 1954, o Conselho Federal da OAB já expunha seus anseios em controlar, mais efetivamente, esses cursos, o que viria, mais tarde, a se configurar no denominado “Exame de Ordem.” Em verdade, este Conselho começava a desempenhar papel de controle e avaliação do ensino jurídico no país. O Conselheiro da OAB-SP, Paulo Barbosa de Campos Filho, que depois chegou ao Tribunal de Justiça do Estado pelo quinto constitucional, defendia que esse exame, para obter-se a inscrição profissional, deveria ser realizado perante uma banca constituída de advogados, juízes e promotores. Idéia que teve apoio de Ruy Azevedo Sodré, como proclamou na I Conferência Nacional da OAB de agosto de 1958. (Id.ibidem, p. 611) Depreende-se dos registros dos anais da OAB que a proliferação dos cursos jurídicos e sua instalação crescente no período noturno aliados ao conteúdo curricular eram apontados como causas principais da ausência de qualidade do ensino que se almejava nas faculdades de direito pela Instituição. Mais da metade dos cursos criados eram oferecidos no turno noturno, até mesmo pelas instituições públicas35; no currículo, faltavam disciplinas básicas de formação da pessoa, como filosofia do direito, sociologia política e economia. O conteúdo era voltado apenas para prática forense (disciplinas específicas como direito civil, direito penal, direito constitucional entre outras) (OAB, anais 1958, p. 612-613) Dessa forma, já havia manifestação prévia da OAB nos processos de autorização de abertura de novas faculdades de direito antes mesmo de se tornar previsão

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No final da década de 1950, muitas universidades públicas foram criadas e algumas faculdades isoladas e integradas foram transformadas em universidades e federalizadas. Ver capítulo II.

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legal que só ocorrerá na década de 1990 com a lei nº 8.906/94 (Estatuto dos Advogados) e posteriormente com a lei nº 9.394/96 (LDB atual) e o decreto 2.306/97. O discurso de viabilidade de criação dessas faculdades passava pelo crivo do Conselho Federal da OAB, o qual, sob o argumento da ausência de qualidade dos cursos, articulava contrariamente à abertura de determinados cursos que não se coadunavam com os critérios por ele estabelecidos. Apenas na IV Conferência Nacional, realizada em outubro de 1970 em São Paulo, é que a OAB voltou a discutir a questão do ensino jurídico no Brasil, tendo como tema “ensino jurídico e o desenvolvimento nacional.” Na VI Conferência, em outubro de 1976, na cidade de Salvador-BA, a OAB discutiu o tema “advocacia – ensino jurídico e a prática profissional”, relatado por Ruy de Azevedo Sodré. Na VII Conferência, em outubro de 1978, os representantes de Curitiba-PR colocaram em pauta “o ensino jurídico, instrumento de realização do Estado de Direito”, tendo como relator Alberto Venâncio Filho36. Já na VIII Conferência, ocorrida em maio de 1980 em Manaus-AM, foi tema “a liberdade e o ensino jurídico, relatado por José Lamartine Corrêa de Oliveira. Em 1981, o Conselho Federal realizou o Encontro Nacional de Presidentes da OAB e, concomitantemente, o II Congresso Nacional de Ensino Jurídico em Fortaleza-Ce, tendo como tema o ensino jurídico. (VENANCIO FILHO, 1982, p. 70-80) Denota-se dos temários discutidos nos eventos que a preocupação da entidade com relação ao ensino jurídico estava em consonância com o contexto político da época. É justamente no início da década de 1980 que os movimentos pela redemocratização do país começavam a se efetivar no governo do General João Batista Figueiredo (1979-1985). Foi o último presidente do regime militar e deu seqüência ao processo de abertura à 36

Alberto Venâncio Filho foi conselheiro federal da OAB em 1979-1982, e esteve envolvido em permanente luta pela institucionalização e preservação do Conselho Federal da OAB em favor do aprimoramento do ordenamento jurídico brasileiro. (OAB, anais, 1980, p. 315)

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redemocratização do país, que foi “conquistada”, entre outras, com a publicação da Constituição Federal de 1988 (criação do Estado Democrático de Direito). Governou sob grave recessão econômica, acompanhada de numerosas greves dos trabalhadores assalariados e dos servidores públicos que sofriam com altas taxas de inflação aliado ao elevado índice de desemprego que marcou a época. Contudo, mesmo existindo essa pretensão de participar efetivamente do processo seletivo da abertura de novos cursos jurídicos, a OAB, por contingências culturais e conjunturais, manteve, até a superveniência do regime autoritário instalado formalmente em 196737 (Constituição de 1967), uma linha de ação muito mais voltada para conquistar o reconhecimento de sua estrutura institucional que propriamente assegurar, ou ao menos tentar, a qualidade dos cursos jurídicos no país.

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Na década de 1960, a Guerra Fria atingiu seu ápice, espalhando o temor pelo rápido avanço do “perigo vermelho”. A vigência do regime socialista em Cuba e na China, influenciou a eclosão de uma série de golpes de Estado, organizados pela extrema direita, em grande parte da América Latina. Para o Conselho Federal da OAB, a ação das Forças Armadas foi vista como uma medida emergencial para evitar o desmantelamento do Estado democrático. Dessa forma, a Ordem recebeu com satisfação a notícia do golpe, ratificando as declarações do presidente Povina Cavalcanti, que louvava a derrocada das forças subversivas, em evidente e expressa aprovação ao golpe militar. O Conselho Federal da OAB, preocupado com a desestruturação da ordem jurídica, burlada pela decretação dos Atos Institucionais nºs 1 e 2, apresentou sugestões à Constituição de 1967 e exigiu a manutenção do fundamento de legitimidade do conceito de segurança nacional, querendo demonstrar seu repúdio à nova ordem, como manifestação “maquiada”ao apoio anterior. Em verdade, os dois partidos ideológicos contrários existentes dentro da própria entidade representavam anseios diversos com relação ao regime posto, uma vez que alguns deles ocupavam altos cargos nas Forças Armadas. Para lutar contra o regime, o Conselheiro Letácio Jansen expressou sua convicção quanto à inutilidade das sugestões em face da rigidez do regime vigente, que aprovou Lei de Segurança Nacional de forte apelo autoritário (decreto-lei n.º 314, de 13 de março de 1967). O governo, entretanto, chegou a solicitar auxílio da Ordem por meio de expediente do ministro da justiça, convidando o presidente da OAB para integrar a comissão destinada a regulamentar a lei complementar referente à Justiça Federal em meados de 1967. As manifestações do Conselho Federal contra o regime militar intensificaram-se no ano de 1968. O grave abalo às liberdades fundamentais, processado pela edição do AI-5, que entre outras arbitrariedades, suspendeu a eficácia do habeas corpus, mobilizou fortes protestos por parte do Conselho Federal da OAB. A Instituição prestou solidariedade ao embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, seqüestrado pelos grupos armados de oposição ao regime (ALN e MR-8), em 15 de agosto de 1969, quatro dias após a Junta Militar assumir o poder, evidenciando forte aliado à retomada do poder pelo governo anterior com apoio das forças estrangeiras no país. A partir da decretação do AI-5, a OAB, que já vinha se manifestando contra o endurecimento do regime ditatorial, erigiu-se como porta-voz do restabelecimento da “ordem jurídica”. Este era o discurso. Embora nem sempre atendida, diversas foram as vezes em que a Instituição interveio, exigindo apuração de responsabilidade e denunciando os atentados à dignidade da pessoa humana, tanto em relação a prisões políticas, de advogados ou não, quanto a atos arbitrários promovidos pela censura ou outros mecanismos de coerção instituídos. [http://www.oab.org.br acesso em 10 de outubro de 2003]

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Na década de 1980, a OAB, procurando legitimar sua atuação no âmbito do ensino jurídico, logrou, junto ao MEC, a proibição de instalação de novos cursos jurídicos por um período de quase cinco anos, entre maio de 1983 até 31 de dezembro de 1988 (SOUZA JUNIOR, 1996, p. 91), mostrando, assim, que detinha poder político sobre as políticas públicas educacionais do ensino jurídico no país. Já no início da década de 1990, a OAB começou a traçar novos rumos para o ensino jurídico no Brasil, deixando de avaliar apenas o conteúdo curricular e passando a opinar sobre a criação e reconhecimento dos cursos de direito no país. Essas mudanças foram introduzidas pelo novo Estatuto da OAB aprovado em 1994 (lei nº 8.906, de 04 de julho38), seguido da lei 9.394, de 20 de dezembro de 199639 (LDB) e do decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 199740 (regulamento da LDB). Porém, a OAB não poderia deliberar sobre a criação dos cursos jurídicos sem que o governo federal normatizasse e autorizasse tal disposição. Assim, o governo, por meio do decreto nº 1.303, de 08 de novembro de 1994, dispôs que caberia ao Conselho Federal da OAB manifestar-se previamente nos pedidos de autorização e reconhecimento dos cursos jurídicos. Percebe-se que a normatização da OAB antecedeu a autorização do governo federal, tendo este apenas decretado “autorização conformativa”, o que juridicamente é inconstitucional por infração à hierarquia normativa41. Em 30 de dezembro de 1994, o MEC ratificou tal disposição por meio da Portaria nº 1.886, pois, afinal, faltava postura do órgão governamental afim à matéria.

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Art. 54. Compete ao Conselho Federal (...) XV. colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgão competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos. 39 Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituição de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação. 40 Art. 17. A criação e o reconhecimento de cursos jurídicos em instituições de ensino superior, inclusive universidades, dependerá de prévia manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. 41 Art. 59, da Constituição Federal de 1988.

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Assim, a OAB começava a opinar, legalmente, na criação (autorização) e reconhecimento dos cursos de direito no país e, conseqüentemente, a ter status de “entidade essencial” à existência desses cursos, pois que passou a conferir “selo de qualidade”42 àqueles cursos por ela autorizados e recomendados.

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A questão da qualidade do ensino jurídico no Brasil e, especificamente no estado de Mato Grosso do Sul, não integrou o objeto desta pesquisa. Contudo, é importante destacar alguns conceitos que são utilizados para referida nomenclatura. Marília Costa Morosini assenta que o termo “qualidade” pode ser visto sob quatro concepções diferenciadas: a) qualidade como sinônimo de avaliação institucional: “é proposto um modelo para analisar a qualidade na educação superior, a partir de três perspectivas: qualidade intrínseca; qualidade extrínseca; e qualidade politicamente correta, em referência a três grupos importantes: - a comunidade acadêmica, o mercado e o Estado.” Avaliação, também, da aprendizagem do aluno e do ensino; b) qualidade como sinônimo de empregabilidade, ou seja, a qualidade do ensino superior estaria voltada para a preparação para o mercado de trabalho; c) qualidade como respeito às especificidades, no sentido de estandardização da educação, buscando integração entre países “muito mais pelas diferenças do que pelas similaridades.” d) qualidade como eqüidade: “é ressaltado que a qualidade está para além da simples padronização de indicadores, abarcando estudos qualitativos e quantitativos.” Essa concepção aponta para a redefinição do papel da sociedade política e “a revalorização da ideologia do mercado com a proposição do neoliberalismo mitigado.” (2001, p. 89-102)

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CAPÍTULO III CURSOS DE DIREITO EM MATO GROSSO DO SUL No capítulo anterior, denotou-se que o surgimento dos cursos de direito no Brasil remonta a 1827 como um dos primeiros cursos considerados de nível superior criados no país. Os primeiros foram criados em São Paulo e Olinda pelo setor público. Até 1930 (período da República Velha), o setor público criou 6 cursos de direito, e o setor privado 4. Foi neste período, também, que se deu a criação da entidade da categoria (OAB) que lutou por seus ideais, bem como influenciou nas políticas públicas para o ensino jurídico no país, representando partido ideológico da categoria. Neste capítulo, trazem-se algumas considerações sobre a educação superior no estado de Mato Grosso do Sul, focalizando a expansão e a interiorização dos cursos de direito, por meio da análise dos projetos políticos pedagógicos e dos processos de criação e/ou reconhecimento desses cursos, bem como o perfil destes traçado pelas instituições de ensino superior que oferecem referido curso.

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3.1. Educação Superior em Mato Grosso uno e surgimento do estado de Mato Grosso do Sul: breves considerações Embora não seja objeto desta pesquisa, é importante destacar alguns traços da educação superior em Mato Grosso uno, uma vez que o primeiro curso de direito da região foi instalado em Cuiabá, antes da divisão do estado. Alguns eventos no setor da educação superior ocorridos no antigo estado de Mato Grosso refletiram no desencadeamento deste nível de ensino em Mato Grosso do Sul e, por isto, devem ser trazidos à baila. A Faculdade de Direito de Cuiabá, alicerce para a criação da Universidade Federal de Mato Grosso, foi o primeiro estabelecimento de Ensino Superior do estado de Mato Grosso uno. Fundada, inicialmente, no governo Mário Corrêa da Costa e liderada por Palmiro Pimenta aliado a um grupo de bacharéis em direito, obteve reconhecimento por meio do decreto nº 394 de 28/11/1934. Palmiro Pimenta foi designado para ser o primeiro diretor da faculdade. Em 4 de dezembro de 1936, a Faculdade é encampada, por meio do decreto-lei nº 87, denominando-se Faculdade de Direito de Mato Grosso, pela lei nº 26, de 18 de setembro de 1936. (UFMT, 1972, p. 15) Entretanto, a faculdade cessou suas atividades em 1937 em face do que previa a Constituição do Estado Novo outorgada naquele ano (vedava a acumulação de cargos ou funções públicas, acarretando ausência de corpo docente, que, em sua quase totalidade, era composto por membros do Ministério Público e do Poder Judiciário), culminando com a extinção da Faculdade de Direito de Cuiabá-MT. (Id.Ibidem, p. 15) No governo de Fernando Corrêa da Costa, esta Faculdade é novamente criada pela lei federal nº 486 de setembro de 1952 e regulamentada por meio da lei federal nº 604/53 e decreto nº 1.685/53, com sede no prédio do Colégio Estadual de Mato Grosso, construído e inaugurado por Júlio Müller em 1942. Nesta nova fase, teve como diretor o Desembargador Hélio de Vasconcelos. Funcionou entre 1954 e 1955, sendo novamente 75

fechada, desta vez, pelo decreto nº 38.230/55, após inspeção do MEC sob a alegação de que a faculdade não atendia às normas estabelecidas à época. (UFMT, 1972, p. 16) Em 05 de setembro de 1956, no governo de João Pence de Arruda, a faculdade é reaberta pelo decreto federal nº 40.387, de 20 de novembro de 1956, sob autorização do Presidente Juscelino Kubitschek. Assim, a Faculdade de Direito de Cuiabá recomeçou definitivamente suas atividades a partir de 1957, sendo reconhecida pelo decreto federal nº 47.339, de 3 de dezembro de 1959 e dirigida pelo Professor Alcedino Pedroso da Silva. Foi federalizada no dia 30 de janeiro de 1961 nos termos da lei nº 3.877, passando a se denominar Faculdade Federal de Direito de Mato Grosso. Em 10 de dezembro de 1970, por intermédio da lei nº 5.647/70, foi criada a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)43. (Id.Ibidem, p. 17-19) Integraram inicialmente a UFMT, a Faculdade Federal de Direito de Cuiabá, já reconhecida e federalizada; a Faculdade de Ciências e Letras de Mato Grosso; a Faculdade de Ciências Econômicas e o Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá. O curso de direito, como nas demais regiões do Brasil, foi muito requisitado pelas elites políticas do estado, e como não havia este curso na região, os movimentos44 foram em prol da criação de um curso de direito (liderados, principalmente, por Palmiro Pimenta aliado a bacharéis em direito), uma vez que, para freqüentá-lo, precisavam

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No sul do estado, na década de 1930, Agostinho dos Santos liderou, no governo de Aníbal Benício de Toledo, um movimento de criação de um curso superior denominado de Faculdade Matogrossense de Farmácia e Odontologia. Porém, mais tarde, essa faculdade foi extinta pelo recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública.O governo do estado, em 1970, criou dois campi nas duas principais cidades do estado – Cuiabá e Campo Grande. No campus do sul, concentrou cursos atendendo primordialmente a área da saúde (medicina, odontologia e medicina veterinária) e secundariamente cursos nas áreas de ciências sociais e humanas. O campus do norte ofertava cursos com ênfase na área de tecnologia, ciências exatas e ciências sociais. (UFMT, 1977, p. 7-11) 44 O conceito de movimentos sociais, nesta dissertação, é fundamentado em GOHN, segundo a qual “são ações coletivas sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil.” (GOHN, 1997, p. 251)

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deslocar longas distâncias já que o mesmo apenas existia nos grandes centros45, como se extrai desta passagem do Professor Jecelino Reiners: “a procura de cursos superiores por estudantes matogrossenses tem provocado um êxodo do elemento humano regional em direção aos centros universitários maiores da nação, sendo que apenas uma parcela ínfima retorna ao estado, pois a maioria é absorvida pelo mercado de trabalho do Rio de Janeiro e São Paulo principalmente.” (REINERS, 1967, p. 2)

A luta pela criação da UFMT não foi apenas um reflexo da sociedade política da época, mas “um movimento citadino, porque além de ter ocorrido no cenário da cidade, aglutinou diversos segmentos sociais, desde estudantes, professores, entidades de classe, políticos, comerciantes e até donas-de-casa(...).” (TAVARES, 2001, p. 59) Os alunos do curso de direito de Cuiabá tiveram participação ativa no movimento em prol da fixação da UFMT em Cuiabá, pois que lá já estavam fixados, aglutinando, mais tarde, outras parcelas da sociedade civil: “(...) os alunos da Faculdade de Direito naquele ano se determinaram a partir para uma guerra realmente de conquista da Universidade. Isso foi no ano de 1967. E, coincidência ou não, formou-se uma comissão, um grupo pró universidade, do qual participavam muitos alunos, muitos colegas da nossa turma que eram do terceiro ano da faculdade.” (DUARTE apud TAVARES, 2001, p. 65) “Nós só tínhamos um diretório acadêmico, que era o diretório acadêmico da Faculdade de Direito. Ele fazia as vezes de DCE e eu era o presidente do diretório acadêmico(...) Depois foram surgindo os diretórios acadêmicos dos cursos de ICLC e isso engrossou bastante o nosso movimento reivindicatório.” (BARROS apud TAVARES, 2001, p. 70) “Foi um movimento muito bonito no qual floresceu mais uma vez a alma cívica do povo cuiabano: estudantes, empresários, Associações de Classe, Imprensa, Igrejas, Rotary, Lions, Maçonaria e até membros do Poder Judiciário.” (GARCIA NETO apud TAVARES, 2001, p. 70)

Difícil, assim, identificar pessoas que lideraram o movimento, pois foram vários os segmentos sociais que dele participaram ativamente. Porém, sem dúvida, pode-se 45

Os cursos de direito mais próximos eram oferecidos pela Universidade Federal de Goiás, em Goiânia (criado em 1898); pela Universidade Católica de Goiás, em Goiânia (criado em 1959) e pela Universidade de Brasília (criado em 1962). [http://www.inep.gov.br, acesso em 05 de janeiro de 2004]

77

afirmar que os acadêmicos, principalmente, do curso de direito da Faculdade de Direito de Cuiabá, iniciaram o movimento lutando pela instalação da sede física da UFMT em Cuiabá, pois apercebidos da intenção do governo Pedro Pedrossian em instalá-la em Campo Grande. A educação superior pública no antigo estado de Mato Grosso deu seus primeiros passos na década de 1950 na cidade de Cuiabá, iniciando suas atividades educativas com o curso de direito. No setor privado, apenas em 1961, pelos padres salesianos, foi criada a primeira instituição de ensino superior, com a instalação dos cursos de pedagogia e letras da Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências e Letras – FADAFI, na região sul do estado de Mato Grosso uno (na cidade de Campo Grande) (BITTAR, Mariluce, 2003, p. 23). A Missão Salesiana (mantenedora da FADAFI) criou novas Faculdades: a Faculdade de Direito - FADIR, em 1965; a Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis de Administração - FACECA, em 1970; e a Faculdade de Serviço Social - FASSO, em 1972. Nos anos seguintes, os cursos de história, geografia, ciências (biologia e matemática), filosofia, psicologia, e graduação de professores, foram gradativamente integrados à FADAFI, que já oferecia os cursos de pedagogia e letras. (http://www.ucdb.br, acesso em 05 de janeiro de 2004) Com vistas à criação de uma futura Universidade, a Missão Salesiana solicitou, junto ao Ministério da Educação e Cultura - MEC, a integração das Faculdades, com um Regimento unificado, surgindo assim as Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso FUCMT. A fonte legal que deu origem às Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso foi o Parecer nº 1.907/76, aprovado pelo Conselho Federal de Educação, no dia 06 de junho de 1965, sendo seu Diretor Geral, oficialmente, Pe. José Scampini. (http://www.ucdb.br, acesso em 05 de janeiro de 2004)

78

Assim, a educação superior teve seu início no antigo estado de Mato Grosso, que foi dividido em 11 de outubro de 1977 em dois estados (Lei Complementar nº 31): Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. “A questão objetiva da superioridade econômica do sul sobre o centro-norte gerou, ao longo do tempo, uma situação de intolerância e impasse que só a divisão resolveria.”46 (BITTAR, Marisa,1997, p. 232-233). A educação mostrava-se como forte ‘aliado político’ às intenções separatistas do antigo estado de Mato Grosso. O então governador do estado (Pedro Pedrossian), em 1965, investiu 40% da arrecadação do estado em educação. (Id.ibidem, p. 220) Esse investimento pode ser verificado pelos seguintes números visualizados nos quadros a seguir: QUADRO IV Número de unidades escolares no ensino primário em 1966 em Mato Grosso uno Escolas do ensino primário Número Grupos escolares

77

Escolas reunidas

60

Escolas rurais mistas

1.165

TOTAl da rede estadual

1.302

Rede privada

111

TOTAL

1.421

Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados obtidos em REINERS, 1967, p. 14.

A população em idade escolar do estado de Mato Grosso em 1966 estava em torno de 250.000 pessoas. No entanto, o número de matrículas no ensino primário era de aproximadamente 150.000 alunos (REINERS, 1967, p. 14-15), representando, portanto, um deficit escolar de 100.000 crianças, principalmente na zona rural.

46

Apesar da superioridade econômica do sul sobre o norte (Cuiabá), as decisões políticas eram concentradas nesta região, o que fez com que os sulistas lutassem ainda mais pelo movimento divisionista, haja vista que sem o poder político nas mãos não podiam tomar muitas decisões. Os movimentos em prol da divisão do estado datam de 1932, quando a Revolução Constitucionalista vem à tona, liderada pelo prefeito de Campo Grande Vespasiano Barbosa Martins que alia-se a São Paulo, tornando-se capital do estado de Maracaju em 11 de julho de 1932. Cuiabá continuou legalista recebendo influências de Goiás, Rio de Janeiro, Paraná e parte de Minas Gerais. (PLANURB,1997, p. 3-5)

79

QUADRO V Número de unidades escolares no ensino médio em 1966 em Mato Grosso uno Ensino médio 1º ciclo 2º ciclo Matrícula geral Estadual

31

27

10.872

Federal

3

-

500

Municipal

2

2

755

Rede Privada

46

22

11.681

TOTAL

82

51

23.808

Fonte: REINERS, 1967, p. 15.

QUADRO VI Número de matrículas no ensino superior em 1966 em Mato Grosso uno Municipal Federal Estadual Privada

TOTAL

Cuiabá

211

144

-

355

Campo Grande

-

111

177

288

TOTAL

211

255

177

643

Fonte: REINERS, 1967, p. 16.

No ensino médio, o número de alunos matriculados em 1967 chegou a 25.000, sendo 85% deste montante no ensino secundário. No ensino superior, o número de matrículas era 643, contando com 4 instituições de ensino superior e 7 cursos superiores. No governo de Pedro Pedrossian, em julho de 1966, são criados o Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá e o Instituto de Ciências Biológicas de Campo Grande. O primeiro oferecia os cursos de educação, economia e engenharia civil; o segundo, os cursos de farmácia, odontologia e medicina. Essas instituições absorveram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e a Faculdade de Ciências Econômicas criadas em 1952 e 1965. (REINERS, 1967, p. 16) Neste ano, o curso de direito era oferecido pela Faculdade de Direito de Cuiabá e pela FUCMT em Campo Grande. Denota-se que o acesso ao ensino superior era precário e pouco significativo, levando-se em consideração que havia apenas 643 alunos matriculados neste nível de ensino e no ensino médio o total de matrículas, somando-se as redes pública e privada, era 80

de 23.808. Isto se deve ao fato de que a maioria da população estudantil estava localizada na zona rural47, o que dificultava a freqüência aos centros urbanos para estudar, além de possuir instituições apenas em Cuiabá e em Campo Grande. Esse número total de matrículas no ensino médio corresponde aos 1º e 2º ciclos, representando um maior número no 1º ciclo – 82 unidades escolares. Assim, esse número de 23.808 matriculados não corresponde ao total de demanda pelo ensino superior. O pouco investimento em educação no estado não atraía recursos para a educação superior, tanto pela iniciativa privada quanto pelo setor público nesta década. Apenas na década de 1970 que este nível de ensino começa a apresentar sinais de crescimento, com o desenvolvimento econômico do estado. As lutas pela divisão do estado trouxeram, neste aspecto, mudanças positivas e significativas, pois que tanto o norte como o sul fizeram investimentos no setor educacional para gerar seu crescimento econômico. A região que obtivesse sucesso no intento sairia vitoriosa no movimento divisionista do estado. Em 1960, a população do estado era de 889.539 habitantes. Desse total apenas 2.131 possuíam diploma de curso superior. Em 1970, quando da criação da UFMT, a população cresceu para 1.573.801 habitantes, dos quais 3.826 haviam concluído o ensino superior. (IBGE, 1960 e 1970) Embora o número de habitantes com nível superior tenha aumentado consideravelmente entre 1960 e 1970, esse número é proporcional ao incremento da população, uma vez que a relação entre o número total de graduados e o número total de habitantes permaneceu a mesma: 0,24%. Estes números refletem o antigo anseio da população matogrossense pela democratização de acesso ao ensino superior. É

47

Segundo o censo de 1970, a população total no estado de Mato Grosso uno era de 1.573.801, sendo que a rural correspondia a 897.959 e a urbana a 675.842 habitantes. (IBGE, 1970, p. 2)

81

importante notar que do total de matrículas em 1965, 47% correspondiam ao curso de direito e 26% aos cursos de filosofia, ciências e letras. (REINERS, 1967, p. 16) Até 1961 só havia faculdade em Cuiabá, capital de Mato Grosso uno, surgindo no mesmo ano a FADAFI no sul do estado (Campo Grande). Iniciava-se a luta pela instituição do ensino superior público entre o norte e o sul do estado, haja vista que até então havia, no setor público, apenas o curso de direito na faculdade de Cuiabá federalizada (somente em 1970 criou-se a UFMT). As conversações sobre a instituição de uma universidade em Mato Grosso começaram em 1964, anunciadas pelo MEC. Campo Grande, como líder da educação no estado, lutava pela colocação da sede no sul; Cuiabá, capital do estado, por outro lado, advogava a tese de ‘capital do estado’48, como sendo o local mais apropriado a sediar uma universidade pública federal; o governo federal deveria ser representado no estado pela sua capital. (BITTAR, Mariluce, 2003, p. 13). Inobstante os esforços da parte sul do estado, que em 1966 criou, por iniciativa dos padres salesianos, o curso de direito em Campo Grande, sendo “condecorada como capital do ensino de Mato Grosso”, prevalece a tese de ‘capital do estado’ e a universidade federal é instalada em Cuiabá em 1969. Insatisfeito, o governador do estado cria, em 1970, a universidade estadual com sede em Campo Grande. (id.ibidem, p. 13) Em verdade, a universidade estadual foi resultado de um processo de criação de vários institutos, tanto em Campo Grande quanto em Corumbá e Três Lagoas. Foi, aproximadamente, em 1955 que debates de cunho científico-cultural entre os profissionais liberais da sociedade civil desta região iniciaram-se com o fim de criar as Faculdades de

48

Exemplo deste discurso pode ser encontrado nas palavras do diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mato Grosso, Professor Jecelino José Reiners: “(...) a ligação de Rondônia e Acre a Mato Grosso pela rodovia BR-364 é um fator de crescimento tanto econômico, populacional, como também da solicitação de mão-de-obra especializada. Agiganta-se a função da capital matogrossense como centro de irradiação para todo o sul e sudeste da Amazônia legal (...) avultando o papel da Universidade, pois a Amazônia não se conquistará com a exploração predatória dos seus recursos naturais mas com a técnica e com técnicos.” (REINERS, 1967, p. 1)

82

Odontologia e Farmácia. Em 1962, a Associação Campograndense dos Cirurgiões Dentistas e dos Farmacêuticos entregou ao governador o projeto de criação destas instituições. Por meio da Lei nº 1.755, de 9 de novembro de 1962, a Assembléia Legislativa do estado aprovou a criação de ambas as Faculdades com sede em campo Grande. (UFMS, 1984, p. 9) Em 26 de julho de 1966, o governador, por intermédio da lei nº 2.629, absorveu os cursos de odontologia e farmácia com a criação do Instituto de Ciências Biológicas de Campo Grande, instalando, também, o curso de medicina. Na cidade de Corumbá, em 13 de novembro de 1967, o governo criou o Instituto Superior de Pedagogia. Finalmente, em 31 de janeiro de 1970, pelo decreto nº 1.072, autorizado pela lei nº 2.947 de 16 de setembro de 1969, a universidade estadual com sede em Campo Grande foi criada como entidade de natureza autárquica, em regime especial, vinculada à Secretaria de Educação e Cultura. Mais tarde, em 05 de julho de 1979, essa universidade foi federalizada49. (Id.Ibidem.: 9-10) Assim, quando da divisão em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o estado contava com quatro instituições de ensino superior: a Universidade Federal de Mato Grosso sediada em Cuiabá (iniciada com o curso de direito em 1957 definitivamente), a Universidade Estadual de Mato Grosso com sede em Campo Grande (criada em 1970), a FUCMT (criada em 1961) e o Cesup (criado em 1976). Nesta época, apenas a Universidade Federal de Mato Grosso e a FUCMT ofereciam o curso de direito. O Cesup estava, em 1977, em processo de implantação do mesmo a ser oferecido em 1978. Depreende-se que o surgimento da educação superior no estado de Mato Grosso uno coincidiu com a criação do primeiro curso de direito na região, demonstrando que a implantação do curso nesta, juntamente com as intervenções políticas da sociedade, 49

A análise sobre a UFMS encontra-se no próximo capítulo.

83

principalmente da elite, não se diferenciou muito da efetivada no restante do país. A instalação da faculdade de direito de Cuiabá foi conturbada, aliada, principalmente, às disputas pela localização de sua sede. “Constitucionalmente, a sede deveria ser na capital do estado, Cuiabá. Mas havia o fator político e, pelo fator político, muita gente reivindicava Campo Grande. Isso complicou muito a chegada da Universidade.” (NEVES apud TAVARES, 2001, p. 67) Um dos principais fatores que levaram à instalação da UFMT em Cuiabá foi o pouco investimento do governo em educação na região sul de Mato Grosso na década de 1950; na região norte, a educação encontrava-se mais difundida como mostram os gráficos abaixo. Gráfico nº 3 - Número de unidades escolares na região sul do estado de Mato Grosso uno Sul - 1950

Dourados

19

Corumbá

27

Campo Grande

23000 37000 57000

30 0

10000 20000 30000 40000 50000 60000 Unidades Escolares

Habitantes

Fonte: gráfico elaborado pela autora com base nos dados extraídos de BITTAR, Marisa, 1997, p. 220.

84

Gráfico nº 4 - Número de unidades escolares na região norte do estado de Mato Grosso uno Norte - 1950

Livramento

47

Rosário Oeste

58

Cuiabá

64 0

11000 17000 56000

10000 20000 30000 40000 50000 60000 Unidades Escolares

Habitantes

Fonte: gráfico elaborado pela autora com base nos dados extraídos de BITTAR, Marisa, 1997, p. 220.

Apesar da superioridade populacional do sul sobre o norte, a representação política era pequena. O sul começou a se fortalecer no final da década de 1950, quando a representação política cresceu. Em 1959, a região tem uma mudança significativa: de 30 deputados na Assembléia, 21 são do sul; de 7 deputados federais, 5 são do sul, demonstrando a existência de força política desta parcela do estado. “Essa superioridade na representação política veio a constituir-se em mais um forte argumento separatista(...)” (BITTAR, Marisa, 1997, p. 220-221) Os movimentos em prol da divisão do estado intensificaram-se com a superioridade política do sul sobre o norte, porque, a partir de então, o sul, além de possuir maior população e economia mais forte, também detinha maioria política tanto na Assembléia Legislativa como na Câmara de Deputados Federal. Contudo, essas circunstâncias não foram suficientes para que a divisão do estado se consolidasse nesta época. A divisão concretizou-se apenas em 1977 (Lei Complementar nº 31, de 11 de outubro), quando o General Ernesto Geisel, na Presidência da República, engajou-se na luta pela efetivação da separação, fundamentado nos propósitos de interiorização e integração nacionais aliados aos anseios separatistas existentes na parte meridional do 85

estado de Mato Grosso e à superioridade econômica do sul sobre o norte50, já que o desenvolvimento neste setor era preponderante para o crescimento econômico do país. O interesse econômico sobrepujava a qualquer outro. Não houve, ao contrário dos primeiros discursos pronunciados a respeito, participação popular nesta decisão; sequer falava-se em separatismo na década de 1970, salvo algumas matérias veiculadas pelo Jornal Correio do Estado. (BITTAR, Marisa, 1997, p. 226-228) Após a divisão, passou a existir, então dois estados: Mato Grosso (capital Cuiabá), ao norte, e Mato Grosso do Sul (capital Campo Grande), ao sul, que contava com, aproximadamente, um milhão de habitantes – 453.000 na zona urbana e 547.000 na zona rural -, numa superfície de 350.549 km2 e 55 municípios. A capital, Campo Grande, possuía 290.000 habitantes – cidade mais populosa do novo estado. (IBGE, 1997, p. 38) Mato Grosso do Sul faz parte da região Centro-Oeste do Brasil, junto com Goiás, Mato Grosso e Distrito Federal, e divide a fronteira ao sul com dois países: Bolívia e Paraguai; faz divisa com cinco estados brasileiros: Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Goiás e Mato Grosso. A localização contribuiu muito para o seu desenvolvimento econômico, em face da proximidade dos grandes centros consumidores do país. A extensão territorial corresponde a 18% da região Centro-Oeste e 4,19% do Brasil, com 358.158,7 km²; 25% por cento deste total são de área do Pantanal sulmatogrossense, com 89.318 km². O estado é dividido em duas grandes bacias hidrográficas: a do Rio Paraná, constituída basicamente de chapadões, planaltos e vales, e a do Rio Paraguai, constituída de patamares, depressões e depressões interpatamares, formando o Pantanal nas regiões chaquenha e pantaneira. (IBGE, 2000)

50

“As diferenças econômicas são atribuídas ao passado e à dicotomia dos estilos de vida dos dois povos, isto é, cata de ouro, extração da borracha e garimpagem no norte, lida do criatório, exploração da erva-mate e da agricultura no sul.” (BITTAR, Marisa, 1997, p. 229)

86

Por sua localização geográfica privilegiada, a região desenvolveu-se rapidamente, recebendo imigrantes portugueses, espanhóis e paraguaios, assim como mineiros, paulistas e nordestinos. (http://www.ms.gov.br, acesso em 10 de janeiro de 2004) Em 1996, indicadores do IPEA-ONU mostraram que Mato Grosso do Sul teve Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,848, superior ao indicador médio do Brasil de 0,830 e abaixo apenas do Distrito Federal, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina. Segundo dados do IBGE (1998), 89,78% da população do estado possuem acesso à água tratada; 95,46% à iluminação elétrica; 68,8% têm imóvel próprio e 85,92% são considerados alfabetizados. Apresentou na década de 1990 taxa média de crescimento econômico em torno de 4,5% ao ano, enquanto a média nacional foi de 2,6% ao ano. Apesar do quadro positivo, o estado ainda sofre com a má distribuição de renda, já que 31,71% dos trabalhadores recebem até dois salários mínimos (algo em torno de US$100,00), e 23,36% recebe de dois a 10 salários mínimos. O mesmo levantamento apontou que, em 1998, 39,19% da população não tinha rendimentos e atuava na economia informal, e apenas 4,16% tinha mais de 10 salários mínimos. (Id.Ibidem, 2000) Seis principais municípios do estado concentram 50% da população (IBGE, 2000): Campo Grande51, com 665.206 habitantes; Dourados, 168.349; Corumbá, 90.435; Três Lagoas, 79.521; Ponta Porá, 64.966; e Aquidauana, 41.007. O estado contém 77 municípios. Segundo o IBGE, os municípios estão distribuídos em 11 microrregiões geográficas e 4 mesorregiões geográficas; sua economia é baseada na agropecuária.

Campo Grande (capital) conta com 8.118,4 km2; localiza-se geograficamente na porção central de Mato Grosso do Sul e ocupa 2,27% da área total do estado. A capital detém 31,13% da população total do estado, com 663.621 habitantes (maior população do estado). As principais atividades econômicas são a prestação de serviços e o comércio, tendo a maior arrecadação de ICMS do estado. Também é o maior produtor de ovos de codorna e detém o maior efetivo de coelhos do estado. (IBGE, 2000)

51

87

O panorama da educação superior em Mato Grosso do Sul, no período entre 1979 (criação do estado juridicamente) e 1990, mostra que esse nível de ensino cresceu, principalmente, por meio de instituições isoladas de iniciativa privada, inclusive no que pertine aos cursos de direito, em que os dois cursos oferecidos até então o eram por instituições privadas (FUCMT em Campo Grande, e FID em Dourados). Os gráficos 5 e 6 revelam que, entre 1979 e 1988 em Mato Grosso do Sul, havia oito instituições de ensino superior, sendo apenas uma instituição pública (UFMS), e as demais privadas. Gráfico nº 5 - Número de alunos matriculados nas instituições de ensino superior em Mato Grosso do Sul – 1979-1988 2000 1800 UFMS FUCMAT CESUP

1600 1400 1200

FID FIFASUL

1000 800

FECLPP FEGEN FANA

600 400 200 0 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988

Fonte: DEMEC/MS, 1979-1988, p. 75.

88

Gráfico nº 6 - Número de concluintes em Mato Grosso do Sul – 1979-1988 2000 1800 UFMS FUCMAT CESUP FID FIFASUL FECLPP FEGEN FANA

1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988

Fonte: DEMEC/MS, 1979-1988, p. 79.

Neste segundo gráfico, os números revelam que a FUCMT e a UFMS eram as duas instituições que mais formaram alunos naquele período, justamente porque ofereciam um maior número de vagas. Embora a maioria das instituições que foram criadas tenham sido pela iniciativa privada, a UFMS tinha um grande número de alunos porque oferecia cursos em vários campi – Campo Grande, Aquidauana, Corumbá, Dourados e Três Lagoas. Além destes, tinha unidades de extensão em Paranaíba e em Ponta Porã. A FUCMT, por sua vez, apesar ter sede apenas em Campo Grande neste período, oferecia vários cursos: direito, pedagogia, letras, história, geografia, ciências, psicologia, filosofia, serviço social, ciências contábeis, ciências econômicas, administração e graduação de professores. Em 1979, a UFMS tinha 927 alunos matriculados e a FUCMT 1.067; em 1988 esse número saltou para 1.300 e 1.279, respectivamente. (DEMEC/MS, 1979-1988, p. 6-21) Assim, diferentemente da expansão da educação superior no restante do país neste período (denominada nesta dissertação por expansão articulada52 - período entre 1960 e 1990), no estado de Mato Grosso uno a expansão do setor inicia-se caracterizada

52

Ver capítulo II.

89

como aquela expansão ocorrida no cenário nacional no período entre 1930 e 1960 expansão atendida. Essa particularidade é explicada, principalmente, pelo fato de que a educação, como demonstrado no item anterior, até então não foi preocupação do governo estadual que mais se detia nas questões políticas e econômicas que sociais. Somente mais tarde, na década de 1960, que o governo percebeu que a educação poderia ser um fator que acarretaria vantagens políticas e econômicas favoráveis ao desenvolvimento das diferentes regiões do estado, favorecendo, assim, o movimento divisionista. Aliado a este fator, havia o desinteresse quase pleno do governo federal em investir no estado, já que a economia era baseada no setor primário preponderantemente. Somente com o incremento da participação política da região sul do estado na bancada federal – final da década de 1950 – é que as conversações entre o estado e o governo federal sobre investimentos na região começaram a se desencadear, efetivando-se mais fortemente na década de 1970 e culminando com a aprovação da divisão do estado em 1977. Investir em educação para alavancar o desenvolvimento do país não foi tradição do Brasil, como em outros países53, no entanto, a sociedade política foi se conscientizando de que também era preciso investir na qualidade do elemento humano, como fator decisivo para superar os diferenciais altamente competitivos no mundo globalizado que já iniciava-se na década de 1960, com o regime militar e investimentos estrangeiros no país. Dessa forma, o Brasil alinhou-se com os Estados Unidos angariando investimentos de grandes empresas estrangeiras. Passou, então, a investir em infraestrutura, ampliando seus gastos e redefinindo o valor do dinheiro, causando,

53

Estados Unidos, Coréia do Sul, Taiwan e Tailândia. É importante destacar também que 2/3 das crianças das Filipinas, Malásia, Vietnã, Tailândia e China estão na escola secundária. (ZINNER, Jornal Valor Econômico, 2004)

90

conseqüentemente, um cenário econômico e político instáveis e tensos, prejudicando, principalmente as políticas sociais. A ditadura militar no Brasil agravou esse cenário, tendo sido “um meio de impedir que a revolução nacional e democrática interferisse negativamente na eclosão do capitalismo monopolista.” (FERNANDES, 1986, p. 10) O regime ditatorial precisava de bases sociais para se manter, nem que demagogicamente, por isso, sustentou o clientelismo com vistas a uma política social assistencialista. No entanto, essa política não vingou pois não havia implementação efetiva de política social, ocasionando quadro grave de desigualdade, desemprego e miséria. As dívidas interna e externa cresceram muito e a crise foi-se alastrando até meados da década de 1970, quando os movimentos em prol da democratização do país foram se intensificando. É nesse quadro político-econômico que o estado de Mato Grosso do Sul também se inseria, pois diante dessa conjuntura nacional o estado recebia parcos recursos para investimentos no setor econômico, e muito pouco para os setores sociais, principalmente para a educação. Esse também foi um fator que impediu a expansão da educação superior no estado de Mato Grosso do Sul, já que os níveis primário e secundário começavam, neste período, a ter impulso público54. Contudo, esse quadro também se revelava no país: Quanto à oferta, o ensino público primário passou de 88,4% em 1955 para 90,34% em 1960; no setor privado passou de 23,65% para 6,37%. No ensino médio, a oferta pública também se ampliou passando de 32,86% em 1955 para 33,83% em 1960. (VIEIRA & FREITAS, 2003, p. 119) Esses dados refletem uma política de expansão da oferta do ensino público gratuito, ocasionada, principalmente, pela pressão social por mais 54

Ver dados nos quadros de nº IV, V, e VI no item anterior.

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vagas. “O fortalecimento das camadas médias nos centros urbanos, o início de um processo de industrialização e o crescimento de um setor de serviços apontam para um modelo onde se espera da educação um novo papel.” (VIEIRA & FREITAS, 2003, p. 119) Em Mato Grosso do Sul essa expansão também ocorreu, mas de forma mais tímida, pelas razões expostas anteriormente. No entanto, percebe-se que o setor privado foi o precursor do ensino superior no estado e continuou crescendo até os dias de hoje. Tabela nº 7

A Região Centro-Oeste apresentou, no final da década de 1990, um percentual de 61,1% de matrículas efetuadas na iniciativa privada em contraposição a 27,1% nas instituições federais e 8,7% nas estaduais. Considerando que o estado de Mato Grosso do Sul não apresenta instituições de ensino superior municipais, a maioria dos candidatos ingressou no ensino privado.

3.2. Os cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul – 1950-1990 Diferentemente da região norte de Mato Grosso uno, onde o setor público foi o precursor na instalação do seu primeiro curso de direito, na região sul, a iniciativa privada tomou a frente. Em 1961, a Missão Salesiana de Mato Grosso, motivada pelas idéias e o empenho pessoal dos padres Félix Zavattaro e Ângelo Jaime Venturelli, instalou em

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Campo Grande a Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências e Letras - FADAFI55. A sociedade civil almejava a abertura de novos cursos. “Sem dúvida alguma, novas perspectivas se abrem, no campo educacional de nosso Estado, com a implantação da Faculdade de direito em nossa cidade.” (Jornal Correio do Estado, 28 de dezembro de 1965) A Igreja Católica, por meio do Papa Paulo VI, também manifestava sua opinião sobre a carreira jurídica, fazendo apologia do advogado, enfocando a importância da profissão numa audiência do Conselho Diretor da União Internacional dos Advogados em 1965: “função de primeira ordem é a vossa, cuja prática tende aperfeiçoar incessantemente aquele que a exerce, para fazer dele sempre mais o arauto da palavra, o servidor da verdade, o homem da justiça e da bondade.” (PAPA Paulo VI, Jornal Correio do Estado, 02 de agosto de 1965) As discussões dividiam-se entre direito e economia. Cleómenes Nunes da Cunha, secretário geral da Faculdade Dom Aquino e bacharel em direito, preconizou os benefícios que um curso na área jurídica traria a Campo Grande, como, por exemplo, maior inserção dos habitantes do estado na política nacional, já que o curso de direito proporciona referida investidura. Nesta época, era presidente da Missão Salesiana de Mato Grosso, o Pe. Leonardo Jacuzzi, que fez publicar no extinto Jornal do Comércio, a manchete: “salesianos abrem faculdade de direito”. O processo tramitou no MEC, apesar de muitas dificuldades. Finalmente o Parecer nº 774/65 do educador Alceu de Amoroso Lima, à frente do Conselho Federal de Educação, autorizou a instalação da Faculdade de Direito de Campo Grande em 9 de julho de 1965. (http://www.ucdb.br, acesso em 05 de janeiro de 2003) 55

A FADAFI, mais tarde transformada em FUCMT e depois em UCDB, é uma instituição de ensino superior privada de caráter confessional comunitária, isto é, que não visa finalidade lucrativa e realiza suas atividades como prestação de serviços à comunidade, tendo ideal derivado de uma orientação confessional, ou seja, ligado à igreja (concepção filosófica voltada a valores humanísticos). (BITTAR, Mariluce, 1999, p. 116-117)

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Esse evento concedeu à Campo Grande o título de “capital do ensino de Mato Grosso”, dada a importância e a luta das sociedades civil e política pela instalação de um curso de direito na região sul do estado, tendo em vista que o mesmo abriria muitos caminhos para a política nacional, aumentaria o número de advogados no estado e integrantes do Poder Judiciário; além disto, Cuiabá já oferecia este curso, o que representava uma certa luta por vantagens políticas e econômicas, fazendo parecer que Cuiabá poderia estar à frente na educação e na participação política nacional. O Pe. Pedro Ferreira foi designado o primeiro diretor da Faculdade. No primeiro dia do mês de março de 1966, no antigo Teatro do Colégio Dom Bosco, ele presidiu a abertura solene do novo curso. A primeira turma começou com 99 alunos, procedentes de Campo Grande e do interior do estado, embora tenham sido ofertadas 150 vagas no vestibular. (http://www.ucdb.br, acesso em 05 de janeiro de 2003) Em 1967, a direção da Faculdade passou às mãos do Pe. Walter Bocchi, catedrático de Cultura Filosófica. Como seu assistente e vice-diretor, foi designado o jovem salesiano Pe. José Scampini. Em 1970, a Faculdade contava com 27 professores, quase todos pertencentes ao Poder Judiciário do estado, fato que retratava a tradição dos cursos de direito no país56. O cenário nacional da ditadura militar proporcionava investimentos na área da educação superior, principalmente a instalação de cursos de direito onde ainda não existiam. Muitos políticos da época eram formados em direito – bacharéis, advogados, membros do Poder Judiciário – o que parecia proporcionar certa inserção política e conseqüentemente obtenção de poder. Como havia no estado movimentos em prol da divisão política e econômica do estado, e existia apenas um curso de direito que situava-se em Cuiabá (região norte), o sul (Campo Grande) resolveu investir no setor e criar o seu 56

Ver capítulo I.

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próprio curso de direito pela iniciativa privada. É importante ressaltar que o setor privado foi impulsionado por dois fatores: a) existência de uma demanda reprimida e uma demanda crescente proveniente da criação de unidades escolares da rede de segundo grau; e b) expectativa de atender essas demandas com recursos privados. A criação do curso de direito pela FUCMT representou os anseios não só da sociedade política da época, mas também da sociedade civil que tinha que se deslocar até pelo menos Cuiabá (região mais próxima) para freqüentar referido curso. Em 1976, as Faculdades Integradas de Dourados (FID), hoje denominada UNIGRAN (Centro Universitário da Grande Dourados) criaram o curso de direito na cidade de Dourados, o qual foi autorizado por meio do decreto federal nº 78.612, de 22 de outubro de 1976 – o segundo curso da região sul do estado de Mato Grosso uno. Inicialmente, a instituição ofereceu 160 vagas no período noturno. Surgiu com o objetivo de suprir uma demanda por educação superior no interior do estado, que não oferecia este nível de ensino até então. (http://www.unigran.br, acesso em 10 de janeiro de 2004) Diferentemente da FUCMT, as FID eram de natureza privada-empresarial57, cuja renda é destinada a um grupo ou família que forma a empresa, tendo, pois, fins lucrativos. O município de Dourados, inicialmente denominado São João Batista de Dourados, foi fundado no século XIX. Era habitado por gaúchos, paraguaios e índios da tribo Caiuás. Em 1910, Marcelino Pires, proprietário da Fazenda Alvorada, doou uma gleba junto ao povoado para a criação de um patrimônio, cuja área escolhida, havia sido tombada pelo tenente Antônio João Ribeiro, herói da guerra do Paraguai. Foi elevado a distrito pela lei 658, de 15.06.1914 e o município criado pelo decreto 30, de 20.12.1925. O

57

Essa nomenclatura encontra-se prescrita no Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997, art. 7º: “As instituições privadas de ensino classificadas como particulares em sentido estrito, com finalidade lucrativa, ainda que de natureza civil quando mantidas e administradas por pessoas físicas, ficam submetidas ao regime da legislação mercantil quanto aos encargos fiscais, parafiscais e trabalhistas, como se comerciais fossem, equiparados seus mantenedores e administradores ao comerciante em nome individual.”

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município é considerado cidade-pólo do estado, integrando a microrregião Campo de Vacaria e Mata de Dourados, com área de 4.096,90 km2 . Possui população de 164.949 habitantes (segunda maior do estado), sendo 149.928 na zona urbana e 15.021 na zona rural. Suas principais atividades econômicas são a agricultura (plantação de soja e arroz) e o comércio. É o maior produtor de soja do estado (DOURADOS, 1980, p. 8-12) Seguindo na mesma direção foi o ensino superior em Campo Grande, onde, em 1976, foi criado o CESUP (instituição privada-empresarial) visando a atender uma demanda reprimida por cursos voltados para formação técnica, tendo em vista o desenvolvimento da região sul do estado de Mato Grosso uno. Nesta época já havia conversações e debates políticos pela divisão do estado. O setor empresarial da região58, percebendo a oportunidade de expandir o setor educacional, criou o CESUP, cujos primeiros cursos foram: graduação de professores, tecnologia em eletrotécnica, tecnologia em telecomunicações e tecnologia em construção civil. (CABRAL, 2002, p. 40) Em 1977, foi criado o curso de direito (noturno), para o qual a instituição ofereceu 60 vagas a serem preenchidas em 1978. (Jornal Correio do Estado, 1977, p. 03) Após a criação do estado de Mato Grosso do Sul, o CESUP instalou vários cursos no decorrer da década de 1980, como o de arquitetura e urbanismo, engenharia de agrimensura, administração, ciências biológicas, geografia, matemática, letras, ciência da computação, engenharia civil, engenharia elétrica, agronomia e medicina veterinária. Fato que culminou na protocolização de um projeto de transformação da instituição em universidade junto ao MEC em 1992. A instituição foi credenciada como Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP) no dia 18 de dezembro de 1996. (CABRAL, 2002, p. 42) 58

O CESUP foi criado pelos dirigentes da MACE – Moderna Associação Campograndense de Ensino de 1º e 2º Graus (Plínio Mendes dos Santos e Therezinha de Jesus dos Santos Samways) – em 1969. (CABRAL, 2002, p. 29-30)

96

Iniciava-se um movimento de expansão atendida dos cursos de direito na região sul do estado, que transformou-se em estado de Mato Grosso do Sul em 1977. Essa expansão auxiliou no desencadeamento e sucesso do movimento divisionista do estado, na medida em que atendeu aos anseios da sociedade por maior acesso à educação superior, oferecendo não apenas o curso de direito mas também outros, como os de engenharia, medicina veterinária, administração entre outros. Na área jurídica, havia 726 pessoas com formação em direito no estado de Mato Grosso uno e 965 profissionais da área, sendo, entre estes, 52 magistrados, 67 procuradores, promotores e curadores públicos, 296 advogados e defensores públicos, 138 tabeliães e oficiais de registros e 412 escrivães e auxiliares da justiça. (IBGE, 1970, p. 36/50) O número diferencial entre os profissionais da área e aqueles que têm formação de nível superior (239) reside no fato de que este nível de ensino não era, à época, exigido dos oficiais de registro e de alguns auxiliares da justiça. Com relação aos cursos de direito, pode-se afirmar que a expansão no período entre 1950 e 1990 é caracterizada como atendida e diferente daquela ocorrida no restante do país entre 1930 e 1960. Apesar de afirmarmos ter-se iniciado uma expansão da educação superior e dos cursos de direito no estado, até 1990 apenas a FUCMT, em Campo Grande, e a FID, em Dourados, ofereciam o curso de direito com 150 e 160 vagas, respectivamente, no período noturno59. Os cursos de pedagogia, administração e letras eram os de maior número no estado contando com 11(cursos) para o primeiro e 10 (cursos) para os demais60.

59

Não se conseguiu, até o presente momento, obter informações sobre o curso de direito criado pelo CESUP em 1976 em Campo Grande. Ao que tudo consta, o curso foi suspenso, mas ainda não podemos fazer referida afirmação. 60 Os cursos de pedagogia eram oferecidos nos municípios de Campo Grande (FUCMT e UFMS), Corumbá (UFMS), Dourados (UFMS e FID), Fátima do Sul (FIFASUL), Naviraí (FEGEN), Ponta Porã (FECLPP), Rio Verde de Mato Grosso (Faculdades Unidas do Centro Norte), Três Lagoas (UFMS); os cursos de administração pelos municípios de Campo Grande (FUCMT , UFMS e CESUP), Dourados (FID e Faculdade

97

(DEMEC/MS, 1979-1988, p. 21/34) Este fato pode ser explicado, principalmente, pelo incipiente investimento do estado em educação superior até então em relação a outros estados do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul entre outros. Embora tenha sido criado um curso de direito no interior (no município de Dourados) neste período (1979-1989), não podemos afirmar que se caracteriza como interiorização, haja vista que este fenômeno é conceituado, nesta dissertação, como desconcentração regional das faculdades61; revela o deslocamento de estabelecimentos de ensino superior centrais para regiões consideradas periféricas, geralmente no interior do próprio estado. Assim, a instalação do curso de direito no município de Dourados não revela o movimento caracterizado como interiorização, pois que foi instalado por uma faculdade, de iniciativa privada-empresarial, criada juntamente com a instalação deste curso. Até então, havia o curso de direito apenas em Campo Grande e era oferecido pela FUCMT (faculdades integradas, confessional-comunitária). Desta forma, os cursos existentes eram oferecidos, pois, por instituições diferentes, sem a ocorrência do fenômeno da interiorização. Contudo, a década de 1980 não apresentou sinais de expansão dos cursos de direito; nenhum curso foi criado, nem teve seu número de vagas ampliado. Já na próxima década – 1990-2000 – mostrou sinais de expansão desordenada e surgimento da interiorização dos cursos de direito, sendo caracterizada por peculiaridades diferentes do período anterior, refletindo as políticas públicas implementadas pelo país neste interregno de tempo. de Tecnologia em Administração Rural), Naviraí (Faculdade de Administração de Naviraí), Nova Andradina (Faculdade de Administração de Nova Andradina), Cassilândia (Faculdades Integradas de Cassilândia), Ponta Porã (Faculdade de Ciências Administrativas de Ponta Porã), Rio Verde de Mato Grosso (Faculdades Unidas do Centro Norte); os cursos de letras pelos municípios de Campo Grande (FUCMT), Dourados (Faculdade de Letras de Dourados e UFMS), Fátima do Sul (FIFASUL), Naviraí (Faculdade de Letras de Naviraí), Aquidauana (UFMS), Corumbá (UFMS), Ponta Porã (UFMS), Três Lagoas (UFMS) e Paranaíba (UFMS). (DEMEC, 1979-1988, p. 61-68) 61 Ver capítulo I.

98

3.3. Expansão desordenada dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul – 1990-2002 Apesar da luta estudantil pela redemocratização do ensino superior, a década de 1980 não apresentou traços significativos para o estado no que pertine à expansão/interiorização dos cursos de direito. Neste período, nenhum curso foi criado, nem teve seu número de vagas ampliado no estado. Já a década de 1990 representou um boom dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul. Essa expansão é resultado das políticas públicas nacionais, haja vista que a educação superior é competência do governo federal, que compreende os sistemas federal e privado de ensino (art.5º, do Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 199762). Assim, é mister que se faça análise conjuntural do sistema de políticas públicas educacionais para melhor compreender as políticas de expansão no estado de Mato Grosso do Sul, uma vez que até mesmo as instituições de ensino superior estaduais (no caso, a UEMS) são fiscalizadas e normatizadas pela União dentro dos limites de sua competência constitucional (art. 211, §1º, da Constituição Federal de 198863) Na década de 1990, três pilares da política educacional nortearam as ações do governo para o setor: financiamento, parâmetros curriculares nacionais e avaliação institucional, evidenciando, como no projeto de Reforma do Estado, que a “proposta educacional também vive a contradição Estado mínimo/Estado máximo, só que no contexto educacional há o Estado máximo no tocante ao controle e o mínimo quanto ao financiamento.” (PERONI, 2003, p. 19) 62

Art. 5º. As instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino, nos termos do art.16 da lei nº 9.394, de 1996, classificam-se, quanto à natureza jurídica, em: I – públicas, quando criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pela União; II – privadas, quando mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. 63 Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. §1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas e federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir a equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito federal e aos Municípios.

99

Assim, o Estado (sociedade política) que deveria ser mínimo em qualquer setor no sistema capitalista (neoliberalismo), o foi para as políticas sociais e foi máximo para o capital. Aliás, realidade que perdura até os dias de hoje. PERONI assevera que “a política educacional dos anos 1990 estaria sendo construída através de um processo de correlação de forças(...)” (Id.Ibidem, p. 18) significando que os projetos de política educacional sofreram embate ideológico desde o processo constituinte até a elaboração da LDB, resultando em prescrições normativas em descompasso com a realidade e outras sem aplicabilidade até o momento. Segundo VIEIRA, as políticas sociais em nosso país percorreram, no último século, três momentos políticos distintos: a) controle da política (ditadura de Getúlio Vargas e populismo); b) política do controle (golpe de 1964 até 1988) e c) política social sem direitos sociais (1988 até os dias atuais). Nos dois primeiros momentos, a política social “compõe-se e recompõe-se, conservando em sua execução o caráter fragmentário, setorial e emergencial(...)”; no terceiro essa política não é praticada, nem sequer regulamentada (quando necessário), pois que neste momento do capitalismo, “as leis da economia lamentavelmente transmitem a impressão de que se extinguem as sociedades, sobrevivendo apenas os mercados e os grupos unidos a ele.” (VIEIRA, 1997, p. 68) Assim, a sociedade política mínima se configurou para as políticas sociais, englobando aí o setor da educação, e se consolidou máximo para o capital (economia e globalização). O discurso da crise fiscal do país que proporcionou criação e implementação do projeto de Reforma do Estado em 1995, em verdade, revelava “crise do capital da qual a crise fiscal era apenas uma faceta.” (PERONI, 2003, p. 66) Valdemar Sguissardi e João dos Reis Silva Junior asseveram que o setor privado do ensino superior “entra nos anos 90 sob condições precárias e com suas estratégias de interferência política debilitadas, face às transformações ocorridas no Brasil 100

(...)”, uma vez que a sociedade política, por meio do seu poder legiferante, conduz a educação superior “a uma diferenciação institucional generalizada, ao mesmo tempo em que incentiva o processo de mercantilização desse espaço social, mediante estímulo à concorrência entre as instituições privadas e à aproximação com o setor produtivo.” (2000, p. 172) É, pois, neste cenário nacional que o estado de Mato Grosso do Sul, como também os demais estados da Federação, começou a expandir a educação superior no setor público e preponderantemente no setor privado, como preconizou o ministro Bresser Pereira por meio da Reforma do Estado efetivada a partir de 1995. Três estratégias permearam o projeto para aplicabilidade aos serviços considerados não-exclusivos da sociedade política (a educação era um deles): a) da privatização; b) da publicização e c) da terceirização. Privatizar no sentido de “transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, 1995, p.11); publicizar é “transferir para o setor público não-estatal os serviços sociais e científicos que hoje a sociedade política presta (...); é transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, pública não-estatal”; e terceirizar implica em “transferir, para o setor privado, serviços auxiliares ou de apoio.” (PEREIRA, 1997, p.7-8) Nas linhas e entrelinhas dessas orientações, pode-se verificar o incremento à integração com a economia mundial, a ênfase no papel do mercado na alocação de recursos, a diminuição do papel do Estado em relação tanto à economia, quanto à área social dos serviços públicos em que se insere a educação e a educação superior. (SGUISSARDI, 2000b, p. 57)

A aposição da educação no setor de serviços não exclusivos da sociedade política significou: “a) que a educação deixou de ser concebida como um direito e passou a ser considerada um serviço; b) que a educação deixou de ser considerada um serviço

101

público e passou a ser considerada um serviço que pode ser privado ou privatizado.” (CHAUÍ, 2003, p. 6) Já Pablo Gentili afirma que a privatização na área educacional não é sinônimo de afastamento da sociedade política apenas, mas que ela vai muito além desse objetivo, podendo, inclusive, ser contrária a essa sociedade: “a privatização educacional pode conviver com a manutenção e, em certas áreas, com o aumento do gasto público destinado ao setor.” (2003, Boletim de Políticas Públicas da UERJ, nº 1) Com a Reforma do Estado, o setor privado na educação superior cresceu de tal forma que no início da década de 1990 o total de matrículas no setor representava 62,42%, enquanto no final da década o percentual chegou a 67%. (INEP, 1990/2000) No que pertine aos cursos de direito no Brasil, os dados acompanharam o crescimento do setor privado na educação superior em geral, representando no início da década de 1990 75,96% do total de matrículas no curso (121.085 matrículas); e no final da década o setor representava 86,15% do total (319.059 matrículas). (INEP, 1991-2000) Em 2001, o curso de direito detinha 414.519 matrículas no Brasil, sendo 53.692 no setor público (13%) e 360.827 no setor privado (87%); na região Centro-Oeste foram 35.691 matrículas, 3.556 públicas (10%) e 32.135 privadas (90%); no estado de Mato Grosso do Sul foram 6.059 matrículas, sendo 977 no setor público (16,2%) e 5.082 no setor privado (83,8%). (INEP, 2001)

102

QUADRO VII Comparativo do número de matrículas entre os setores público e privado nos cursos de direito entre o estado de MS, a região Centro-Oeste e o Brasil Mato Grosso do Sul Público

Centro-Oeste

Brasil

Privado

Público

Privado

Público

Privado

1991

-

1.778

2.446

8.919

38.305

121.085

1992

-

1.772

2.295

8.968

39.728

123.449

1993

-

1.791

2.304

7.020

40.788

136.553

1994

-

1.989

2.664

7.793

42.343

148.369

1995

-

2.376

2.903

9.322

44.643

170.534

1996

88

2.708

3.105

10.699

46.983

192.218

1997

329

3.075

3.482

11.982

50.262

214.743

1998

551

3.536

3.790

13.513

53.735

238.993

1999

655

4.214

3.452

16.282

52.516

276.266

2000

822

4.507

3.452

19.484

51.276

319.059

2001

977

5.082

3.556

22.903

53.692

360.827

1.269 5.703 4.014 29.231 56.242 406.893 2002 Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados fornecidos pelo INEP no período entre 1991-2002.

Depreende-se do quadro acima, que o setor privado, desde o início da década de 1990, apresentava um número consideravelmente maior de matrículas no curso de direito que o setor público. Em Mato Grosso do Sul, o curso nesse setor surgiu em 1994 pela UEMS, mas o quadro não fornece os dados referentes à matrícula em 1995, apenas em 1996. Em 1991, o estado oferecia o curso pela FUCMT, em Campo Grande, e pela FID em Dourados, resultando em 1.778 matrículas pelo setor privado. Denota-se que após 1995 (ano-base da reforma do Estado), houve um incremento de matrículas no setor privado devido ao aumento do número de instituições privadas e a interiorização dos cursos de direito nas IES privadas e públicas já existentes com a criação de campi. Entre 1994 e 1997, em Mato Grosso do Sul, houve aumento de 1.086 matrículas apenas no setor privado; enquanto no setor público somente 329 matrículas foram efetivadas (essas matrículas representam somente 30% do aumento de 1.086 matrículas no setor privado). Neste período, no estado, houve o aparecimento de 2 IES privadas: a FIC-UNAES em Campo Grande e a AEMS em Três Lagoas. Assim, esse aumento de 1.086 matrículas no

103

setor privado deveu-se mais ao aumento do número de vagas nas IES já existentes que propriamente ao surgimento de outras IES. QUADRO VIII Comparativo do número de matrículas nos cursos de direito nos turnos diurno e noturno ANO BRASIL CENTRO-OESTE MATO GROSSO DO SUL Diurno

Noturno

Diurno

Noturno

Diurno

Noturno

1991

54.880

104.510

2.541

8.824

1.778

-

2002

177.401

285.734

18.399

27.383

2.248

4.724

Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados oficiais fornecidos pelo MEC/INEP, 2003.

Com base nos dados apresentados, denota-se que a maior incidência de matrículas no período noturno não é atributo apenas do estado de Mato Grosso do Sul, mas também da região Centro-Oeste e do Brasil: no Brasil, o número de matrículas no curso de direito no período noturno aumentou 181.224, representando 270% de crescimento; a região Centro-Oeste teve um aumento de 18.559 (300%) e Mato Grosso do Sul de 2.946 (260%). Esse é um fato característico do Brasil, uma vez que o contingente populacional entre 18-24 anos é a maior parcela da população economicamente ativa do país. Isso significa que a maior taxa de desemprego também encontra-se nessa faixa, implicando afirmar que para estudar e trabalhar, o jovem precisa estudar no período noturno, pois é a sua única saída, principalmente aqueles que estudam na rede privada, posto que precisam pagar as mensalidades escolares e demais encargos que o ensino superior lhe acarreta. Edson Nunes assevera que o mercado de trabalho é uma restrição importante ao acesso do jovem no ensino superior, apontando, segundo dados do Censo do IBGE 2000, que no Brasil, existem aproximadamente “23 milhões de pessoas nessa faixa, sendo que 16 milhões fazem parte da população economicamente ativa. No ano 2000, 70% dos jovens entre 18 e 24 anos estavam procurando emprego. Entre os que trabalhavam, 80% se ocupavam por mais de 40 horas semanais. Os dados indicam que 35%

104

trabalhavam entre 40 e 44 horas e 44% trabalhavam mais de 45 horas semanais.” (2003, p. 4)

Além desses complicadores, ainda há a questão da renda. De acordo com os dados fornecidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE de 2000, apenas 11,7% dos alunos do setor público vêm da metade mais pobre da sociedade, com renda familiar de R$482,00 ou menos, enquanto no setor privado essa proporção é de 5,4%. (IBGE, 2000). Tanto no setor público quanto no privado, a maioria dos alunos trabalha, porém, o setor público apresenta um número maior de alunos que não trabalham, 40%, e o setor privado, 32% (IBGE, 2000). Os dados revelam também que na rede pública a renda média mensal familiar dos estudantes é de R$2.433,00, enquanto na rede particular é de R$3.236,00 (Jornal Folha de São Paulo, 08/09/03) Assim, 50% dos estudantes da rede privada têm renda mensal que os coloca entre os 10% mais ricos da população brasileira, contra 34,4% na rede pública. Tanto na rede pública como na privada, o perfil do estudante pode ser considerado elitista, já que os 50% mais pobres representam apenas 5,5% do total de alunos nas particulares e 11,7% na rede pública. Nesta, 6 em cada 10 alunos pertencem às classes mais abastadas. Em 1999, os 20% mais ricos ocupavam 71% do total de vagas de instituições públicas e privadas (IBGE, 2000), demonstrando que esse panorama elitista da educação superior no Brasil representa uma questão estrutural do sistema. Apesar do crescimento das IES e a implementação de mecanismos que oferecem acesso à educação superior para a camada mais pobre da população, apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos estava matriculado em um curso superior em 2002. Dessa forma, pode-se atestar que os estudantes que ingressam nesse nível de ensino são

105

provenientes da parcela mais rica da população, uma vez que somente 7% dela com mais de 25 anos tem curso s5perior64. (IBGE, 2000) Tabela nº 8 - Número de matrículas nos cursos de direito nos períodos diurno e noturno 1991 Região

2002

Diurno

Noturno

Diurno

Noturno

Publico

Privado

Publico

Privado

Publico

Privado

Publico

Privado

18.808

36.072

19.497

85.013

27.974

149.427

28.268

257.466

%

(34,2%)

(65,8%)

(18,7%)

(81,3%)

(15,76%)

(84,24%)

(9,9%)

(90,1%)

Centro-

824

1.717

1.622

7.202

1.827

16.572

2.187

25.196

Oeste

%

(32,5%)

(67,5%)

(18,4%)

(81,6%)

(9,9%)

(90,1%)

(7,8%)

(92,2%)

-

-

-

1.778

621

1.627

648

4.076

%

-

-

-

(100%)

(27,6%)

(72,4%)

(13,7%)

(86,3%)

Brasil

MS

Fonte: tabela elaborada pela autora com base nos dados extraídos do INEP, Censo 1991-2002.

Na década de 1990 houve um aumento no número de matrículas no curso de direito no setor privado em todo o país, devido às políticas públicas conformativas com as diretrizes dos organismos internacionais. “No ano de 1994, o Banco Mundial, em uma amostra de 41 países, situava o Brasil como um dos países do mundo com mais alto percentual de matrículas no ensino superior privado, isto é, em torno de 60%.” (SGUISSARDI, 2000a, p. 14) Mato Grosso do Sul apresentou um incremento considerável nas matrículas do curso de direito no setor privado, porém menor que os demais estados da região CentroOeste, inclusive tendo menor percentual de matrículas no período noturno, uma vez que o estado, embora tenha crescido economicamente em maior proporção que os demais da região, continua tendo economia baseada na agropecuária, apresentando menor receita que os demais que possuem pólo industrial mais desenvolvido. Em relação às demais áreas de conhecimento, observou-se que o curso de direito (área das Ciências Sociais Aplicadas) representa, no estado, 41,6% das matrículas na graduação, enquanto que a área de Ciências 64

Para aprofundamento do tema, consultar estudos de Simon Schwartzman.

106

Biológicas e da Saúde vem em segundo lugar (26,6%), seguido pelas Ciências Humanas e Sociais (20%), e Lingüística, Letras e Artes (19%). Característica do setor público no estado é o pequeno número de vagas no período noturno em todos os cursos. Na UFMS, 92,5% das vagas são para cursos diurnos. Em outubro de 2003, alunos do ensino médio encaminharam abaixo-assinado ao Presidente da República, requerendo a abertura de mais cursos noturnos na UFMS, alegando que a universidade “assume de forma inequívoca a sua preferência pela classe média e alta da população brasileira, contribuindo no aumento da exclusão social daqueles que precisam trabalhar para sustentar a si e a seus familiares.” E ainda acrescenta que a exclusão na UFMS começa no vestibular, porque os estudantes são obrigados a trabalhar durante o dia e estudar à noite para concorrer com quem só se dedica aos estudos. (CANHETI, Jornal Correio do Estado, 23 de setembro de 2003) Em geral, no Brasil, os cursos noturnos do setor privado, entre 1995 e 2001, passaram de 711.000 para 1.390.000, representando crescimento de 96%. Em 2001, 57,2% das matrículas encontravam-se no período noturno. Na rede privada, que concentra 75% de todos os alunos, 2/3 estudam à noite. (http://www.inep.gov.br, acesso em 16 de fevereiro de 2003) A região Centro-Oeste, neste mesmo período, mais que duplicou o número de matrículas no ensino superior, atingindo 260.000. (Folha de São Paulo, 21 de novembro de 2002, C3) Recentemente, o INEP divulgou resultados sobre a freqüência à escola na educação superior das pessoas na faixa etária entre 18 e 24 anos, referente a 2001, apresentando o Brasil índice de 9%; a Região Centro-Oeste, 9,8%; e o estado de Mato Grosso do Sul, 10,5%. O maior índice de freqüência foi registrado no estado de Santa Catarina, onde 14,2% estão matriculados. Em geral, de 1990 a 2002, o número de matrículas na educação superior no país aumentou 126%, passando de 1,5 milhão para 3,5 107

milhões de estudantes. Porém, essa expansão se concentrou na rede privada (153%), enquanto na rede pública o crescimento foi de 82%. (INEP, Informativo nº 33, 06/04/04) QUADRO IX Comparativo do número de matrículas nos cursos de direito com os demais cursos no Brasil, Centro-Oeste e Mato Grosso do Sul ANO

Brasil

Centro-Oeste Mato Grosso do Sul Demais Direito Demais Direito Demais Direito 1995 1.759.703 215.177 122.553 12.225 23.280 2.376 1996 1.868.529 239.201 134.442 13.804 25.523 2.796 1997 1.945.615 265.005 146.408 15.464 29.160 3.404 1998 2.125.968 292.728 163.585 17.303 32.925 4.087 1999 2.369.945 328.782 187.001 19.734 37.868 4.869 2000 2.694.245 370.335 225.004 22.936 42.304 5.329 2001 3.030.754 414.519 260.349 26.459 47.475 6.059 2002 3.479.913 463.135 323.461 33.245 55.824 6.972 Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados fornecidos pelo INEP, Sinopse 1995-2002.

Em 1995, as matrículas nos cursos de direito no Brasil representavam 12,2% em relação às matrículas nos demais cursos no país; na região Centro-Oeste, o índice era de 9,8%; e em Mato Grosso do Sul era de 10,2%. Em 2002, esses índices cresceram, sendo a proporção de 13,3% (Brasil); 10,2% (Centro-Oeste); e 12,5% (Mato Grosso do Sul). Entre 1995 e 2002, as matrículas nos cursos em geral no Brasil cresceram 97,76%, enquanto nos cursos de direito o aumento foi de 115%; na região Centro-Oeste, 164% (todos os cursos) e 274% (cursos de direito); em Mato Grosso do Sul, 240% (demais cursos) e 293% (cursos de direito). Percebe-se que, nas três situações (Brasil, Centro-Oeste e Mato Grosso do Sul), as matrículas nos cursos de direito cresceram em maior proporção que as matrículas nos demais cursos, implicando afirmar que o curso ainda apresenta grande demanda.65 Em 1991, as matrículas nos cursos de direito no estado representavam 1,1% em relação ao número de matrículas nesse curso no Brasil e 15,6% em relação à região CentroOeste. Comparando às matrículas nos demais cursos no Brasil, os cursos de direito, em 65

Afirma-se “ainda”, porque desde o seu surgimento, na época do Império, o curso é considerado de grande demanda.

108

1991, representavam 0,41% e 6,1% na região Centro-Oeste. Em 2002, a relação praticamente não se altera, sendo de 1,5% em relação às matrículas no curso no Brasil e 15,2% à região Centro-Oeste. Em comparação aos demais cursos, a proporção também continua praticamente a mesma: 0,63% (Brasil) e 6,2% (Centro-Oeste), demonstrando que o curso de direito no estado é bastante procurado, perdendo apenas para o curso de administração nos últimos dois anos (2001-2003). (INEP, 1991-2002) Os dados revelam que o curso de direito em Mato Grosso do Sul somente foi oferecido pelo setor público no início da década de 1990 pela UEMS (1994) na unidade de Paranaíba66. A Universidade Federal (UFMS) implantou o curso apenas em 199667. Segundo os dados do IBGE, no início da década de 1990, o estado possuía 1.780.378 habitantes, sendo 1.414.458 na zona urbana e 365.920 na zona rural. Em 2000, esse número aumentou para 2.078.001 habitantes, sendo 1.747.106 na zona urbana e 330.895 na zona rural. (IBGE, 2000) Esses dados mostram que houve um movimento de migração intenso da zona rural para a zona urbana no estado desde 1970, ano no qual a maioria da população residia na zona rural68. Este é um forte indício de que o estado deveria investir mais em educação, principalmente a de nível superior, uma vez que o inchaço na zona urbana provoca procura por mais emprego e, conseqüentemente, exige especialização do trabalho.

66

A UEMS não tem campus, mas sim unidades que oferecem alguns cursos específicos. Esse tema será melhor analisado no próximo item. 67 O curso de direito na UFMS só começou a funcionar legalmente em março de 1996 (autorização do MEC). Porém, aplicou vestibular de inverno em 1995, oferecendo 120 vagas, sendo 60 no turno matutino e 60 no turno noturno. (INEP, 2003) 68 Em 1970, a população na zona urbana era de 1.573.801, sendo que a rural correspondia a 897.959 e a urbana a 675.842 habitantes. (IBGE, 1970, p. 2)

109

QUADRO X Comparativo do número de matrículas nos cursos de direito na capital e interior entre o Brasil e Mato Grosso do Sul Ano

Brasil

MS Capital Interior 1.025 753 1991 1992 1.019 753 991 800 1993 1994 1.109 880 1.416 960 1995 1996 1.666 1.130 1.922 1.482 1997 1998 2.208 1.879 2.611 2.258 1999 2000 2.696 2.633 3.064 2.995 2001 Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados fornecidos pelo INEP, Censo 1991-2001. Capital 73.629 73.503 79.808 84.716 98.751 104.734 114.939 128.415 144.321 160.164 184.797

Interior 85.761 89.674 97.533 105.996 116.426 134.467 150.066 164.313 184.461 209.613 229.263

Em 1991, no Brasil, o interior concentrava 53,8% das matrículas nos cursos de direito em relação à capital; em Mato Grosso do Sul, ao revés, concentrava o maior número de matrículas na capital (57,6%). Já em 2001, no Brasil, a proporção cresceu para 55,3% no interior e, em Mato Grosso do Sul, diminuiu para 50,5% na capital. O maior crescimento dos cursos no interior no Brasil deveu-se ao fenômeno da interiorização (criação de campi), principalmente na região sudeste, a qual concentra o maior número de matrículas nos cursos de direito no país - de um total de 463.135 matrículas no curso no Brasil em 2002, 273.018 (59%) concentrava-se na região sudeste, 149.512 (32,3% em relação ao Brasil) só no estado de São Paulo – (INEP, 2002). Em Mato Grosso do Sul, a interiorização perdeu espaço para a expansão dos cursos neste período, mesmo tendo sido criado campi tanto das IES públicas-estatais, como das privadas. Porém, a criação de cursos na capital teve maior impulso que no interior do estado. Várias instituições de ensino superior surgiram nesta década no estado, e muitas delas oferecem o curso de direito69. 69

Nesta pesquisa foram utilizados apenas dados do MEC/INEP; ou seja, apenas os cursos de direito que são autorizados a funcionar pelo MEC.

110

Ao todo, o estado possui 41 IES, sendo (INEP, 2003): 1. 4 Universidades: UFMS (pública-estatal), UEMS (pública-estatal), UCDB (confessional-comunitária) e UNIDERP (privada-empresarial); 2. 38 IES privadas-empresariais: 24 Faculdades; 5 Institutos Superiores; 7 Faculdades Integradas e 1 Centro Universitário; O estado possui apenas 2 IES públicas-estatais, 1 confessional-comunitária e as demais são todas privadas-empresariais, demonstrando que o setor privado no estado apresentou crescimento considerável na educação superior. A UFMS possui campi em Campo Grande, Três Lagoas, Dourados, Aquidauana, Paranaíba, Coxim e Corumbá; a UEMS tem unidades de ensino em Campo Grande, Aquidauana, Cassilândia, Coxim, Dourados, Ivinhema, Jardim, Maracaju, Mundo Novo, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba e Ponta Porã; a UCDB70 possui campi em Campo Grande e em São Gabriel D’Oeste; a UNIDERP71 possui campi em Campo Grande e em Rio Verde de Mato Grosso. Dentre as IES que oferecem o curso de direito encontram-se72:

70

A UCDB, em 2002, adquiriu o IESPAN em Corumbá. A UNIDERP adquiriu as Faculdades Integradas de Ponta Porã (FIP) em Ponta Porã (onde oferece o curso de direito), as Faculdades Integradas de Coxim (FICO) em Coxim, a Faculdade de Dourados (FAD) em Dourados e as Faculdades Integradas de Rio Verde (FIRVE) em Rio Verde de Mato Grosso (onde oferece o curso de direito). 72 As IES encontram-se dispostas de acordo com a criação cronológica dos cursos de direito. 71

111

QUADRO XI Demonstrativo das instituições que oferecem o curso de direito em Mato Grosso do Sul e ano de criação ANO DE CRIAÇÃO INSTITUIÇÃO DE ENSINO CIDADE SUPERIOR 1965 Faculdade Dom Aquino de Campo Grande Filosofia, Ciências e Letras (FADAFI) 1976 Faculdades Integradas de Dourados Dourados (FID) 1994 Universidade Estadual de Paranaíba Mato Grosso do Sul (UEMS) Faculdades Integradas de Campo Grande Campo Grande (FIC-UNAES) 1995 Faculdades Integradas de Três Três Lagoas Lagoas (AEMS) 1996 Universidade Federal de Mato Campo Grande e Três Lagoas Grosso do Sul (UFMS) 1997 UEMS Dourados

1999 2000

Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP) Faculdades Integradas de Ponta Porá (FIP) UFMS UNIDERP

2001

Faculdade Estácio de Sá (FESCG) Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) UFMS UEMS

2002

Instituto Campo Grande de Ensino Superior (ICGES) Instituto de Ensino Superior do Pantanal (IESPAN)

Campo Grande

Ponta Porá Dourados Rio Verde de Mato Grosso Campo Grande São Gabriel D’Oeste Corumbá Naviraí Campo Grande Corumbá

Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados fornecidos pelo INEP, 2003.

Ao todo, são 11 instituições que oferecem o curso de direito no estado, somando 18 cursos. Sendo que 4 delas ofertam mais de 1 curso: a UEMS oferece o curso de direito nas unidades de Paranaíba, Dourados e Naviraí; a UFMS nos campi de Campo Grande, Três Lagoas, Dourados e Corumbá; a UCDB em Campo Grande, São Gabriel 112

D’Oeste e Corumbá (IESPAN); a UNIDERP em Campo Grande, Rio Verde de Mato Grosso e Ponta Porã (FIP), como se depreende da figura a seguir: Figura nº 2 – Mapa de Mato Grosso do Sul: municípios que oferecem os cursos de direito

1

2

1

1 6 2

3 1 1

3.3.1. Perfil dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul Neste item, analisam-se alguns elementos extraídos dos projetos de criação dos cursos de direito do estado de Mato Grosso do Sul da maioria das IES arroladas anteriormente. Trabalhou-se com os projetos da UCDB, a UFMS, a UEMS, a UNAES, a IESPAN a FESCG e a UNIDERP campi de Rio Verde de Mato Grosso e de Campo Grande73. Ao todo, foram 13 projetos74.

73

Em 1995, foi criado o curso de direito pela AEMS em Três Lagoas, por meio do decreto federal s/n de 17/11, com 120 vagas autorizadas no período noturno, sendo reconhecido pela Portaria MEC nº 2.332, de 25/10/2001. Em 1999, a FIP, em Ponta Porã (adquirida pela UNIDERP), criou o curso pela Portaria MEC nº 161, de 05/02, com 80 vagas autorizadas no período noturno, não tendo ainda sido reconhecido. Em 2002, o ICGES criou o mais recente curso de direito do estado de Mato Grosso do Sul na capital, pela Portaria MEC nº 3.852, de 26/12, com 100 vagas autorizadas no período noturno. (INEP, 2003) 74 Os projetos dos cursos da UCDB campus Campo Grande e da UNIGRAN em Dourados não foram analisados, porque, à época em que foram criados – em 1965 e 1976, respectivamente – a legislação não exigia projeto político pedagógico para autorização de cursos superiores.

113

A seleção dos elementos levou em consideração aqueles que tinham pertinência com as categorias de análise elencadas inicialmente nesta dissertação, ou seja, com a expansão e a interiorização dos cursos de direito. Os elementos selecionados foram: 1.

Objetivos do curso: evidenciam a finalidade para a qual foram criados;

2.

Justificativa de criação do curso: razão pela qual foram criados;

3.

Perfil profissiográfico: possibilidades de encaminhamento ao mercado de

trabalho; 4.

Perfil do curso: como o curso é formado de modo a atender sua clientela;

5.

Concepção filosófica de educação da IES: qual o conceito de educação

para a instituição; 6.

Interferência das sociedade civil e política na criação dos cursos:

ocorrência ou não de manifestações da sociedade para a criação do curso nas respectivas regiões; 7.

Postura da OAB na criação/reconhecimento dos cursos: se a entidade

exerce ou não influência na criação/reconhecimento dos cursos de direito no estado; 8.

Docentes do curso: formação do quadro docente dos cursos (com ou sem

titulação acadêmica; dedicação exclusiva ou não; presença da pesquisa nos cursos entre outros). A fim de desenvolver análise consubstanciada sobre referidos elementos, em consonância com a expansão e a interiorização dos cursos de direito no estado, mister que se faça um breve histórico de cada IES, até mesmo para verificarmos se a IES objetivava expandir/interiorizar seu curso de direito para outras localidades. Instituída pela lei estadual nº 1.461, de 20 de dezembro de 1993, e credenciada pela deliberação CEE/MS nº 4.787/97 do Conselho Estadual de Educação, a UEMS tem 114

como princípios norteadores o conhecimento, o desenvolvimento do homem e do meio num processo de integração e participação permanente; abertura às inovações no âmbito de sua tríplice função: ensino, pesquisa e extensão; espírito democrático e fraterno na condução de seus objetivos e liberdade de pensamento e de expressão para o efetivo exercício da cidadania. (http://www.uems.br, acesso em 10 de fevereiro de 2004) A UEMS, para cumprir essa proposta, adotou três estratégias diferenciadas: rotatividade dos cursos, sendo os mesmos permanentes em sua oferta e temporários em sua localização; criação de unidades universitárias em substituição ao modelo de campus e estrutura centrada em coordenações de cursos em vez de departamentos, objetivando racionalizar recursos públicos, evitar a duplicação de funções, cargos e demais estruturas administrativas e a fragmentação das ações institucionais. “Esse modelo de instituição descentralizada permitiu que milhares de alunos realizassem o sonho de fazer um curso superior (...) Era preciso vencer distâncias, democratizar o acesso ao ensino superior e fortalecer o ensino básico”. (LEME, 2003) A UEMS criou o primeiro curso de direito na década de 1990 (o terceiro do estado), em 1994, na unidade de Paranaíba, justificando a existência de considerável demanda pelo curso na região após levantamento pela IES junto à comunidade local. (UEMS, 1999, p.43) Submetido a reconhecimento, o projeto foi encaminhado à OAB-MS para manifestação e obteve parecer desfavorável, sob o argumento de que o município tinha “diminuta população e a instituição não apresentava corpo docente qualificado, o que implicaria no baixo nível do ensino ministrado, ausência de entidades e/ou órgãos que poderiam absorver os estagiários e futuros advogados.” (OAB-MS, processo de criação, UEMS, 1999, p. 16) Para instalar o curso de direito, a UEMS fez consultas às comunidades do interior do estado, visando a atender o local onde mais se tinha demanda pelo curso. 115

Optou-se pela oferta inicial em Paranaíba, na qual a relação candidato/vaga foi de 17 e Três Lagoas apresentou demanda de 33,4. Em 1995, por força de decisão governamental, a instituição não realizou o segundo vestibular. Em 1996, a UEMS, por deliberação dos Conselhos Superiores (resolução COUNI/UEMS nº 42, de 24/05/96 e resolução COUNI/UEMS nº 41, de 26/04/96), desativou as 50 vagas destinadas ao curso de direito em Três Lagoas e as ofereceu, em 1997, na unidade de Dourados no período matutino. Assim, o curso de direito em Três Lagoas sequer chegou a funcionar, mesmo depois de ter apresentado uma demanda acentuada pelo curso. Um dos motivos preponderantes da desativação do curso foi a ausência de número suficiente de docentes na região, razão que, mais tarde, comprometeria o reconhecimento do curso, sem levar em consideração, ainda, a qualidade, tendo em vista que a grande maioria deles deveria percorrer grandes distâncias para ministrar o curso. (OAB-MS, processo de criação, UEMS, 1999, p. 43-44) Em 1997, a UEMS instalou o curso de direito em Dourados com 50 vagas no turno matutino, em cujas unidades permanece até os dias de hoje. A OAB-MS opinou favoravelmente ao reconhecimento do curso na unidade de Dourados, alegando que “a unidade de Dourados cumpriu efetivamente o projeto de suas instalações (...)” (Id.Ibidem. p. 15) Em 2001, criou o curso na unidade de Naviraí, com oferta de 40 vagas no turno noturno. A relação candidato/vaga tem demonstrado que o curso apresenta grande demanda na UEMS:

116

QUADRO XII Relação candidato/vaga nos vestibulares 1996-2004 ANO PARANAÍBA DOURADOS

NAVIRAÍ

1996

14,7

-

-

1997

12,9

10,4

-

1998

14,2

9,4

-

1999

14,8

11,7

-

2000

*

*

-

2001

*

*

-

2002

12,65 (not)/8,60 (mat)

14,06

15,05

11,36 (not)/10,79(mat)

15,23

13,68

2003 2004

Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados extraídos de UEMS, 1999. OBS. Em Paranaíba foram oferecidas 40 vagas no turno noturno no período entre 1996 e 2000; a partir de 2001, foram criadas 40 vagas no turno matutino. *Informações não obtidas.

O maior número de candidatos em Paranaíba justifica-se por dois motivos preponderantes: a) menor número de vagas em relação a Dourados (quando o curso foi criado em Naviraí, Paranaíba já oferecia 80 vagas anuais); e b) em Dourados o curso é oferecido no turno matutino, no qual a procura é menor, bem como também é oferecido por outra IES – UNIGRAN75. A relação candidato/vaga em Naviraí é alta porque não há outro curso de direito no município, nem próximo à região, bem como o curso é oferecido no turno noturno, o que aumenta a demanda, porque possibilita que os alunos trabalhem durante o dia. As características de ambos os municípios apontam para referidas justificativas, porque demonstram que a maioria dos alunos matriculados no ensino médio o são na rede pública estadual76.

75

Antiga FID que se tornou centro universitário, apesar da denominação. O município de Naviraí tem 36.662 habitantes (32.662 na zona urbana e 4.000 na zona rural) e área territorial de 3.165,2 km2. Sua economia é baseada na plantação de grãos (agricultura), na pecuária e no comércio. Em 2000, havia 1.541 alunos matriculados no ensino médio na zona urbana76, sendo 1.447 na rede pública estadual e 94 na rede privada de ensino. Possui 3 IES: UEMS, Faculdades Integradas de Naviraí e Faculdade de Ciências Contábeis de Naviraí.

76

117

A UNAES foi a segunda instituição a criar o curso de direito no estado nesta década (1990). Foi no ano de 1994 que a UNAES – antiga FIC-UNAES – criou o curso de direito, por meio de decreto federal de 06 de setembro daquele ano, com base no Parecer do CFE nº 596/94, de 09 de junho de 1994, para ser oferecido nos turnos diurno e noturno com 100 vagas anuais para cada período, alegando que o estado de Mato Grosso do Sul, devido à sua localização geográfica, está intimamente envolvido com “questões de natureza político-internacional e meio ambiente e que a maioria dos bacharéis em direito no estado visam a carreiras públicas, restando o exercício da advocacia à mingua”. Por isso, criou o curso para dar oportunidade de se formarem mais advogados que militem na área. (OAB-MS, processo de criação, UNAES, 1999, p. 30-31) O curso teve início no primeiro semestre de 1995. A IES submeteu o projeto à Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB (Processo nº 671/99 CEJ/CF-OAB), em Brasília, para manifestação e obteve parecer favorável ao seu reconhecimento, sob a justificativa de que o curso atendia aos “padrões de qualidade para os cursos de graduação em direito.” (OAB-MS, processo de criação, UNAES, 1999, p. 07) A UNAES é uma faculdade isolada privada-empresarial, mas que aguarda autorização do MEC para transformar-se em centro universitário. A IES surgiu da necessidade do CESUP77 criar mais cursos, e como este deveria ter 80% dos seus cursos reconhecidos, a legislação exigia que o reconhecimento fosse requerido após transcorrida, pelo menos, metade da integralização de créditos da primeira turma do curso, ou seja, se o curso tivesse duração de quatro anos, que a primeira turma estivesse ingressando no O município de Paranaíba possui 38.406 habitantes (32.027 na zona urbana e 6.379 na zona rural), com área territorial de 5.407,5 km2. A principal atividade econômica da região é a pecuária, sendo o maior produtor de leite e de banana do estado. Havia no município, em 2000, 1.714 alunos matriculados no ensino médio (1.533 na rede pública estadual e 181 na rede privada). Possui 3 IES: UEMS, Faculdades Integradas de Paranaíba e Faculdade de Ciências Administrativas. (IBGE, 2000) 77 A UNAES foi criada pelo mesmo grupo empresarial que criou o CESUP. Ver capítulo III, item 2.

118

terceiro ano. Como o CESUP estava no limite dos 80% dos cursos reconhecidos, não poderia criar novos cursos, sob pena de comprometer o processo de credenciamento para transformar-se em universidade. Assim, o CESUP criou as FIC-UNAES, e mais tarde a UNAES (mudança apenas da denominação jurídica). Para viabilizar-se, a instituição firmou contrato de comodato com a Moderna Associação Campograndense de Ensino (MACE) pelo qual, por um período de vinte anos, as instalações daquela escola poderiam ser utilizadas no período noturno pela UNAES. (CABRAL, 2002, p. 45) A instituição iniciou suas atividades com os cursos de direito, pedagogia, ciências contábeis e ciências econômicas. O curso de direito foi autorizado para oferecer 200 vagas, sendo 100 no período matutino e 100 no noturno. Porém, como a IES só funcionava no período noturno, ofereceu, inicialmente, 80 vagas para o curso de direito. O curso foi reconhecido pela Portaria nº 579, de 03 de maio de 2000. Atualmente, a IES oferece o curso nos períodos diurno (desde fevereiro de 2004) e noturno. A UFMS criou dois cursos de direito no mesmo ano (1996), com campus em Campo Grande e outro em Três Lagoas, sob a justificativa de que há demanda reprimida por educação superior pública em todo o estado de Mato Grosso do Sul, principalmente no interior e que o estado carece de profissionais ligados à área jurídica, tendo em vista “os graves problemas que afligem o país (...) A exigência de profissionais éticos e de sólida formação é fundamental para o desenvolvimento harmônico do país.” (OAB-MS, processo de criação, UFMS, 1999, p. 18)

119

A universidade teve sua origem em 1962, com a criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia, em Campo Grande, como universidade estadual, tornando-se o embrião do ensino superior público no sul do estado de Mato Grosso uno78. A Lei Estadual nº 2.947, de 16.09.1969, criou a Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT) com a integração dos Institutos de Campo Grande, Corumbá e Três Lagoas. Em 1970, foram criados os Centros Pedagógicos de Aquidauana e Dourados, incorporados à UEMT. Com a divisão do estado de Mato Grosso, foi concretizada a federalização da instituição, que passou a denominar-se Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul pela Lei nº 6.674, de 05 de julho de 1979. Em 2001, houve a implantação dos campi de Coxim e Paranaíba. Outros dois campi foram criados mas ainda não implantados: Naviraí e Ponta Porã. (Id.Ibidem. p. 19-20) O campus de Campo Grande da UFMS abrange uma extensa área geográficoeducacional que resulta num raio de mais de 500 km; atinge cerca de 100 municípios, incluindo estados e países limítrofes, tais como Paraguai e Bolívia, de onde se origina parte de seus alunos-convênio. Além da sede em Campo Grande, com três Centros (CCBS, CCET e CCHS), a UFMS mantém campi em quatro cidades (Aquidauana, Corumbá, Dourados e Três Lagoas), descentralizando o ensino para atender aos principais pólos de desenvolvimento do estado. (http://www.ufms.br, acesso em 17 de fevereiro de 2004) O curso de direito, no campus de Campo Grande, foi autorizado pelo MEC em 22 de dezembro de 1995, porém teve seu primeiro vestibular em julho de 1995 (vestibular de inverno), disponibilizando 120 vagas, sendo 60 no período matutino e 60 no noturno a partir de agosto daquele ano. Foi reconhecido pela Portaria nº 436, de 15 de fevereiro de 2002. No campus de Três Lagoas79, o curso foi autorizado na mesma data que no campus 78

Ver capítulo anterior. Três Lagoas conta com 79.059 habitantes (quarto maior município do estado em extensão), possuindo 10.206,8 km2 de área territorial. As principais atividades econômicas são a pecuária e o comércio. Em 2000,

79

120

de Campo Grande e ainda não foi reconhecido. Foram autorizadas 100 vagas, sendo 50 no turno matutino e 50 no noturno. (INEP, 2003) Em 1998, a UNIDERP, campus Campo Grande, criou o curso de direito pela Resolução do CONSUN/UNIDERP nº 06, de 30/10/97 com 480 vagas autorizadas, sendo 280 no período diurno e 200 no período noturno sob a justificativa de que o estado de Mato Grosso do Sul apresenta necessidades regionais relacionadas às questões de meio ambiente, agroindústria, serviços, desenvolvimento urbano, comunicações, relações internacionais e magistério jurídico. O curso foi reconhecido pela Portaria MEC nº 699, de 15/04/2003. A instituição não remeteu seu projeto político pedagógico à apreciação da OAB. Note-se que com relação à última justificativa – magistério jurídico -, não há nenhuma disciplina na grade curricular do curso que ofereça esse tipo de preparo ao aluno. Em 2000, a UFMS criou o curso de direito no campus de Dourados, onde já havia os cursos de direito da UNIGRAN e da UEMS, justificado pela grande demanda do curso nos campi de Campo Grande e Três Lagoas: “a demanda pelo curso de direito da UFMS em Campo Grande e em Três Lagoas tem evidenciado a importância de estender a Dourados essa contribuição.” (OAB-MS, processo de criação, UFMS, 1999, p. 22) O curso foi autorizado pelo MEC em 21 de dezembro de 1999 para funcionar com 50 vagas no período noturno. O curso ainda não foi reconhecido. (INEP, 2003) Submetido o projeto de criação do curso à subseção da OAB-MS em Dourados, obteve parecer favorável, tendo, inclusive, expresso apoio da Instituição em ofício ao Presidente da seccional: “permita-nos não só solicitar a participação da Seccional MS, como também, o apoio e empenho pessoal de V.Sa. para a criação do curso de direito pela UFMS (...)” (Id.Ibidem. p. 02)

havia 3.275 alunos matriculados no ensino médio (todos na zona urbana), sendo 2.840 na rede pública estadual e 435 na rede privada. Possui duas IES: campus da UFMS e a AEMS. (IBGE, 2000)

121

Em 2001, a UFMS criou o curso de direito no campus de Corumbá80, onde esse curso ainda não era oferecido por nenhuma IES. O curso foi autorizado a funcionar em 15 de julho de 2001 com 50 vagas no turno matutino, porém, até o momento, não foi reconhecido. (INEP, 2003) Assim, a UFMS oferece o curso de direito nos campi de Campo Grande, Três Lagoas, Dourados e Corumbá, totalizando 200 vagas (100 no período matutino e 100 no noturno). Por ser uma instituição de ensino superior pública-estatal, o curso de direito na UFMS apresenta grande concorrência no estado, como se depreende do quadro abaixo: QUADRO XIII Relação candidato/vaga nos vestibulares 1998-2004 ANO CAMPO GRANDE DOURADOS

TRÊS

CORUMBÁ*

LAGOAS 1998

27,53

-

16,68

-

1999

27,18

-

18,75

-

2000

21,38

16,48 (inv.)

13,06

-

2001

26,67

12,46 (verão)

17,96 (verão)

16,3

37,67 (inv.)

7,7 (inv.)

12,8 (verão)

12,24 (verão)

19,63 (inv.)

9,88 (inv.)

10, 9

12,6

2002 2003

20,45 23,18 (verão)

6,8 8,36

20,18 (inv.) Fonte: quadro elaborado pela autora com base nos dados extraídos de http://www.copeve.ufms.br, acesso em 20 de janeiro de 2004. Não há dados disponíveis dos vestibulares anteriores.

*No campus de Corumbá, só há vestibular de inverno para o curso de direito. ** Vestibular ainda não realizado.

A UFMS não oferece os cursos de direito duas vezes por ano em todos os campi. Neste período – 1998-2004 -, o curso de direito no campus de Campo Grande foi o 80

Corumbá é o maior município do estado em área territorial, possuindo 64.964,9 km2 de extensão e contingente populacional de 95.701 habitantes. Sua atividade econômica preponderante é o comércio, seguido da prestação de serviços; mas ressalta-se, também, a agricultura. Possui os maiores rebanhos bovino, ovino, eqüino, asinino (burros) e muares (mulas) do estado. Em 2000, o ensino médio tinha 3.800 alunos matriculados (todos na zona urbana), sendo 3.003 na rede pública estadual, 108 na rede pública municipal e 689 na rede privada de ensino. Possui 2 IES: campus da UFMS e Instituto Superior do Pantanal (IESPAN). A região é considerada pólo turístico, tendo o maior porto e maior área do estado, aeroporto internacional, fazendo fronteira com a Bolívia. (IBGE, 2000)

122

segundo curso mais concorrido da UFMS, perdendo apenas para o curso de medicina; em terceiro lugar, variaram os cursos de odontologia, administração e enfermagem. Nos vestibulares em que foi oferecido o curso de direito no interior, apresentou-se como o mais concorrido em todos eles, com exceção do vestibular de inverno de 2002 em que perdeu para o curso de enfermagem no campus de Três Lagoas. (http://www.copeve.ufms.br, acesso em 20 de janeiro de 2004) A demanda pelo curso da UFMS no campus de Três Lagoas é grande, porque a maioria dos concluintes do ensino médio é proveniente da rede pública estadual de ensino, representando, em 2002, 83,6% dos alunos (554, sendo 272 no período diurno e 282 no período noturno) e 16,4% na rede privada de ensino (109 concluintes) (SECRETARIA de ESTADO de EDUCAÇÃO, 2003), apesar da existência da AEMS que também oferece o curso de direito, mas é instituição de ensino superior privada-empresarial. No campus de Corumbá, a concorrência é menor porque o município tem poucos concluintes no ensino médio. Em 2002, o município tinha 574 concluintes do ensino médio na rede pública estadual de ensino (sendo 281 no período diurno e 293 no período noturno), representando 75% dos concluintes. Na rede pública municipal apenas 16 alunos no período noturno concluíram o ensino médio neste ano e, na rede privada, foram 175 concluintes (22,8%). (IBGE, 2000) Em Dourados, a concorrência no curso de direito da UFMS é alta, apesar de existirem outras duas IES (UNIGRAN – privada-empresarial - e UEMS – pública-estatal) que oferecem esse curso, porque o número de concluintes no ensino médio é maior, aliado ao fato de que o interesse pelo curso nessa região também é maior, pois é um dos municípios mais próximos da capital, o que parece favorecer o interesse pelos cursos mais concorridos em geral na capital. No caso de Mato Grosso do Sul, o perfil da concorrência nos vestibulares das IES tanto públicas como privadas apontam maior interesse dos alunos 123

para os cursos de administração, direito e ciências contábeis. (INEP, 2003) Na UFMS, os cursos mais concorridos são medicina e direito, tanto na capital como no interior81. (INEP, 2003) Em 2002, 1.620 alunos concluíram o ensino médio no município, sendo 592 (553 no período diurno e 39 no noturno) provenientes da rede privada de ensino e 1.028 (402 no período diurno e 626 no noturno) da rede pública estadual. (SECRETARIA de ESTADO de EDUCAÇÃO, 2003) Depreende-se que a maioria da demanda por ensino superior da região é proveniente da rede pública de ensino do período noturno, o que dificulta ainda mais o acesso às IES públicas-estatais, devido ao nível de concorrência que geralmente é inferior ao daqueles que estudam no período diurno e/ou na rede privada. Embora não seja objeto da nossa pesquisa, é importante ressaltar que vários são os fatores que levam a um número considerável de demanda pelo curso de direito, principalmente a amplitude do mercado de trabalho82, tendo em vista o alto índice de desemprego que assola o país há anos. Outro município a oferecer o curso de direito é Rio Verde de Mato Grosso. A UNIDERP adquiriu as FIRVE (Faculdades Integradas de Rio Verde de Mato Grosso83), passando a constituir o campus IV da Universidade. Em 2000, o Conselho Universitário aprovou (Resolução CONSUN nº 021 de 01/01/2000) a abertura do curso de direito naquele campus, autorizando o funcionamento de 120 vagas no período noturno, sob a justificativa de que o estado de Mato Grosso do Sul enfrenta problemas de natureza social e política e que, por isso, a missão da IES seria “formar não somente um conhecedor de

81

Nesta dissertação, não podemos afirmar por que os alunos se interessam mais pelo curso de direito que em outros cursos, porque esse tema não foi objeto de nossa pesquisa que restou adstrita às categorias de análise expansão e interiorização dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul. 82 Exercício da advocacia como profissional liberal/contratado/concursado, realização de concursos para muitas carreiras jurídicas, como magistratura, promotor de justiça, procurador da República, delegado civil/federal, auxiliares da justiça, ente outros. 83 Rio Verde de Mato Grosso é um município com 8.152,2 km2 de extensão, 18.138 habitantes e economia preponderantemente voltada para a pecuária. Em 2000, tinha 629 alunos matriculados no ensino médio, sendo 564 na rede pública estadual e 65 na rede privada. O campus IV da UNIDERP é o único estabelecimento de ensino superior na localidade. (IBGE, 2000)

124

leis, mas um transformador da sociedade sul-mato-grossense, preparado para denunciar o erro, a injustiça e a opressão(...)” (UNIDERP, campus Rio Verde de Mato Grosso, 2000, p. 8). Embora a IES não tenha submetido o referido projeto à OAB-MS para manifestação sobre sua criação, o curso está em pleno funcionamento. O município de São Gabriel D’Oeste passou a ter educação superior em 2001. A UCDB, em 2000, obteve autorização do MEC (Portaria nº 983, 04/10) para instalar campus no município de São Gabriel D’Oeste84 com a abertura dos cursos de administração rural e direito. O curso de direito foi criado em 2001 pela Resolução do Conselho universitário nº 18, de 11/09, com 60 vagas autorizadas no período noturno, sob a alegação de que a região, embora não muito distante da capital, carecia de profissionais da área jurídica, uma vez que o município “não oferece o ensino superior e um curso jurídico desenvolverá práticas formativas, enriquecedoras e pluralistas, significando um conjunto de forças que coexistirão dialeticamente (...)” mobilizando a ação política na região. (OAB-MS, processo de criação, UCDB, 1998, p. 54) Os docentes do curso pertencem ao quadro de professores da UCDB, campus Campo Grande, e se deslocam para ministrarem as respectivas aulas no curso. O projeto político pedagógico de criação do curso foi submetido à seccional da OAB para manifestação, a qual manifestou-se desfavorável à criação do curso, justificando “não haver condições demográficas para a instalação de um curso jurídico na região”. Alegou, também, que o projeto não relacionou “as demandas locais a projetos de pesquisa e extensão factíveis (...).” (OAB-MS, processo de criação, UCDB, 1998, p. 22)

84

São Gabriel D’Oeste é um município que dista 140 km da capital; possui 3.854,4 km2 de extensão territorial e 16.821 habitantes. Suas atividades econômicas preponderantes são o comércio, a agricultura (maior efetivo suíno e maior produtor de sorgo no estado) e a indústria. Em 2000, tinha 724 alunos matriculados no ensino médio, sendo 697 na zona urbana (582 na rede pública estadual e 115 na rede privada) e 27 na zona rural (rede pública municipal). (IBGE, 2000)

125

Depreende-se do processo de criação do curso que foram várias as manifestações e conversações com a UCDB para a instalação de um campus da Universidade no município. O campus da UCDB é a única IES no município instalada mediante manifestações da sociedade civil e política da região: As famílias e os jovens de São Gabriel ansiavam pela presença benéfica de cursos universitários. Como Prefeito Municipal, urgido pela comunidade e contando com o apoio da Câmara Municipal, ousei solicitar da prestigiada UCDB a instalação de Educação Superior em nossa cidade.” (BARBOSA, 2000, p. 29)

A luta pela instalação do campus foi até Brasília, pois que “os senadores Juvêncio da Fonseca, Ramez Tebet, Lúdio Coelho e diversos deputados federais exerceram, com seu prestígio e oportunas interferências junto ao Ministro da Educação, sua representação de velar pelo progresso do estado, defendendo a importância e justificando a oportunidade da nobre iniciativa.” (Id.Ibidem., p.29)

Alguns jornais da capital e da região noticiaram a abertura do campus, tais como Folha do Povo, Correio do Estado e Primeira hora anunciando que a região de São Gabriel D’Oeste passará a contar com ensino superior de qualidade. (OAB-MS, processo de criação, UCDB, 1998, p. 28-31) As prefeituras da região (Bandeirantes, Camapuã, Chapadão do Sul, Costa Rica, Coxim, Jaraguari, Pedro Gomes, Rio Verde de Mato Grosso, Rio Negro, Sonora), por meio do seu representante oficial, o COINTA (Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Taquari) e a ASSOMASUL (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul) também manifestaram apoio à criação do campus da UCDB em São Gabriel D’Oeste, principalmente à instalação do curso de direito, afirmando que “alegrou-nos a iniciativa da comunidade de São Gabriel D’Oeste em solicitar a implantação de curso de direito na região norte do estado de Mato Grosso do Sul (...) emprestamos solidariedade e encarecemos parecer favorável com a possível brevidade a fim de atender à demanda e à carência de que somos testemunhas.” (Id.Ibidem. p. 92)

126

Constata-se dos documentos apontados que não apenas existe o intento da IES em instalar um campus ou um curso fora de sua sede, para fins educativos, mas também as sociedades política e civil interferem nas decisões relativas à educação superior de sua respectiva região, demonstrando que têm força política. Em 2001 surgiu o curso de direito na Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande (FESCG85) na capital, por meio da Portaria MEC nº 2.264, de 18/10, com 100 vagas autorizadas no período noturno, apresentando cinco justificativas para sua implantação: 1.

“Mato Grosso do Sul é um estado novo;

2.

é uma região de fronteira econômica, com baixa densidade

demográfica e abundância de espaço e recursos naturais; 3.

o estado situa-se no contexto de equacionamento da questão

fundiária, um dos principais problemas políticos do momento no país; 4.

a grande diversidade de fauna e flora transformam a região

em um dos poucos tesouros ecológicos de sua magnitude em todo o planeta; 5.

a localização geográfica vislumbra grandes perspectivas de

comércio dentro e fora do país, com abertura privilegiada para os parceiros do Mercosul.” (OAB-MS, processo de criação, FESCG, 1998, p. 29) Submetido o projeto de criação do curso à OAB-MS e à CEJ/OAB, obteve parecer desfavorável à sua instalação, argumentando que na capital já existem quatro instituições de ensino superior que oferecem o curso de direito, “absorvendo, pois, quase que na sua totalidade, a mão-de-obra qualificada (...)”, bem como que a quantidade de vagas já oferecidas é superior à absorção pelo mercado de trabalho, e “pela falta de

85

A FESCG adquiriu a SEIC (Faculdade de Ciências e Informática de Campo Grande).

127

professor em número suficiente a oferecer ensino de qualidade.” (OAB-MS, processo de criação, FESCG, 1998, p. 24-25) Contudo, o curso de direito foi instalado e encontra-se em funcionamento. Em 2002, no município de Corumbá, foi criado o curso de direito pela IESPAN (adquirida pela UCDB em 2002), por meio da Portaria do MEC nº 3.352, de 05/12, autorizado a funcionar com 100 vagas, sendo 50 no período diurno e 50 no período noturno, sob a justificativa de que a demanda pelo curso é grande no estado e não havia nenhum em Corumbá. (OAB-MS, processo de criação, IESPAN, 1999, p. 95) O curso ainda não foi reconhecido, tendo seu projeto político pedagógico sido submetido à OABMS e Conselho de Ensino Jurídico da OAB federal para manifestação e recebido parecer desfavorável à sua criação: Causa-nos surpresa que referido curso tenha sido autorizado pelo Ministério da Educação pois que temos conhecimento da posição da OAB com relação à multiplicação indiscriminada dos cursos de direito, apontada como causa maior da má qualidade da formação profissional. (Id.Ibidem. p. 02)

Apesar do parecer desfavorável da seccional da OAB de Corumbá à criação do curso de direito no município, algumas entidades da sociedade civil (Rotary Clube, Lions Clube de Ladário, Lions Clube de Corumbá, Lions Clube Pantanal, Lions Clube CorumbáPaiaguás, Loja Maçônica Pharol do Norte, Loja Maçônica Estrela do Oriente, Loja Maçônica Alvorada do Pantanal, Loja Maçônica Constância e Esperança, Loja Maçônica Caridade e Silêncio, Loja Maçônica Álvaro Figueiredo, entre outros) manifestaram apoio à sua instalação: Considerando a necessidade de oferecer mais uma oportunidade aos jovens corumbaenses para optarem por sua formação profissional, ensejando a manutenção da sua convivência familiar, como também a superação das dificuldades financeiras, manifestamos nosso apoio à iniciativa da IESPAN quanto ao seu projeto de implantação do curso superior de ciências jurídicas em Corumbá-MS, onde estamos a 425 km do mais próximo estabelecimento de ensino superior desse gênero. (Id.Ibidem. p. 30-31)

128

A justificativa apresentada por essas entidades para a criação do curso de direito no município pela IESPAN, se deve ao fato de que em Corumbá o primeiro curso de direito surgiu em 2001 no campus da UFMS, data posterior à manifestação dessas entidades (em 1999 - ano de elaboração do projeto político pedagógico do curso). Inobstante parecer desfavorável do Presidente da seccional da OAB em Corumbá, 57 advogados da região (de um total de 98 inscritos ativos) assinaram manifestação de apoio à criação do curso, fato que pressionou a OAB-MS a opinar favoravelmente à instalação do curso no município. (IESPAN, 1999, p. 39-43/65) Contudo, o Conselho de Ensino Jurídico Federal da OAB opinou desfavoravelmente à sua criação. Ainda assim, o curso foi criado em 2002. Esses dados revelam que, apesar da disposição legal contida no art. 17 do decreto nº 2.306/9786, as IES não levam em consideração o parecer da OAB sobre a criação/reconhecimento dos cursos de direito, uma vez que esse parecer não é vinculativo. Sendo universidade ou centro universitário87, em a OAB opinando desfavoravelmente à criação e ao reconhecimento do curso, o processo é encaminhado ao Conselho Nacional de Educação88. Nos demais tipos de IES, o processo é encaminhado primeiramente ao CNE e, depois, à OAB para emitir seu parecer. Assim, o parecer da entidade é apenas consultivo e

86

“Art. 17. A criação e o reconhecimento de cursos jurídicos em instituições de ensino superior, inclusive universidades, dependerá de prévia manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.” 87 “Art.17, §1º. As instituições credenciadas como universidade e aquelas que detenham as atribuições de autonomia previstas no §1º do art.12 deste Decreto submeterão diretamente ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil os pedidos de criação e reconhecimento de cursos jurídicos.” “Art.12, §1º. Fica estendida, aos centros universitários credenciados, autonomia para criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, assim como remanejar ou ampliar vagas nos cursos existentes.” Esse decreto foi substituído pelo decreto nº 3.860, de 09/07/2001, mantendo essas disposições. 88 “Art. 17, §5º. Sempre que houver manifestação desfavorável do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ou inobservância do prazo estabelecido no §3º deste artigo, os pedidos de criação e implantação de cursos jurídicos apresentados por instituições credenciadas como universidade ou por aquelas que detenham as atribuições de autonomia previstas no §1º do art.12 deste Decreto deverão ser submetidos ao Conselho Nacional de Educação, ouvida a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto, que deverá emitir parecer conclusivo.”

129

não conclusivo. Frise-se que a obrigatoriedade é do envio do projeto de criação e reconhecimento do curso jurídico ao Conselho Federal da OAB e não da aceitação/cumprimento do seu parecer. A OAB vem lutando contra essa disposição legal, no sentido de modificá-la, passando a entidade a deter poderes de impedir a criação/reconhecimento dos cursos de direito no país. Essa é uma luta árdua que perdura há muito tempo, desde os idos da década de 196089. No início de 2004, o novo presidente da OAB, Roberto Antonio Busato, propôs ao

Ministro

da

Educação

Tarso

Genro

que

a

opinião

da

entidade

na

criação/reconhecimento dos cursos de direito tenha caráter vinculante. “Se nos últimos três anos nossos pareceres tivessem caráter vinculante, teríamos hoje 200 cursos de direito a menos em funcionamento no país.” (Diário Catarinense, 06/02/2004) Roberto Antonio Busato assumiu a presidência da OAB afirmando que a reforma do ensino jurídico no país será uma de suas bandeiras de luta na gestão 2004-2007, uma vez que considera a expansão dos cursos de direito uma das causas da banalização do exercício da advocacia: “Daí verificarmos uma crescente proletarização da advocacia, agravada pela questão educacional, ou seja, a proliferação dos cursos jurídicos que a cada semestre jogam mais bacharéis no mercado (...) O ensino jurídico é uma questão que devemos tratar com ênfase, pois como está não pode continuar.” (2004, p. 8)

Como resultado imediato dos esforços da entidade, que fez campanha favorável à criação de 18 dos 222 cursos instalados entre 1999 e 2002, apondo “selo de qualidade” em apenas 60 de 215 cursos por ela avaliados, o Ministro da Educação Tarso Genro, em fevereiro de 2004, suspendeu por 90 dias as autorizações para a criação de novos cursos de direito no país. (NALINI, Jornal da Tarde, 27/02/2004) Durante este período, uma equipe do MEC ficou encarregada de estudar e discutir novos critérios para a criação desses 89

Ver capítulo I.

130

cursos. Em setembro de 2004, o Ministro Tarso Genro publicou portarias autorizando a criação de oito cursos de direito, em conformidade com a legislação em vigor, uma vez que ainda não foram publicados novos critérios.90 A intervenção da OAB nas políticas públicas do ensino jurídico no país gera controvérsias entre os estudiosos do assunto: “Suspender a criação de novos cursos nada mais demonstra do que a incapacidade do órgão oficial de cumprir com suas obrigações. E tem mais, muitos desses cursos têm o patrocínio de políticos com força no Ministério para agilizar ou engavetar processos (...) Simplesmente suspender a criação de cursos, francamente, é matar a vaca por incompetência de matar o carrapato.” (SÁ, Jornal O Povo, 02/03/2004) “É, pois, louvável, a iniciativa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados de pedir ao Ministro da Educação a sustação de autorizações para o funcionamento de novas unidades no campo do direito, e a decisão ministerial de atender as ponderações que lhe foram feitas pelo órgão profissional, não permitindo, por determinado tempo, que novas escolas de direito se instalem no país.” (WALD, Jornal Valor Econômico, 19/02/2004)

Inobstante as opiniões desfavoráveis à intervenção política da entidade, a verdade é que ela intervém de fato nas questões do ensino jurídico no país, até mesmo por permissão legal. Isso demonstra que todos esses anos de luta da entidade pela sua inserção no cenário político a fizeram, de certa forma, vitoriosa, pois que consegue resultados positivos em seu favor. Explicável, uma vez que muitos dos políticos congressistas pertencem à entidade, como sempre se configurou no país desde suas origens. Exemplo dessa força política pode ser encontrada nas palavras de um deputado da Frente Parlamentar dos Advogados sobre a posição de recusa do Ministro Tarso Genro em

90

Neste contexto, foi autorizada a abertura de 100 vagas, distribuídas em duas turmas de 50 alunos, em horário noturno, na Faculdade Fênix de Bauru (SP); 80 vagas, em duas turmas de 40 alunos, diurno e noturno, na Faculdade Gama e Souza, no Bairro Bonsucesso, na cidade do Rio de Janeiro (RJ); e 80 vagas, em duas turmas, diurno e noturno, na Faculdade Bom Jesus, em Curitiba (PR). A Faculdade Estácio de Sá, de Vila Velha (ES), terá 100 vagas para duas turmas, diurno e noturno; para o Centro Universitário Central Paulista, em São Carlos (SP), o MEC autorizou 80 vagas, em duas turmas, diurno e noturno; e para o Instituto de Ensino Superior de Bauru (SP), 100 vagas, em duas turmas no horário noturno. [http://www.mec.gov.br, acesso em 09/09/04]

131

conceder à OAB opinião vinculante sobre a criação/reconhecimento dos cursos jurídicos no país: “se o Ministro descartou a idéia, vamos estudar outras medidas. O importante é darmos um basta a essa proliferação irresponsável” (O Estado de São Paulo, 18/02/2004), referindo-se à possibilidade de apresentar projeto de lei concedendo à entidade o poder de veto na criação/reconhecimento dos cursos. Contudo, a OAB não obtém resultados positivos apenas por meio do Congresso Nacional, mas também da justiça, quando propõe ações que visam a esbarrar a criação de cursos jurídicos no país. No início de 2003, o MEC, por meio de resolução, reduziu de cinco para três anos a duração do curso de direito no Brasil. A OAB, inconformada com tal medida, principalmente porque o órgão ministerial não a consultou, interpôs mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça visando a revogar referida resolução, alegando o perigo do aumento da má qualidade dos cursos jurídicos. Em maio do mesmo ano, obteve sucesso no seu intento, tendo o relator da medida judicial asseverado que “medidas extravagantes como a presente, se permitida, só serviriam para alimentar o voraz apetite mercantilista de determinados empresários do setor.” Na opinião dele, esses cursos “poderiam ser usados apenas para apresentar aos olhos do mundo portadores de diploma universitário (...)” E acrescenta: “permitir que um curso de graduação em Direito tenha a duração mínima de três anos e deixar a cada universidade e instituição de ensino superior a escolha do currículo configura clara ofensa aos ditames constitucionais e legais.” (FRANCIULLI NETO, Jornal Estadão, 16/05/2003)

Para fundamentar ainda mais sua decisão, citou como exemplo um curso jurídico no estado do Piauí, criado em 1998, denominado pré-matutino, com funcionamento entre 5h e 8h da manhã, afirmando ser “um descaso com a educação, um exemplo

que

seria

cômico,

não

fosse

trágico.”

(FRANCIULLI

NETO,

http://www.oab.org.br, acesso em 12/09/2003) De acordo com o Conselho Federal da

132

OAB, a entidade não é contra o ensino jurídico, mas “contra a criação desenfreada de cursos sem qualidade”, fato denominado por ela de “estelionato educacional.” (MACHADO, Jornal Estadão, 02/12/2003) A entidade, todos os anos, divulga uma lista com os cursos de direito por ela recomendados. É como se fosse um “selo de qualidade” dos cursos; como se apenas aqueles cursos listados por ela fossem de qualidade garantida. Assim, ela acaba por reforçar sua força política no cenário nacional, opinando sobre questões como, por exemplo, o ensino jurídico no país, apesar de, praticamente, não possuir em seus quadros pessoas aptas a fazerem tal julgamento. Segundo afirma o Vice-Reitor da UCAM, “que haja preocupação da entidade de classe com o ensino é elogiável, que se intrometa na seara, desconhecendo os seus meandros e despida de formação adequada para avaliar os procedimentos educacionais, é de se lamentar.” (Folha Dirigida, 05/02/2004) A oposição da entidade profissional, no caso OAB, se deve mais à preocupação da mesma com o inchaço no sistema de profissionais não preparados teórica e tecnicamente (qualidade do ensino), que a intentar opinar sobre o ensino superior em si. Edson Nunes reforça essa idéia e, ainda, afirma que é coerente e pertinente a participação destas entidades na criação de novos cursos no país. Não é possível mais do que dobrar a oferta de ensino superior e manter simultaneamente a qualidade do ensino, pelo simples fato de existir menos gente ensinando, e mais gente sendo incorporada. Nenhum sistema é capaz de se reproduzir a essa taxa de crescimento, sem que haja perda de qualidade. Há uma impossibilidade numérica nesse sentido: denominador muito grande, comparado com numerador diminuto. Portanto, persiste o problema de zelar pela qualidade e garantir o nãoaviltamento profissional, que é o que têm dito as corporações profissionais, para justificar sua oposição à abertura de novos cursos. Mas o PNE, em suma, a lei, manda expandir o ensino superior, ao mesmo tempo em que o país, pelo registro do discurso de seus governantes, acadêmicos e empresários, tem consciência de que é preciso aumentar em muito o contingente de estudantes no ensino superior. Este, de fato, é pífio em comparação internacional, enquanto os profissionais insistem em dizer que já existem profissionais demais. (...) quem está com a razão: as corporações, ou o PNE, ou a elite governamental e empresarial? Dadas

133

dificuldades e necessidades do país é possível supor que todos têm razão. (NUNES, 2003, p. 7)

Os critérios de avaliação adotados pela entidade levam em consideração: egressos dos cursos no Exame de Ordem da OAB; resultado no Exame Nacional de Cursos; qualidade das bibliotecas; existência de centros de pesquisa; existência e desempenho de núcleos de prática forense; existência e efetiva utilização de laboratórios de informática jurídica; instalações físicas; qualidade do corpo docente; existência de publicações próprias; número médio de aluno por sala de aula91; publicações do corpo docente;

avaliação

do

projeto

didático-pedagógico;

existência

de

atividades

complementares; existência de projetos de extensão universitária; programas de autoavaliação institucional; e exame das condições de oferta dos cursos. (CASTRO, 2000, p. 23) Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB-SP, assevera que “o esforço pela recomposição dos níveis de qualidade do ensino do direito começa pelo combate às escolas e cursos com escopos defasados e improvisados, destituídos da visão do futuro, sem estrutura e com deficientes quadros docentes.” (Folha de São Paulo, 24/06/04, A3) Segundo dados do INEP, em 2003, o MEC autorizou, pelo Sistema Federal de Ensino, que abrange as instituições federais e privadas, 72 cursos de direito, o que revela uma redução de 41% em relação a 2002, que encerrou o período com 123 novos cursos na área jurídica. Havia no Brasil 705 cursos no final de 2003, sendo 655 autorizados pelo MEC e 50 consentidos por estados e municípios, os quais submetem seus pedidos de abertura de cursos aos respectivos Conselhos Estaduais de Educação. Em 2004, até o dia 06 de fevereiro, o MEC havia permitido a criação de apenas 7 novos cursos de direito,

91

A OAB recomenda 60 cursos.

134

enquanto outros 450 pedidos aguardavam autorização do MEC e do CNE. (INEP, Informativo nº 28, 02/03/04) Depreende-se do gráfico a seguir que o curso de direito no Brasil, no período entre 1995 a 2003, cresceu 69%: Gráfico nº 7 - Evolução do número de cursos de Direito no Brasil*

Fonte: Inep/MEC * Inclui somente os cursos autorizados pelo MEC

Em Mato Grosso do Sul, não houve pedido de autorização para criação de curso jurídico em 2003, nem encaminhamento para parecer às OAB seccional e federal. O quadro XIII revela que a partir da década de 1990, em Mato Grosso do Sul, o número de advogados ativos inscritos triplicou, saltando de 661 em 1980 para 2.533 em 1991. Esse aumento se deve ao surgimento de novos cursos de direito no estado, porque o número de advogados ativos inscritos vindos de outras regiões do país é insignificante. Os municípios que oferecem o curso de direito, como Campo Grande, Corumbá, Dourados, Naviraí, Paranaíba, Ponta Porã, São Gabriel D’Oeste e Três Lagoas, apresentam maior número de advogados ativos inscritos que as demais localidades do estado. Fato agravante é que esse número revela apenas aqueles que estão com suas anuidades em dia com a entidade, não computando os inadimplentes, nem muito menos os bacharéis (aqueles que 135

não fizeram o Exame de Ordem para se tornarem advogados). Assim, o número de pessoas formadas em direito é bem maior que a listagem apresentada. No Exame de Ordem de agosto de 2004 em Mato Grosso do Sul, 68% dos inscritos não foram aprovados, apresentando mesmo nível de aprovação da média nacional, ou seja, em torno de 30%. (Jornal OAB-MS, agosto de 2004, p. 7)

136

QUADRO XIV Evolução do número de advogados ativos inscritos na Seccional da OAB-MS SUBSEÇÃO

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

AMAMBAI

5

8

8

8

11

11

13

15

16

16

18

18

20

21

22

23

26

27

32

36

39

41

44

APARECIDA DO TABOADO

6

7

8

8

9

9

12

13

13

13

13

13

13

13

14

14

14

14

15

17

19

21

23

47 25

AQUIDAUANA

8

9

10

11

15

18

20

22

25

30

32

34

38

40

44

45

53

56

57

58

59

61

64

66

BATAGUASSU

1

2

4

5

5

5

5

5

6

8

8

8

8

8

9

10

12

15

19

19

21

23

25

28

BELA VISTA

1

4

4

4

4

5

5

6

6

6

6

6

6

6

6

7

8

8

8

8

10

10

10

11

BONITO

2

3

4

6

6

7

8

9

10

10

11

12

12

13

14

15

15

16

16

17

18

18

22

25

CAARAPO

1

1

2

2

2

3

3

5

6

7

8

8

8

9

9

10

13

14

15

15

18

18

22

29

2

3

4

5

6

8

8

9

11

11

12

12

12

13

13

15

16

17

19

20

20

21

22

425

523

625

722

811

915

4

8

10

11

12

12

CAMAPUA CAMPO GRANDE CASSILANDIA

1019 1152 1258 1333 1420 1538 1640 1797 1952 2157 2303 2435 2558 2743 3021 3215 3455 3755 13

14

15

16

18

18

20

21

24

25

27

27

29

31

33

36

36

38

CHAPADAO DO SUL

2

2

2

2

2

2

2

3

4

5

5

5

5

5

6

7

9

9

11

13

15

17

18

18

CORUMBA

25

25

27

31

37

40

44

50

52

53

55

62

67

70

75

82

87

92

97

98

105

112

114

115

1

4

4

4

6

6

8

10

10

10

10

12

13

13

14

14

15

18

18

18

20

23

24

COSTA RICA COXIM

12

12

14

16

19

21

23

25

26

27

29

32

37

42

45

46

48

51

55

59

63

63

66

68

DOURADOS

43

58

78

89

116

130

152

184

200

210

229

253

279

304

331

398

441

459

475

508

553

577

621

670

ENDERECO FORA DO ESTADO

50

58

74

85

96

113

132

149

158

165

175

183

202

214

235

260

277

294

306

319

340

348

362

380

FATIMA DO SUL

3

4

7

8

8

8

8

10

11

12

12

14

16

17

22

29

31

31

34

43

47

52

59

62

IVINHEMA

1

1

2

2

4

4

4

4

4

4

4

5

5

5

9

9

10

10

10

11

11

12

14

16

JARDIM

2

4

6

6

9

9

11

14

14

17

18

21

23

24

30

33

36

40

43

48

52

54

57

63

MARACAJU

1

2

4

5

6

6

8

8

9

11

11

11

12

12

13

17

19

20

23

23

25

27

30

34

MIRANDA

2

2

2

3

3

5

5

6

6

8

8

10

12

12

12

13

15

15

15

17

18

18

19

20

MUNDO NOVO

3

3

5

5

5

5

5

6

6

6

7

8

11

11

12

13

14

15

15

15

20

28

31

35

NAVIRAI

6

6

8

9

9

9

11

13

15

15

15

17

17

18

23

25

27

29

33

36

40

41

44

45

NOVA ANDRADINA

6

7

7

10

12

18

20

22

25

28

29

29

30

32

35

37

39

45

48

53

59

66

70

73

PARANAIBA

11

13

18

21

22

25

27

34

38

40

44

47

50

51

53

58

62

64

66

69

75

80

86

95

PONTA PORA

17

19

24

28

33

38

41

44

46

47

52

54

60

63

66

69

76

82

89

90

97

104

111

118

1

1

1

1

1

4

4

5

7

7

8

10

10

13

13

15

16

16

18

18

20

24

RIO BRILHANTE

4

5

7

8

9

12

12

12

12

15

17

18

19

21

23

23

26

26

29

30

34

36

36

39

SAO GABRIEL D OESTE

1

2

3

3

3

4

4

5

5

6

6

7

8

9

9

10

12

14

14

16

16

17

18

22

1

2

2

3

5

6

6

7

10

11

12

13

13

15

16

18

19

19

23

30

34

38

41

48

52

57

61

65

68

72

76

85

95

98

103

109

117

127

142

161

182

661

814

RIBAS DO RIO PARDO

SIDROLANDIA TRES LAGOAS

1001 1151 1316 1488 1670 1903 2068 2197 2346 2533 2728 2955 3221 3580 3851 4069 4285 4575 5006 5311 5700 6168

Fonte: quadro fornecido pela OAB-MS, 2003. OBS. O município de Rio Verde de Mato Grosso não consta no quadro porque pertence à subseção de Coxim.

137

Analisando os projetos de criação dos cursos de direito das IES do estado de Mato Grosso do Sul, extraímos alguns elementos comuns a todos e que se relacionavam direta ou indiretamente com nossas categorias de análise – expansão/interiorização, público/privado. Os quadros XV e XVI trazem esses elementos em síntese, demonstrando que praticamente seus fundamentos não diferem entre uma instituição e outra de ensino superior, revelando que os projetos, em verdade, não analisam o contexto da região para implantarem os cursos de direito, demonstrando que a expansão/interiorização destes no estado é um fenômeno resultante da ausência de políticas públicas para a educação superior e descaso do governo federal quanto à fiscalização das IES.

138

QUADRO XV Perfil dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul – capital IES UEMS UFMS UNAES FESCG UNIDERP

IES

JUSTIFICATIVA DE CRIAÇÃO Anseio da população. Ausência do curso na rede pública Necessidade regional

CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DE EDUCAÇÃO DA IES

UEMS

UFMS

Educação voltada para a formação de profissionais éticos e produtores de conhecimento.

UNAES

Crescimento humano e desenvolvimento sócio-econômico

UNIDERP

PERFIL PROFISSIOGRÁFICO

Formar bacharéis em ciências jurídicas aptos para inserirem-se em setores profissionais. Atender à demanda reprimida pelo curso na rede pública. Propiciar a formação operadores do Direito

de

Ambiente sócio-econômico Formar operadores jurídicos com favorável. preparo intelectual. Necessidade regional. Formar profissional preparado para atender as necessidades regionais.

Educação voltada para a formação de profissionais aptos a atuarem no mercado, com ética e cidadania.

FESCG

OBJETIVOS DO CURSO

Formar especialistas de nível superior. Busca formação integral do acadêmico, habilitando-o ao mercado de trabalho.

PERFIL DO CURSO

Formar profissional com competência técnica, Curso voltado para discussão de temas bagagem teórica e consciente de sua cidadania. centrais da realidade jurídico-social do estado. Formar bacharéis com consciência crítica e Voltado para os problemas humanos e profissionais com sólida formação humanista, éticos do estado. técnico-jurídica e prática. Visa a formar um profissional capacitado a Voltado para as necessidades regionais atuar em todas as áreas de conhecimento do Direito Preparar operadores do Direito para a cidadania Criar bases para uma atuação consciente plena. e inovadora na área do ensino jurídico. Visa a formar profissional para atuar como Curso voltado para as necessidades liberal, como servidor público e como regionais, principalmente para oferecer profissionais para atuarem no vinculado a instituições privadas. MERCOSUL.

INTERFERÊNCIA DAS POSTURA DA OAB NA SOCIEDADES CIVIL E POLÍTICA CRIAÇÃO/RECONHECIME CORPO DOCENTE NA CRIAÇÃO DO CURSO NTO DO CURSO A maioria não tem titulação acadêmica, sendo Manifestação da comunidade local, por Favorável à criação. seu corpo formado por magistrados, meio de instituições organizadas, promotores e demais cargos de carreira autoridades políticas, entidades pública. A maioria tem contrato de trabalho profissionais, sindicatos e comunidade temporário. estudantil. Autoridades políticas, entidades Favorável à criação A maioria não tem titulação acadêmica, sendo profissionais, sindicatos e comunidade seu corpo formado por magistrados, estudantil. promotores e demais cargos de carreira pública. A maioria tem contrato de trabalho temporário. Não apresentou Favorável ao reconhecimento. Formado, na maioria, por profissionais liberais e concursados, os quais lecionam também em outras instituições, como UCDB e UNIDERP. Não apresentou. Desfavorável à criação. Formado, na maioria, por profissionais liberais e concursados. Não apresentou. Não submeteu o processo de Não foram obtidas informações a respeito. criação à entidade.*

* Frise-se que as universidades têm autonomia para criar cursos e vagas sem autorização prévia do MEC, segundo determinação legal (Decreto nº2.306/97, arts.11/17)

139

QUADRO XVI Perfil dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul – interior IES UEMS UFMS (campi Três Lagoas e Corumbá) UCDB (campus São Gabriel D’Oeste) UCDB (campus Corumbá) UNIDERP (campus Rio Verde de Mato Grosso)

JUSTIFICATIVA DE CRIAÇÃO Anseio da população. Ausência do curso na rede pública

OBJETIVOS DO CURSO Formar bacharéis em ciências jurídicas aptos para inserirem-se em setores profissionais. Atender à demanda reprimida pelo curso na rede pública.

Ausência de curso superior na região. Preparar o bacharel em direito segundo os princípios cristãos da verdade, justiça, solidariedade e liberdade de modo a propiciar a formação integral do homem e do profissional. Ausência de curso jurídico no Formar bacharéis com município aliado à grande demanda. conhecimento teórico e prático. Necessidade sócio-econômica- Proporcionar ao bacharel política do estado de MS. conhecimentos especiais sobre Direito Público.

PERFIL PROFISSIOGRÁFICO Formar profissional com competência técnica, bagagem teórica e consciente de sua cidadania. Formar bacharéis com consciência crítica e profissionais com sólida formação humanista, técnico-jurídica e prática. Formar profissional com conhecimentos práticos, técnico-jurídicos, sócio-políticos e aptos a dialogarem com profissionais de outras áreas. Preparar profissionais aptos a atuarem em questões regionais. Preparar profissionais para atuar em situações que envolvam as peculiaridades regionais e a realidade do estado.

PERFIL DO CURSO Curso voltado para discussão de temas centrais da realidade jurídicosocial do estado. Voltado para os problemas humanos e éticos do estado. Preparar profissionais para atuarem em situações que envolvam as peculiaridades regionais.

Voltado ao contexto sócio-políticoeconômico da região. Atender às necessidades de formação sócio-política, técnicojurídica e prática do bacharel.

INTERFERÊNCIA DAS SOCIEDADES POSTURA DA OAB NA CORPO DOCENTE CIVIL E POLÍTICA NA CRIAÇÃO DO CRIAÇÃO/RECONHEC CURSO IMENTO DO CURSO A maioria não tem titulação Educação voltada para a formação de Manifestação da comunidade local, por meio Favorável à criação. acadêmica, sendo seu corpo formado profissionais aptos a atuarem no de instituições organizadas, autoridades por magistrados, promotores e demais políticas, entidades profissionais, sindicatos e mercado, com ética e cidadania. UEMS cargos de carreira pública. A maioria comunidade estudantil. tem contrato de trabalho temporário. Não tem informação. políticas, entidades Favorável à criação Educação voltada para a formação de Autoridades UFMS (campi Três Lagoas profissionais éticos e produtores de profissionais, sindicatos e comunidade estudantil. conhecimento. e Corumbá) UCDB Buscar formação acadêmica Manifestação da comunidade local, por meio Desfavorável à criação. A maioria tem titulação acadêmica e (campus São Gabriel comprometida com o bem estar de instituições organizadas, autoridades são professores do campus Campo D’Oeste) físico, social e espiritual do homem. políticas e entidades profissionais. Grande. Educação voltada para as Manifestação da comunidade local, por meio Favorável à criação. A maioria tem titulação acadêmica e UCDB alguns professores são do campus necessidades regionais. de instituições organizadas e entidades (campus Corumbá) profissionais. Campo Grande. Formar profissionais transformadores Não apresentou. Informação não disponível. A maioria não tem titulação UNIDERP acadêmica. (campus Rio Verde da sociedade sul-mato-grossense. de Mato Grosso) Fonte: quadros elaborados pela autora com base nos dados extraídos dos processos de criação/reconhecimento dos cursos de direito das IES cedidos pela OAB-MS. IES

CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DE EDUCAÇÃO DA IES

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Os elementos de análise indicam que a expansão e a interiorização dos cursos de direito no estado se deram de forma desordenada, uma vez que estavam em desconsonância com o contexto sócio-econômico das localidades onde foram implantados os cursos. A criação do curso em Ponta Porã, pela FIP (adquirida pela UNIDERP), em 1999, não se justificava, pois que Dourados (município bem próximo àquela localidade) já ofertava o curso em duas instituições: UEMS (pública-estatal) com 50 vagas anuais e UNIGRAN (privada-empresarial) com 480 vagas anuais. Ponta Porã possuía, em 2000, 5 IES privadas-empresariais e 1 campus da UEMS. No mesmo ano, matricularam-se no ensino médio 3.060 alunos, sendo 2.584 na rede pública estadual (zona urbana) e 69 (zona rural), e 407 na rede privada. O curso de direito criado pela UCDB92 em 2001, em São Gabriel D’Oeste, também não se justificava, porque o município é próximo da capital e de Rio Verde de Mato Grosso, onde já havia o curso implantado pela UNIDERP em 2000, que por sua vez também não deveria ter sido criado, pois que, neste mesmo ano, tinha apenas 629 alunos matriculados no ensino médio. A justificativa para criação dos cursos de direito no estado pode ser caracterizada como bipolar, tanto no setor público quanto no setor privado. O primeiro apresentou: a) ausência do curso na rede (UFMS) e b) anseio da população (UEMS). O segundo: a) necessidade regional e b) ambiente socioeconômico favorável. Assim, pode-se inferir que o setor público não apresentou justificativas específicas para a criação dos cursos de direito, uma vez que essas razões são também apresentadas em qualquer outro curso criado por esse setor. Já o setor privado enfocou a questão 92

Os cursos de direito da UCDB na capital e da UNIGRAN (antiga FID) em Dourados não aparecem no quadro acima, porque foram criados em 1965 e 1976 respectivamente, época na qual a legislação não exigia projeto político pedagógico para autorizar a criação de cursos superiores.

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econômica como viés primordial na criação dos cursos, conferindo-lhe caráter eminentemente mercadológico, com exceção do curso criado pela UCDB, campus São Gabriel D’Oeste, que apresenta proposta filosófica diferenciada de educação, ou seja, educação voltada para o ser humano (instituição de educação superior comunitária confessional). É importante ressaltar que não foram encontrados, nos projetos e processos de criação e reconhecimento, sinais de internacionalização dos cursos de direito em Mato Grosso do Sul. Porém, pode-se extrair desses documentos que alguns deles apontam, como um dos perfis do curso, a existência do MERCOSUL na região. Isto é, formar profissionais aptos a trabalharem nesse campo, como se depreende dos projetos a seguir: Ainda, em relação à posição geográfica de Mato Grosso do Sul, observa-se que o estado faz divisa com dois países: o Paraguai e a Bolívia, o que sem dúvida influencia a comunidade regional, principalmente porque o mercado econômico ultrapassa as fronteiras com o MERCOSUL. (UNIDERP, Campo Grande, 1998, p. 2) Quanto à realidade específica de Mato Grosso do Sul, é indispensável que um curso de direito, comprometido com sua região, esteja identificado com suas peculiaridades (...) [concentrando disciplinas afins ao direito internacional] tendo em vista a localização em zona fronteiriça, bem como sua proximidade do bloco econômico MERCOSUL. (OAB, FESGC, 1998, p. 58) O modelo proposto pela FIC, o de uma Instituição voltada para a problemática do meio onde está inserida, objetiva a integração dos países fronteiriços (Paraguai e Bolívia), a elevação dos níveis econômico, social e cultural das comunidades sob sua área de influência (...) (OAB, UNAES, 1999, p. 10)

No que concerne ao movimento de interiorização, na década de 1990, dos cursos de direito no estado, nas categorias público/privado, foi mais acentuado no setor público que no privado: 5 cursos foram criados pelas públicas-estatais (UFMS e UEMS)

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nos municípios de Dourados, Três Lagoas, Naviraí, Corumbá e Paranaíba; e 393 pelo privado: em Ponta Porã, Rio Verde de Mato Grosso e São Gabriel D’Oeste (UNIDERP, FIP94, UCDB). Esse movimento acentuado no setor público está relacionado com as manifestações da sociedade civil (principalmente da comunidade estudantil95, porque apenas a rede privada oferecia o curso de direito na localidade, inclusive na capital) em prol do ensino público no interior do estado, mais especificamente com o curso de direito, aliado ao movimento de expansão das vagas no ensino superior público, como previsto no PNE, ou seja, de cumprir a meta de matricular 30% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior até o final de 201096. Edson Nunes afirma que o Brasil, para atingir essa meta, terá que quadruplicar o sistema, o que corresponderia a ter matriculados no ensino superior cerca de 7 milhões de estudantes. No entanto, o número de matriculados seria maior, cerca de 12 milhões de estudantes, se adicionarmos ao contingente de 18 a 24 anos, aqueles que estão fora da idade-alvo e cursam o ensino superior. (2003, p. 2)

Assim, as universidades públicas, na década de 1990, começaram a implementar ações que visassem à expansão do sistema, por meio do aumento no número de vagas, expansão dos cursos noturnos e diminuição do quadro docente (por meio de incentivos a aposentadorias), sem, contudo, aumentar os custos das IES.97

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Os cursos da AEMS, em Três Lagoas, e da IESPAN, em Corumbá, não foram considerados como resultantes da interiorização, devido ao conceito utilizado nesta dissertação sobre referido movimento. O curso da IESPAN foi criado antes de a IES ser adquirida pela UCDB. Então, não era campus da universidade. 94 Adquirida pela UNIDERP; agora é campus da universidade. 95 Como apontado no início deste capítulo, a UEMS instalou o curso de direito em Paranaíba e Três Lagoas, depois Dourados e Naviraí porque a comunidade local se manifestou favorável. Já a UFMS, também apresentou, no processo de criação do curso, manifestações da sociedade local em favor da instalação do curso de direito pelo setor público. 96 Segundo estimativas do IBGE, em 2000, a população de jovens entre 18 e 24 anos era de 23.693.161 pessoas. Em 2006, atingirá o montante de 24.017.640 de pessoas, caindo para 23.340.958 em 2010. (IBGE, 2000) 97 Nelson Cardoso Amaral, da UFG, realizou pesquisa entre 1995 e 2001 enfocando a questão do custo/aluno das IFES, concluindo, entre outros fatores, que os recursos caíram 26,5% e o número de alunos cresceu 40% neste período, revelando que “um dos principais objetivos das reformas implantadas no País seguiram as mesmas diretrizes pós-crise do Estado de Bem-Estar Social (...) Devemos ressaltar

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Como recompensa a este ajuste, as cotas de concessão de recursos provenientes do MEC privilegia a quem favorece a expansão com menos gastos, o que tem induzido as instituições públicas ao estabelecimento das “parcerias” como forma de suprir recursos deficitários e sustentar o crescimento. (BITTAR; SILVA; VELOSO, 2004, p. 155)

Dessa forma, no que pertine ao perfil dos cursos de direito nos setores público e privado, pode-se afirmar que apresenta características muito similares: a) grande número de vagas no período noturno; b) movimento de expansão acelerada das vagas, com baixos custos; c) maioria do corpo docente que transita (trabalha) nos dois setores; e d) realização de pesquisa de forma ainda incipiente. O movimento de interiorização vem em conseqüência dessa expansão desordenada, principalmente, do sistema público, que considerou o movimento como uma alternativa para o cumprimento da disposição legal prevista no PNE para a educação superior de atender 30% dos jovens na faixa etária entre 18 e 24 anos. Quanto ao corpo docente das IES, que oferecem o curso de direito em Mato Grosso do Sul, foi possível denotar algumas características preponderantes: a) o quadro de professores em todas elas é praticamente o mesmo; b) a maioria não tem titulação acadêmica (mestrado/doutorado), sendo formada por profissionais concursados considerados “autoridades” (magistrados, membros do Ministério Público, advogados de renome, entre outros); e c) grande parcela deles desloca-se de um município para outro para ministrar aulas. O fato de não possuírem titulação acadêmica, sendo apenas contratados (maioria) por serem profissionais liberais ou concursados, favorece a expansão dos cursos, pois facilita a criação dos mesmos com lotação desses professores (há profissionais da área em todos os municípios; e, por conseqüência, o valor da ainda que essa expansão ocorreu, entretanto, com a redução no número de professores; eram, pelos dados da ANDIFES, 48.439 docentes em 1990 e 41.900 em 2000.” 26ª Reunião Anual da ANPED, GT11, p.1011. Disponível em [http://www.anped.org.br, acesso em 25 de março de 2004]

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hora/aula é menor, barateando o custo das IES tanto privadas como públicas). No caso das IES públicas-estatais, a legislação permite contratação de professores substitutos (contratos temporários) o que afasta a vinculação com a IES e com o curso, impedindo a realização de pesquisas e comprometendo a qualidade98 do curso. Eunice Ribeiro Durham99, em parecer sobre autorização e reconhecimento de cursos jurídicos, afirmou que (...) é essencial que, na avaliação do corpo docente, reconheça-se que experiência profissional pode ser tão ou mais importante que titulação acadêmica, especialmente em cursos de cunho profissionalizante. Assim, por exemplo, no Curso de Direito, a experiência na magistratura ou no exercício da advocacia ou aprovações em concursos públicos podem compensar, com vantagens, a ausência de mestres e doutores, ou um número reduzido deles. (apud RODRIGUES; JUNQUEIRA, 2002, p. 433)

Assim, as políticas públicas favorecem a expansão dos cursos de direito no Brasil, seja por medidas de cunho econômico, seja por meio de autorizações que possibilitem flexibilizar currículos e quadro de docentes nas IES. Não sendo obrigatória a existência de mestres e doutores em seus quadros, as IES procuram manter o mínimo possível deles, diminuindo, assim, seus custos quer em relação a pagamentos salariais, quer em relação à capacitação acadêmica. Quanto à categoria de expansão, na década de 1990, o setor privado cresceu mais que o público, pois foram 9 cursos criados (UNAES, AEMS, UNIDERP100, FIP, FESCG, UCDB, ICGES e IESPAN) contra 6 no setor público, fato resultante das prescrições normativas positivadas para alavancar o setor privado quando classificou as IES em 6 tipos distintos: 1) Universidades; 2) Centros Universitários; 3) Faculdades; 4) 98

Entendida, neste trabalho, como concepção de empregabilidade. Ver nota de rodapé p. 76. Assessora do MEC durante alguns anos no governo FHC. Parecer nº 1.070, 23/11/99. Neste parecer e em outros anexados ao trabalho de RODRIGUES e JUNQUEIRA, à experiência profissional foi dado o mesmo peso (40) que a titulação na avaliação das IES (referentes aos cursos de direito). 100 Campi Campo Grande e Rio Verde de Mato Grosso. 99

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Faculdades Isoladas; 5) Centros de Ensino Tecnológico; e 6) Institutos ou Escolas Superiores de Educação. Edson Nunes afirma que “esta taxionomia foi muito mais um construto com objetivo regulatório do que produto de uma reflexão sobre educação superior.” E ainda acrescenta que essa classificação legal assumiu o papel de “por um lado, incentivar o crescimento, principalmente do setor privado e, por outro lado, de servir de balizamento para as regras regulatórias e de supervisão.” (2003, p. 1-2) Dessa forma, a expansão dos cursos de direito na rede privada no estado acompanhou o crescimento da educação superior no país na década de 1990, na qual tinha 1.778 alunos matriculados em 1991 e 5.703 em 2002, apresentando aumento de mais de 300% na área. (INEP, 1991-2002) Porém, essa expansão não só é desordenada pelo alto crescimento numérico do curso, como também o é pela incompatibilidade do mesmo com o contexto sócioeconômico do estado de Mato Grosso do Sul. Como já salientado, o estado tem economia baseada na agropecuária, em todas as regiões. Em tese, o ensino superior, segundo prescrições legais, principalmente do PNE101 e do PEE102, deveria levar em consideração as necessidades regionais para implantação de cursos superiores. Todavia, essas prescrições não foram atendidas, sequer pelo próprio governo federal, pois os cursos receberam autorização do MEC para sua criação/reconhecimento. Os cursos que mais se expandiram no estado foram: administração, direito e ciências contábeis, em vez

101

Lei nº 10.172/01, parte B, subitem 4.3, nº 11. “Estabelecer, em nível nacional, diretrizes curriculares que assegurem a necessária flexibilidade e diversidade nos programas de estudos oferecidos pelas diferentes instituições de educação superior, de forma a melhor atender às necessidades diferenciais de suas clientelas e às peculiaridades das regiões nas quais se inserem.” 102 Lei nº 2.791, 30/12/03, estabeleceu, como diretriz para a educação superior no estado de Mato Grosso do Sul, “a promoção do desenvolvimento do estado a partir da identificação e do investimento nas potencialidades regionais; e o comprometimento da educação superior com a realidade socioeconômica do estado.”

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de medicina veterinária, zootecnia, biologia, comércio exterior103 (devido aos limites do estado, servindo de ligação para o Mercosul), agronomia, ciências biológicas, engenharia sanitária e ambiental, turismo104, entre outros. Assim, é possível afirmar que a qualidade dos cursos está relacionada aos mecanismos de democratização do acesso à educação superior, bem como a sua estruturação prevista no projeto político pedagógico, incluindo corpo docente, justificativa, objetivos e perfis do curso. Depreende-se dos projetos analisados nesta dissertação, que a expansão e a interiorização dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul estão intimamente relacionadas com as políticas públicas implementadas pelos governos federal e estadual, evidenciando a ausência de fiscalização do órgão competente para impedir a proliferação de cursos sem estrutura mínima de funcionamento. “Não é possível quadruplicar um sistema em 15 ou 20 anos, sem perda de qualidade. Há uma contradição numérica nesse processo.” (NUNES, 2003, p. 7)

103

Esse curso, agora, é habilitação do curso de administração. Porém, essa subárea não teve crescimento significativo. 104 O estado tem potencial de ecoturismo.

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CONCLUSÕES

Nesta pesquisa procurou-se analisar o processo de expansão e interiorização dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul e sua relação com as políticas públicas de educação superior no Brasil. O surgimento dos cursos de direito no estado de Mato Grosso do Sul foi iniciado pelo setor confessional comunitário na década de 1960, com a criação da Faculdade de Direito de Campo Grande. Mais tarde, na década de 1970, a iniciativa privada empresarial instalou no interior do estado a sua primeira faculdade. Somente na década de 1990, foi possível visualizar os fenômenos da expansão e da interiorização desses cursos no estado, tanto pela iniciativa privada empresarial, como pela pública estatal. No entanto, pode-se afirmar que essa expansão está articulada ao processo de interiorização, uma vez que muitos cursos foram criados no interior, e dele se expandiu para outros municípios do estado. Na capital do estado, hoje, há 6 cursos de direito; no interior, 12 cursos. Esse movimento de expansão, nesta dissertação, foi caracterizado como desordenado, pois ocorreu em desconsonância com a legislação vigente que estabelece uma vinculação entre o curso a ser criado e o contexto sócio-econômico da localidade. Outro ponto relevante é a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho, motivo que deveria levar em consideração o contexto sócio-econômico de cada região e

a saturação de profissionais ligados à área nessas localidades. Até 2003, havia 6.168 advogados ativos inscritos na OAB-MS, além daqueles que estão afastados por alguma razão e daqueles que estão inadimplentes com a entidade, os quais não são computados nesse número. (OAB-MS, 2003) É também na década de 1990, que o movimento de interiorização se iniciou no estado, tendo como precursora a UEMS, que criou sua sede no interior e dele foi se estendendo a outros municípios do estado. Antes desta década, pode-se asseverar que não houve esse movimento, pois, no interior, foi criado apenas um curso de direito (primeiro curso de direito criado em 1976 pela iniciativa privada empresarial). Assim, o movimento de expansão articulado ao de interiorização somente se iniciou na década de 1990 com a instalação da UEMS, universidade pública estatal caracterizada essencialmente por atender demanda reprimida por educação superior no interior do estado. Assim, nesta dissertação os processos de expansão e interiorização dos cursos de direito no estado fundamentam-se sob três aspectos: a) criação de campi pelas instituições públicas e privadas; b) abertura do curso de direito pela UEMS em vários municípios, em situação temporária, até que a demanda seja atendida (os vestibulares são esporádicos); e c) movimento estratégico das universidades públicas de abertura do curso em várias localidades sob condições precárias, com finalidade de ampliar o número de vagas, com o mínimo de custo possível, atendendo, assim, as prescrições normativas previstas no Plano Nacional de Educação e no Plano Estadual de Educação. Assim, pode-se afirmar que esses movimentos, em Mato Grosso do Sul, acompanham as políticas de educação superior no Brasil, tendo como viés atender o mercado e ampliar a economia regional, no sentido de que o aumento no número de cursos amplia a demanda, trazendo para o município um aumento significativo na 149

população residente (que, geralmente, vem de outras regiões do estado e até do país) e, conseqüentemente, maior arrecadação de receita. Esse movimento, então, mais se reflete numa expansão numérica que propriamente qualitativa. Na rede privada, no estado, em 1990 (único setor que oferecia o curso) os cursos de direito tinham 1.778 alunos matriculados; em 2002, esse número saltou para 5.703, crescendo mais de 300% na área. (INEP, 2003) É somente na década de 1990 que o curso de direito foi criado pelo setor público. No entanto, nesta década, o movimento de interiorização foi mais acentuado no setor público que no privado: 5 cursos foram criados pelas públicas-estatais (UFMS e UEMS) nos municípios de Dourados, Três Lagoas, Naviraí, Corumbá e Paranaíba; e 3 pelo privado: Ponta Porã, Rio Verde de Mato Grosso e São Gabriel D’Oeste (UNIDERP, FIP, UCDB). Esse movimento acentuado no setor público está relacionado com as manifestações da sociedade civil (principalmente da comunidade estudantil) em prol do ensino público no interior do estado, mais especificamente com o curso de direito, aliado ao movimento de expansão das vagas no ensino superior público, como previsto no PNE. Já no segmento privado o processo de expansão foi maior que de interiorização, ou seja, neste mesmo período, 4 cursos de direito foram criados na capital. Assim, ao todo, no estado, foram criados 6 cursos nas instituições públicas estatais, 6 nas privadas empresariais e 1 na confessional comunitária. Desde 1965 até 2002, há 18 cursos de direito em Mato Grosso do Sul (12 no interior e 6 na capital), sendo o maior número de vagas oferecidas pelo setor privado: 1.740 vagas anuais (78,1%) e 490 (21,9%) pelas públicas estatais. Há predominância do período noturno no oferecimento das vagas: no setor privado, 65% (1.130); no público, 49% (240). A facilidade de instalação do curso noturno neste período é motivada por três fatores fundamentais: a) o estudante que trabalha durante o dia não tem problema 150

para freqüenta-lo à noite; b) o curso não requer utilização de laboratórios; e c) a maioria do corpo docente é formada por profissionais liberais e concursados, ou seja, professores que não podem lecionar no período diurno. Notou-se que a maioria dessas vagas se encontra no interior, representando 55,5% das vagas oferecidas (850). Helena Sampaio concluiu, em seu trabalho sobre o setor privado na educação superior no Brasil, que a criação de cursos noturnos no interior nada mais é do que “o conjunto de cursos que traduz táticas muito específicas dos estabelecimentos em face de mercados muito diferenciados de ensino superior (...)”, apontando, como público-alvo, “jovens recém-egressos do curso secundário, sem condições financeiras e/ou domésticas para prosseguir estudos em centros maiores (...).” (2000, p. 62) Em Mato Grosso do Sul, pode-se verificar esse mesmo fato: no interior, a maioria da demanda por ensino superior é proveniente da rede pública de ensino – 86,3% (IBGE, 2000) Mato Grosso do Sul acompanha o cenário nacional no que pertine à predominância das vagas do curso de direito no setor privado - 87% no Brasil - e no período noturno - 90,1% no Brasil. (INEP, 2003), demonstrando que a sociedade política autoriza a criação de cursos em desconformidade com a legislação vigente, e deixa, de idêntico jaez, de cumprir seu papel de fiscalizadora, em evidente abertura da educação superior ao mercado (mercantilização) nacional e estrangeiro. O propósito de Bresser Pereira torna-se explícito nessa lógica da reforma do Estado, tanto no que se refere às instituições já citadas [privadas], quanto em relação à esfera pública: trata-se de introduzir, na educação superior, a racionalidade gerencial capitalista e privada, que se traduz na redução da esfera pública ou na expansão do capital, com sua racionalidade organizativa, para setores outrora organizados segundo o interesse público. (SGUISSARDI; SILVA JR, 2001, p. 77)

Há outro aspecto a considerar: o papel da OAB na criação e reconhecimento dos cursos jurídicos no Brasil ainda é considerado pela instituição, desde suas origens, importante. Contudo, a posição das sociedades civil e política sobre o assunto é 151

dividida: uns o consideram essencial, outros abusivo, sob o argumento de que a instituição não tem competência técnica para avaliar o ensino jurídico. Adilson de Castro afirma que “a OAB não entrou no processo de avaliação com o objetivo de fechar os cursos de direito. O grande objetivo é lutar pela melhoria desses cursos; é ser um instrumento indutor de qualidade.” (2000, p.14) Já o Vice-Reitor da Universidade Cândido Mendes (UCAM) assevera “que haja preocupação da entidade de classe com o ensino é elogiável, que se intrometa na seara, desconhecendo os seus meandros e despida de formação adequada para avaliar os procedimentos educacionais, é de se lamentar.” (ALMEIDA, Folha Dirigida, 05/02/2004) Porém, a manifestação da OAB tem caráter apenas consultivo e não vinculativo como até hoje a entidade vem lutando para sê-lo. O envio dos projetos políticos pedagógicos de criação e reconhecimento dos cursos à OAB não é obrigatório pelas IES, o que resulta, muitas vezes, em desconhecimento desses cursos pela entidade. Concluiu-se que a manifestação da OAB, em alguns casos, é necessária porque tenta coibir a criação e o reconhecimento de muitas IES que não oferecem condições mínimas de funcionamento. Assim, diante da força política que a entidade detém no governo, conseguiria afastar do ensino muitas instituições que pretendem atender apenas as exigências do mercado e não oferecer educação de qualidade. Por outro lado, em algumas situações, o parecer da OAB é prejudicial à instituição de ensino superior, uma vez que, para avaliar o ensino, leva em consideração fatores que não são eficazes nas avaliações institucional e do aluno, como o Exame Nacional de Cursos e egressos dos cursos no Exame de Ordem da entidade, porque não avaliam, em concreto, a qualidade do ensino ministrado pela instituição. Talvez se os critérios avaliados pela entidade fossem modificados, bem como a forma que avalia os cursos (número de

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pontos em ordem previamente estabelecida), sua manifestação pudesse ser vinculante, resultando em melhoria da qualidade dos cursos jurídicos no Brasil. Em relação a Mato Grosso do Sul, o papel da OAB é o mesmo, tendo em vista que o parecer final é emitido pelo Conselho Federal da entidade (Comissão do Ensino Jurídico - CEJ). Dessa forma, é possível que a seccional do estado emita manifestação diferenciada daquela emitida pela CEJ. Destarte, infere-se que os movimentos de expansão e de interiorização dos cursos de direito no estado é desordenado, fato caracterizado a partir da década de 1990 devido à implementação de políticas públicas decorrentes da Reforma do Estado efetivada a partir de 1995 e conformativas com as diretrizes dos organismos multilaterais. Luiz Dourado aponta a existência dessas políticas públicas como resultado das políticas de mercado, apresentando, pois, caráter eminentemente privado: As políticas de expansão da educação superior, nesse contexto, configuram-se por meio de movimentos assincrônicos, caracterizando esse nível de ensino no país como amplo e heterogêneo, permeado por práticas de natureza pública e privada, com predominância destas últimas. Nos últimos anos, esse processo expansionista foi deliberadamente conduzido pelas políticas oficiais, tendo se consubstanciado por natureza e caráter predominantemente privado, como a criação das novas IES, a criação de novos cursos e formatos organizativos, reestruturação das IES, entre outras. Tais políticas têm resultado em um intenso processo de massificação e privatização do ensino superior no Brasil, caracterizado pela precarização e privatização da agenda científica, negligenciando o papel social da educação superior como espaço de investigação, discussão e difusão de projetos e modelos de organização da vida social, tendo como norte a garantia dos direitos sociais. (2002, p. 247)

As diretrizes recomendadas pelos organismos multilaterais apontam para o ajuste fiscal, privatização, liberação do mercado, enxugamento dos serviços sociais prestados pela sociedade política, entre outros aspectos que levam os países, principalmente os subdesenvolvidos (como é o caso do Brasil), a se submeterem às suas regras, para não restarem à margem do mercado internacional e, assim, submergirem 153

cada vez mais à condição de subdesenvolvidos. Cursos superiores que têm baixo custo de criação e manutenção, como é o caso do curso de direito, são alvos fáceis para as IES, tanto públicas como privadas, sobretudo estas últimas, porque atendem àquelas diretrizes apontadas pelas agências multilaterais: ampliam-se as vagas na educação superior, aumentando, assim, a oferta, sem que essa manobra traga maiores investimentos financeiros, inclusive de capacitação profissional, uma vez que a experiência profissional é considerada tanto ou mais importante que a titulação acadêmica. Pôde-se extrair dos projetos políticos pedagógicos e dos processos de criação e reconhecimento dos cursos de direito no estado, que a pesquisa, na minoria deles, é incipiente e, nas demais, sequer existe, pois há poucos professores com titulação acadêmica na área específica do direito: entre os que possuem titulação (61,3%), 34,7% na área jurídica e 26,5% em outras áreas; os demais não possuem titulação. Nesta pesquisa não foram encontrados dados que indicassem a produção e o incentivo à pesquisa nessas universidades. Dessa análise, denotou-se, também, que o perfil dos cursos de direito no estado é caracterizado pelo viés profissionalizante, ou seja, voltado preponderantemente para formação de profissionais, quer no setor privado como no setor público. Anísio Teixeira faz alusão à educação superior no Brasil como sendo uma simples ponte para colocação no mercado de trabalho, deixando, de lado, a função que deveria exercer na sociedade de formação da cultura humana: Esse país é o país dos diplomas universitários honoríficos, é o país que deu às suas escolas uma organização tão fechada e tão limitada, que substituiu a cultura por duas ou três profissões práticas [como é o caso do curso de direito]; é o país em que a educação, por isso mesmo, se transformou em título para obter um emprego(...) O que há são demasiadas escolas de certo tipo profissional, distribuindo anualmente diplomas em número muito maior que o necessário e o possível, no momento, de se consumir. (1997, p.125)

154

Assim, inobstante a legislação brasileira seja rígida quanto aos critérios de criação e reconhecimento dos cursos de direito no Brasil, o processo de expansão e interiorização desses cursos no estado de Mato Grosso do Sul vem ocorrendo de forma desordenada e em descompasso com a legislação vigente, tendo em vista a ausência de controle e fiscalização da sociedade política. Nesta perspectiva, vários desafios se colocam para pesquisas futuras, levando-se em consideração os dados apresentados nesta pesquisa, principalmente para o GEPES – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior – da UCDB, no qual esta dissertação se insere, uma vez que estuda as políticas de educação superior na região Cento-Oeste. Assim, algumas questões podem ainda ser analisadas: 1.

qualidade do ensino jurídico no Brasil e, especificamente, no estado de Mato Grosso do Sul;

2.

formação humana e profissional do bacharel em direito;

3.

por que o curso de direito tem grande demanda? O que leva os candidatos a optarem por esse curso?

4.

internacionalização e transnacionalização dos cursos jurídicos no país;

5.

mercado de trabalho para o bacharel em direito: existência ou ficção? Inferi-se, dessa forma, que ainda há muitos objetos de pesquisa que podem

ser explorados e analisados sob a ótica dos cursos de direito no Brasil e também no estado de Mato Grosso do Sul, considerando suas peculiaridades regionais, principalmente na perspectiva de análise das políticas públicas para a educação superior.

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